Lorca
e o multiculturalismo, o cante jondo e os arabismos - Roberto
Ponciano - Mestre em Filosofia - UGF; mestrando em Letras Neolatinas
pela UFRJ e se especializando em Economia pelo CESIT-UNICAMP.
Resumo
O
objeto desta dissertação é mostrar a influência que o Cante
Jondo, música, dança, canto e poesia de origem cigana tem na poesia
de Federico Garcia Lorca, o principal poeta espanhol da Geração de
27. Como a poética de Lorca tem, entre suas influências, a da
cultura e da linguagem popular, ela vai beber do ritmo, da temática
e da musicalidade do Cante Jondo, música de influência cigana que é
conhecida mundialmente pelo baile Flamenco. Além da musicalidade, o
tema trágico da morte, da inevitabilidade do destino, faz a
confluência entre Lorca e o Cante Jondo, que por sua vez é uma
música cigana que tem entre suas influências a cultura mourisca e a
indiana. Nesta dissertação mostraremos como Lorca vai fazer a
leitura estética desta tradição.
Também
trabalharemos a influência árabe no Cante Jondo, e através desta a
influência árabe na poética de Garcia Lorca.
The
object of this dissertation is to show the influence that the Cante
Jondo, music, dance, song and poetry of gypsy origin is in the poetry
of Federico Garcia Lorca, the main Spanish poet of the Generation of
27. How has the poetry of Lorca, among his influences the culture and
popular language, he will be influenced by the rhythm, theme and
musicality of the Cante Jondo, gypsy music influence that is known
worldwide for Flamenco dance. Besides the musicality, the tragic
theme of death, the inevitability of fate, is the confluence between
Lorca and Cante Jondo, which in turn is a gypsy song that has among
its Moorish influences and the Indian culture. This thesis will show
how Lorca make aesthetic reading of this tradition.
We
will also work to Arab influence in Cante Jondo, and through this
Arab influence in the poetry of Garcia Lorca.
Palavras-chave:
Poética, multiculturalismo, Mudança estética; Mudança temática;
INTRODUÇÃO:
Federico
Garcia Lorca é o principal poeta da geração de 27 na Espanha,
Geração que foi a mais fecunda do século XX, em que pese estar
espremida entre as duas grandes guerras e uma Guerra Civil (que foi o
prólogo da Segunda Grande Guerra Mundial, e onde Hitler pode ensaiar
suas táticas de Guerra Relâmpago, foi na Guerra Civil Espanhola que
a força aérea alemã ensaio suas estratégias de bombardeio aéreo).
Esta geração de 27 esteve dividida entre a tradição e a
modernidade, entre a agonia da perdida glória espanhola, e a busca
de novos arquétipos humanísticos, artísticos e estéticos. Seu
marco de princípio é a comemoração do nascimento de Luis de
Gôngora, poeta cultista tradicional, representante da glória
perdida espanhola, e o elogio ao passado espanhol perdido; de outro
lado, a busca de uma poesia mais direta, que recebesse influência da
estética modernista e seus experimentalismo, como o verso branco sem
rimas, ou a temática popular e a pesquisa da linguagem coloquial
popular e vulgar.
Lorca
foi, sem dúvida, o mais avançado destes vanguardistas, recebendo
influxo fortíssimo da poesia dos povos marginalizados da Andaluzia,
inclusive dos ciganos, e da arte pictórica, sendo o grande poeta
surrealista da Espanha, que foi a maior ousadia vanguardista desta
geração, incorporar o movimento da pintura e do cinema, a
sinestesia do sonho e do subconsciente, e os temas agônicos, a
morte, a perda, a dor, a loucura, o desespero. Neste texto, vamos
brevemente elucidar o que foi a Geração de 27 para entrarmos no
tema principal, que é um dos influxos mais fertéis na criação de
Lorca, que foi a influência do Cante Jondo cigano em sua temática e
estética.
Também
trabalharemos a questão da influência da cultura árabe na temática
e na estética lorquiana, oito séculos de dominação árabe na
península hispânica não pasariam incólumes na cultura, ainda mais
na cultura popular, que Lorca vai levar para seu teatro e para sua
poesia. Assim, vamos analisar como a estrutura poética árabe vai
penetrar na poesia de Lorca e como seus temas acabaram, através da
estrutura do Cante
Jondo,
perspassando para a relação de temas recorrentes de Federico:
morte, lua, amor trágico, dor, pesar, lua, noite, valentia, luta.
Uma série de temas recorrentes da poesia popular; que foram
estabelecidos desde o domínio sarraceno na península, e que
acabarão desembocando na poética do maior escritor da fecunda
geração de 1927. Além disto, a musicalidade dos poemas não dada
através de rimas concordantes nos versos, mas de um ritmo interno e
na repetição de palavras e estruturas, o que acontece na poesia
popular árabe, mostraremos como este influxo nos textos de Lorca,
levará a uma grande influência de Lorca nos poetas árabes das
gerações seguintes, como a temática, a escolha popular de Lorca
pelo Cante
Jondo,
também sua temática trágica e pessimista, amor fatal, morte; e
mesmo sua tragédia pessoal, com sua execução no princípio da
Guerra Civil, vão provocar uma atração irresistível a vários
poetas árabes.
LORCA
E A GERAÇÃO DE 1927
Afinal,
o que foi a Geração de 27 na Espanha, qual seu significado? Optamos
por definir a Geração de 1927 como um conjunto de escritores,
pintores e até cineastas (Buñuel, por exemplo) que nasceram em anos
próximos, tiveram formação intelectual com influências
semelhantes e tiveram por base guias canônicos comuns. Lorca é
desta geração o escritor mais influente, ao mesmo tempo que é o
mais espanhol por sua temática e seu destino, é o mais local, o que
mais absorve a temática regional, de sua terra natal, Andaluzia
incluindo o idioma dos ciganos em seu Cante Jondo. Andaluzia é um
dos locais de maior influência árabe na Espanha, assim, na poética
de Lorca, também há, de forma indireta, reflexos do arabismo
andaluz, da cultura árabe que durante séculos dominou a Península
Ibérica, e que refletirá na poesia de Lorca não só no léxico,
mas no ritmo e na temática. Não à toa, Lorca será o poeta
espanhol da Geração de 27 que mais influenciará os árabes.
O
significado da Geração de 27 na Espanha transcende a questão
meramente estética, é uma geração de intelectuais que busca
entender o lugar da nação, após a perda da hegemonia da antiga
metrópole e império colonial. É chamada de Geração de 27, por
terem nascido em anos próximos, terem recebido formação
intelectual com influência semelhante, e tiveram por base literária
ícones comuns, o espanhol Gôngora e o latino-americano Rubem Dario.
Como eram todos jovens, renovaram a linguagem literária, com o uso
do coloquial e do popular, ao mesmo tempo que iam buscar palavras
perdidas ou não descobertas da Espanha popular, e criaram cânones
libertários e renovadores não só na poesia, mas também no teatro,
com o próprio Lorca, no cinema com Luis Buñuel e nas artes
plásticas com Salvador Dalí. A geração constitutuiu-se como tal
após o manifesto da comemoração do nascimento de Luis de Góngora
e Argote, que foi considerado o poeta por excelência, pela limpidez
de seu verso, focado no equilíbrio sem os exageros románticos. Esta
geração criou relações pessoais e políticas, tinham consciência
de serem um grupo, criando e escrevendo em revistas literárias
comuns – Caballo Verde, Revista Sevillana Grecia, etc – e em
atitudes estéticas e políticas coletivas, assim, a temática
popular e espanholista era comum a obra de quase todos.
Temáticas
da geração de 27: esta geração, ao mesmo tempo que fazia a
apologia do equilíbrio e da simplicidade, acabou enovelada em
contradições do seu próprio tempo, em que a dialética marxista
causava grande impacto na estética literária (ainda que o grupo não
tivesse nenhum escritor que seguisse uma estética de influência
marxista), é que a confrontação de classes sociais e as revoltas
populares, que inspiraram inclusive a República, acabavam por se
impor no tom de crítica social de muitas obras, e no inconformismo
dos costumes, tanto na atitude anti-burguesa pessoal e de vida,
quanto no experimentalismo estético. Assim, eram temas da geração
de 27, sempre em contradição:
1)
o equilíbrio e a contradição; de um lado o equilíbrio buscado na
poesia de Góngora, um verso límpido, fluido, sem os exageros
românticos; de outro lado as contradições que assolam a própria
Espanha, em suas lutas para sair da influência feudal e se
modernizar, com a pressão da classe trabalhadora, que elege um
governo socialista.
2)
o intelectual e o sentimental; De um lado a busca de um equilíbrio
e da eliminação das influências românticas, vistas como
decadentes e burguesas; de outro lado, o retorno do lírico, na
transcrição dos cantos populares.
3)
Pureza de sentimentos e revolução (inclusive política); De um lado
a busca de sentimentos estáveis e sem arroubos, de outro os
sentimentos revolucionários, inclusive os trágicos (presença
recorrente da morte);
4)
Cânon culto e influência estética e linguística popular; Uma das
maiores contradições da Geração de 27, que se inaugura como
corrente fazendo a apologia do Góngora e do cultismo; logo em
seguida, até pelos compromissos políticos, esta geração vai se
contaminar dos temas e da estética popular, o que era completamente
estranho ao cânon culto original;
5)
Universalismo e internacionalismo versus o espanholismo (ultraísmo),
ou seja a busca de uma glória e de uma identidade perdida que na
verdade ninguém sabia onde buscar, apologia de Mancha e Andaluzia,
do local e do particular universalizados, devido à debilidade da
classe dominante, da burguesia espanhola, a nova identidade era
buscada na vida e na linguagem das classes populares e
marginalizadas;
6)
Tradição e respeito aos clássicos e renovação e experimentalismo
nos modelos literários; A Geração de 1927 vai chegar ao
experimentalismo extremo com a mescla entre a pintura de Dalí, o
cinema de Buñuel e a pintura de Lorca, o pictorismo e o surrealismo
expressos na poesia, o surrealismo será o avant
garde
dos experimentalismos desta geração.
Vê-se
que o movimento se move em contradição hegeliana, na negação da
negação, sempre em tensão dialética entre o passado e o futuro, a
ruptura e a tradição, a busca de um novo caminho e o reconhecimento
do ser espanhol. Isto, em lugar de levar a uma estagnação, levou a
uma grande riqueza de formas, já que todos os eânones não eram
fixos, havia um experimentalismo em busca do que seria esta nova
identidade. Na verdade, o movimento refletia o momento da própria
Espanha, um signo de uma contradição de um sentimento nostálgico
de um passado perdido, e as rupturas revolucionárias que acabarão
por gestar a República, o tragicismo dos poemas de Lorca, acabariam
profeticamente por prenunciar a tragédia a qual sucumbirá a jovem
República e a própria tragédia pessoal do jovem escritor.
Influências
e modelos literários da Geração de 27
A
geração de 27 receberá a influência passadista de Góngora e do
cultismo, ou seja, de limpeza e elegância nos versos, de jogos de
palavras sem arrebatamento românticos; contraditoriamente, receberá
também a influência de Gustavo Adolfo Bécquer, e sua poesia pós
romántica, que ainda que tenha lirismo, tem comedimento em seu
sentimentalismo e influência da poesia francesa pós romântica; por
último, Ruben Dario e as inovações pós modernas, o poeta
latino-americano que mais influenciou Espanha, mas que dialogava com
toda a vanguarda europeia.
A
Geração de 27 também sofreu a influência de Antônio Machado e da
assim chamada Geração de 98, geração esta que também vivia a
contradição entre o ultraísmo e a busca de um novo cânone
espanhol. Geração está que influenciará muito a geração de 27
por vários fatores, a maiores destes poetas está vivo e conviverá
com os novos poetas de geração de 27, vivem as mesmas contradições
históricas da Espanha no início do século XX e enfrentam problemas
estéticos de renovação e de temática semelhantes. Além de
Antônio Machado, irão influenciar a Geração de 27 Ortega e
Gasset, Ramón Gomes de la Sierra, Juan Ramón Jimenez. Assim, a
elegância e a limpeza nos versos, musicais e sem exageros ou
desesperos românticos é síntese de todas estas influências.
A
geração de 1927, a partir destas influências vai cada vez mais
fazendo uma poesia mesclada, “impura”, para além dos cânones
que a inspiraram, se distanciando das vanguardas e dos
experimentalismos e se aproximando do engajamento e do compromisso
Político (Lorca, Miguel Hernández). Também surge o surrealismo,
aproximando a poesia da pintura, mas também do subconsciente, do
onírico, do pictórico, há o casamento da geração literária com
o cinema e a pintura através das relações estéticas e da amizade
(as vezes agressiva e contraditória) entre Lorca, Dali e Buñuel,
que moraram juntos na residência dos estudantes em Madrid, em 1920,
há rumores e evidências inclusive de um caso de amor entre Lorca e
Dalí, a homossexualidade de Lorca tão discutida, teria expressão
trágica na sua poesia (Ode a Walt Whitman), dado que ele sofreu todo
tipo de perseguição e constrangimento por conta dela, e foi citada
inclusive na sua execução - morto por ser "rojo y maricas"
pelos fascistas . O surrealismo será o experimento mais vanguardista
da Geração de 27, incorporando à estética espanhola o onírico, o
subconsciente, o sonho, a agonia, o diálogo com Thanatos e Eros.
O
grupo se reuniu como Geração no natalício dos 300 anos de
falecimento de Luis de Gôngora, a partir daí começou a influenciar
toda a literatura e a arte espanhola. Em Málaga, resultado deste
encontro e manifesto, a revista Litoral, dirigida por Emílio Prados
e Manuel de Altolaguirre, publicou um número especial em homenagem a
poesia deste grupo de poetas. Por conta desta revista, Ignácio
Sánchez Mejía, famoso toureiro espanhol, os convida a ir a Sevilha
ler seus poemas numa tertúlia literária aberta ao público.
Compareceram neste evento: Federico Garcia Lorca, Rafael Albertí,
Jorge Guillén, Dámaso Alonso e Gerardo Diego. A partir daí o grupo
se torna conhecido e influente em toda Espanha e lança várias
revistas, seus livros obtém relativo sucesso e a Geração de 1927
passa a ditar o novo cânone literário, através das revistas
literárias e de suas obras, passam a ser a estética a ser seguida a
partir daí.
Importante
ressaltar que esta geração não se fixou somente na poesia, foi uma
geração que trabalhou em todas as áreas das artes. Além do
trabalho de poesia, houve ensaístas como Damaso Alonso (também
prolífico poeta), Pedro Salinas, dramaturgos como García Lorca y
Alejandro Casona; Buñuel, que era cineasta e artistas plásticos,
influenciados por estes poetas com os quais conviveram na residência
de Madrid: Almada Negreiros, Manuel Ángeles Ortiz, John Armstrong,
Maurice Asselin, Rafael Barradas, Juan Bonafé, Francisco Bores,
Norah Borges, Pancho Cossío, Salvador Dalí, Robert y Sonia
Delaunay, Francesc Domingo, Apelles Fenosa, Pedro Flores, Luis Garay,
Federico García Lorca, Gabriel García Maroto, Ramón Gaya, Ismael
González de la Serna, Juan Gris (muere en 1927), Marcel Gromaire,
José Gutiérrez Solana, Wladislaw Jahl, Cristóbal Hall, Manolo
Hugué, Maruja Mallo, Joan Miró, José Moreno Villa, Jesús
Olasagasti, Santiago Ontañón, Benjamín Palencia, Joaquín Peinado,
Santiago Pelegrín, Pablo Picasso, Gregorio Prieto, Pere Pruna, Olga
Sacharoff, Alberto Sánchez, Ángeles Santos, Pablo Sebastián, Josep
de Togores, José María Ucelay, Adriano del Valle, Daniel Vázquez
Díaz, Esteban Vicente y Hernando Viñes.
Os
artistas plásticos que foram influenciados ou tiveram relação com
esta geração se moveram entre o cubismo, o neo-clasicismo, a
figuração líricas, os realismos de novo tipo e o surrealismo,
estes "ismos", nas palabras de Eugenio Carmona, são como
«um repertorio de que podem extrair soluções específicas para
problemas concretos». Com nomes relacionais a geração de 27 como
os de Dalí, Miró e Picasso, mostram a extensão e a influência
desta geração.
1936
– 1939 – GUERRA CIVIL ESPANHOLA
Em
1936 estala a Guerra Civil Espanhola, através de um golpe de cunho
fascista, conservador-monarquista e de direita, contra a República
Democraticamente eleita. De um lado, os Republicanos, socialistas,
anarquistas e comunistas, que haviam sido eleitos democraticamente,
lutam para manter o Governo legítimo. Do outro lado, monarquistas,
falangistas (um movimento de cunho fascista) e golpistas
conservadores de todos os matizes se organizam para dar um golpe
militar. Os dois lados se enfrentam numa guerra civil de 3 anos, que
dividirá a Espanha em duas, e será a antessala da Segunda Grande
Guerra Mundial. Hitler pode treinar livremente sua tática de
Blietkrieg (Guerra Relâmpago), bombardeando cidades indefesas:
Guernica, obra-prima de Picasso, é retrato trágico e genial deste
período, a tragédia traduzida na pintura (o que também é
revolucionário em estética e como temática: o horror e a dor
expressos como estética plástica, a arte como arma de luta social).
Pela primeira vez na história há o uso de bombardeios aéreos e a
luftwalf alemã pode impunemente atacar posições não só
militares, mas também civis dos republicanos. Soldados fascistas
italianos entram regularmente na Espanha e lutam ao lado de Franco.
Do outro lado os republicanos recebem o apoio das brigadas
internacionalistas, voluntários socialistas e comunistas do mundo
inteiro que se entregam de corpo e alma em defesa da jovem república
assassinada, é que é uma das mais belas páginas de solidariedade
da história da humanidade.
A
maior parte da Geração de 1927 posicionou-se ao lado da República,
não que todos fossem miliantes políticos, mas a própria estética
deste período levava a que muitos poetas deste período fossem
identificados com a nova Espanha, por exemplo, Lorca e seu teatro
mambembe. Lorca é assassinado, Miguel Hernández baleado em combate,
morre na prisão; Antônio Machado (da Geração de 98) morre a
caminho do exílio, num campo de concentração francês. Salinas,
Cernuda e Emílio Prados, exilados, morrerão fora da sua terra
natal; Rafael Albertí volta no fim de sua vida. Apenas Aleixandre,
Damaso Alonso e Gerardo Diego permanecerão na Espanha. Lorca foi a
vítima mais famosa da Ditadura Fascista que seria instalada por
Franco. Como dissemos anteriormente, Lorca fora identificado com a
República, por conta de seus inúmeros amigos socialistas e de seu
grupo teatral popular, “La Barraca”, que interpretava peças para
o povo de forma mambembe, durante a República. Ainda que não fosse
um militante político, havia em seus livros um claro compromisso
estético com ideais de emancipação. Quando estalou a Guerra Civil,
fugiu de Madrid por achar que ficaria mais seguro em sua terra natal,
Andaluzia. Ledo engano, à sua finca foram dois estranhos que o
vigiavam, por conta desta incursão, ele fugiu e se escondeu na casa
de um amigo falangista. Depois de dois dias escondido, foi delatado e
capturado por um grupo de milícia fascista, levado a um terreno
baldio, acredita-se atrás do cemitério da cidade, foi sentenciado a
morte sem julgamento, por ser “rojo y maricas” e executado com
uma gurpo de militantes sócialistas. Foi a morte mais famosa da
crueldade fascista dos golpistas franquistas. Até hoje não foi
encontrado o corpo do mais famoso e mais talentoso dos poetas da
Geração de 1927.
A
República resistirá ainda três anos em luta contra o fascismo, mas
o isolamento da República, com a retirada inclusive da ajuda
soviética, por conta da pressão internacional, decidirá a guerra
para o lado dos golpistas. A tragédia franquista da Espanha
prenuncia a tragédia que se abaterá por toda a Europa, a tentativa
de um governo democrático socialista derrubado a força, fará com
que a Espanha entre num período de isolamento político-econômico,
e que refletirá em suas artes, A maior parte dos grandes artistas
desta geração viverá no exílio, alguns só retornarão à Espanha
após a morte de Franco. As décadas de isolamento levarão ao atraso
não só no campo econômico, mas durante o período de Franco, não
haverá uma geração tão fértil e criativa capaz de tornar Espanha
universal, como foi a Geração criada no início do século XX.
FEDERICO
GARCIA LORCA E O CANTE
JONDO
Lorca
não só foi influenciado pelo Cante Jondo, foi um estudioso do ritmo
e da poesia cigana, tendo escrito trabalhos teóricos e feito
conferências sobre o tema. Numa Espanha convulsionada, isto por si
só era uma opção de classe, os ciganos, povo nômades por
excelência e marginalizados, tanto na idade média, quanto no
nascente capitalismo espanhol. A Espanha vivia uma transição
difícil, antigo império colonial, seu poderio e sua riqueza também
foram sua desgraça. O ouro espanhol financiou a revolução
industrial na Inglaterra, o fácil acesso ao ouro das Américas, sem
investimento nas manufaturas e na futura industrialização, acabou
por tornar a indústria espanhola incipiente e a Espanha
completamente dependente dos países industrializados dominantes,
principalmente depois da derrota da "armada invencível".
Mesmo numa situação de dependência, indústria incipiente,
estrutura feudal no campo e na sociedade, os ciganos eram duplamente
marginalizados e estigmatizados: na sociedade feudal, perseguidos
pela religião oficial por paganismo, no capitalismo, incompatíveis
por seu nomadismo com a Revolução Burguesa.
Neste
texto, vamos trabalhar com a transcrição de uma conferência
proferida por Lorca em um jornal chamado, El
Noiticiero Granadino,
em dias posteriores a uma conferência proferida em Sevilha, em 1922.
Segundo Lorca, o Cante Jondo é um conjunto de canções cujo tipo
genuíno e perfeito é a “siguiriya gitana”, vejamos a definição
de Lorca:
1Se
da el nombre de cante jondo a um grupo de canciones andaluzas, cuyo
tipo genuino y perfecto es la siriguiya gitana, de las que derivan
otras
canciones aún conservadas por
el pueblo, como los polos, martinetes, carceleras y soleares. La
coplas llamadas malagueña, granadinas, rondeñas, peteneras, etc.,
no pueden considerarse más que como consecuencia de las antes
citadas, y tanto por su arquitectura como por su ritmo, difieren de
las otras. Estas son llamadas flamencas.
El gran maestro Manuel de Falla, auténtica gloria de
España y alma de este concurso, cree que la caña y la playera, hoy
desaparecidas, casi por completo, tienen en su primitivo estilo la
misma composición que la siguiriya y sus gemelas, y cree que dichas
canciones fueron, en tiempo no lejano, simples variantes de la citada
canción. Textos relativamente recientes, le hacen suponer que la
caña y la playera ocuparon en el primer tercio del siglo pasado, el
lugar que hoy asignamos a la siguiriya gitana. Estébanez Calderón,
en sus lindísimas "Escenas andaluzas", hace notar que la
caña es el tronco primitivo de todos los cantares, que conservan su
filiación árabe y morisca (...)
Assim, o Cante Jondo é, desde seus
primórdios, uma mescla de culturas, Andaluzia foi um dos principais
pólos de dominação e da cultura árabe, assim, o ritmo, a
musicalidade e a poesia, herdada pelos ciganos, se deu com uma mescla
em relação a cultura morisca que lá havia antes. Lorca mostra que
a caña
é o tronco primitivo destes cantares, e tem origem árabe, ele
observa com agudeza que caña
se diferencia pouco de gamis,
que segundo Lorca daria o similar árabe para canto. Lorca, todavia,
diz que o Cante Jondo é uma mescla de música indiana, segundo ele,
os grupos originais de ciganos que habitavam em Andaluzia teriam
vindo da Índia e de lá trazido sua música, na Espanha se mesclou
aos ritmos árabes, enquanto o Flamenco, seu parente próximo,
recebeu uma mescla maior da cultura européia.
É
importante ressaltar que la Sirigaya, não é só uma transplantação
cultural, mas esta mistura de ritmos, harmonias e estéticas musicais
e poéticas, com influência dos vários povos que habitavam a
Andaluzia, tanto que o Cante Jondo não se desenvolve em outras
regiões da Espanha. Para García Lorca, o Cante Jondo tem influência
até da igreja católica, em seu canto litúrgico, gregoriano
lamentoso, na invasão da península pelos árabes islâmicos, houve
tolerância religiosa e os cristão puderam conservar sua crença,
cultos,
culturas, festas e tradições. Assim, na invasão islâmica, ao
canto católico, juntou-se a música dos árabes sarracenos, criando
uma nova forma de cultura popular. Por fim, a chegada dos ciganos à
Espanha foi o último elemento que faltava para a estrutura final que
se conhecia então como Cante Jondo. Ratificamos, que a prova de que
ele não é um canto genuinamente, ou puramente cigano, é que ele
não existe em nenhum outro lugar que não seja Andaluzia, que ele é
resultado desta mescla cultural única, dos povos que habitavam esta
região. Vejamos o que ele diz:
2Las
diferencias esenciales del cante jondo con el flamenco, consiste en
que el origen del primero hay que buscarlo en los primitivos sistemas
musicales de la Índia, es decir, en las primeras manifestaciones del
canto, mientras que el segundo, consecuencia del primero, puede
decirse que toma su forma definitiva en el siglo XVIII.
El
primero, es un canto teñido por el color misterioso de las primeras
edades, el segundo, es un canto relativamente moderno, cuyo interés
emocional desaparece ante aquél. Color espiritual y color local, he
aqui la honda diferencia.
Es
decir, el Cante
Jondo,
acercándose a los primitivos sistemas musicales de la Índia, es tan
sólo un balbucio, es una emisión más alta o más baja de la voz,
se una maravillosa ondulación bucal, que rompe las celdas sonoras de
nuestra escala atemperada, qeu no cabe en el pentagrama rígido y
frío de nuestra música actual, y abre en mil pétalos las flores
herméticos de los semitonos.
El
cante Flamenco
no procede por ondulación sino por saltos; como en nuestra música
tiene un ritmo seguro y nació cuando ya hacía siglos que Guido
d´Arezzo había dado nombre a las notas.
El
Cante
Flamenco
se acerca al trino del pájaro, al canto del gallo y a las músicas
naturales del bosque y la fuente.
Es,
pues, un rarísimo ejemplar de canto primitivo, el más viejo de toda
Europa, que lleva en sus notas de desnuda e escalofriante emoción de
las primeras razas orientales.
El
maestro Falla, que ha estudiado profundamente la cuestión y del cual
yo me documento, afirma que la siriguiriya gitana es la canción tipo
del grupo Cante
Jondo
y declara con rotundidad que es el único canto que en nuestro
continente ha conservado toda su pureza, tanto por su composición,
como por su estilo, las cualidades que lleva en sí el cante
primitivo de los pueblos orientales.
Assim,
o Cante
Jondo
é uma mescla de cantos andaluzes, carregados de orientalismo que tem
origem na civilização bizantina. Segundo a versão de Lorca, os
ciganos chegaram à Espanha por volta de 1400, fugindo da Ìndia, em
meio ao conflito de Mouros com Cristãos, expulsos, segundo a versão
meio mítica e lendária, pelos cem mil guerreiros do Grande
Tamerlan.
Conceituando,
em poucas linhas o que seja o Cante
Jondo,
é importante entender ao influência que ele vai ter na poesia
lorquiana. Se vemos nas próprias notas de Lorca, há questões
conceituais estéticas importantes, como a "pureza" e o
"primitivismo' do Canto, há em todos os escritores da Geração
de 27, a busca de um "espanholismo perdido", com a timidez
da classe burguesa espanhola, e a decadência de sua aristocracia, a
opção pelos pobres e marginalizados é uma das formas de procurar
uma nova identidade nas camadas populares. Também há questões
técnicas. O Cante
Jondo dialoga
com a temática lorquiana, já que o desespero, a dor, a morte, são
temas afeitos à Lorca, vejamos na poesía del cante jondo:
3Ay
de mí, perdi el camino;
en
esta triste montaña
ay
de mí, perdí el camino;
déxame
meté l´rebañu
por
Dios en la to cabaña.
Entre
la espesa flubina,
¡ay
de mí, perdí el camino!
déxame
pasar la noche
en
la cabaña contigo.
Perdí
el camino
entre
la niebla del monte,
¡ay
de mí, perdí el camino!
Lorca
alimenta-se de boa parte desta temática e estética. A repetição
de palavras para marcar o ritmo, dor, solidão, desespero, lamento. O
Cante
Jondo
dialoga com a temátca da poesia de Lorca. Federico, o poeta da lua,
da noite, da solidão, do desespero, da agonia, do subconsciente, do
onírico, leva para a estética canônica acadêmica todo o influxo
da cultura popular, por exemplo:
Romance
de La Luna Luna4
A
Conchita García Lorca
La
luna vino a la fragua
con
su polisón de nardos.
El
niño la mira, mira.
El
niño la está mirando.
En
el aire conmovido
mueve
la luna sus brazos
y
enseña lúbrica y pura,
sus
senos de duro estaño.
Huye
luna, luna, luna.
Si
vinieran los gitanos,
harián
con tu corazón
collares
y anillos blancos.
Niño,
déjame que baile.
Cuando
vengan los gitanos,
te
encontrarán sobre el yunque
con
los ojillos cerrados.
Huye
luna, luna, luna,
que
ya siento tus caballos.
Niño,
déjame, no pises
mi
blancor almidonado.
El
jinete se acercaba
tocando
el tambor del llano.
Dentro
de la fragua el niño
tiene
los ojos cerrados.
Por
el olívar venían,
bronce
y sueño, los gitanos.
Las cabezas levantadas
Las cabezas levantadas
y
los ojos entornados.
¡Cómo
canta la zumaya,
ay
cómo canta el árbol!
Por
el cielo va la luna.
con
un niño en la mano.
Dentro
de la fragua lloran,
dando
gritos los gitanos,
El
aire la vela, vela.
El
aire la está velando.
O
Romance
de la luna luna,
um dos poemas mais famosos de Lorca tem transplantado para a poesia
acadêmica, vários elementos populares do Cante
Jondo. Primeiro
o uso de versos com ritmo musical sem rima. Boa parte da estrutura
rítmica de toda a poética de Lorca, se dá na repetição de
palabras ou estruturas, assim como a canção popular feita na rua,
as coplas. Estruturas muito comuns na canção popular medieval e que
chegaram até o Brasil através dos cordéis e dos repentistas.
Também a temática. O mundo de Lorca é caótico, não é o mundo
romântico que busca uma redenção e tem heróis com valores
decadentes cavalheirescos. Há uma fotografia da realidade, crua, sem
que seja suavizada, todo martírio, dor, mas também a musicalidade,
a festa, a sexualidade (Bodas
de Sangre). Neste
poema,
parece que há uma fotografia de uma cena, como se Lorca fosse um
pintor ou um cineasta
e
captasse o movimento, incluído seu movimento. O poeta não
influencia moralmente no texto, não faz qualquer tipo de evocação,
parece que ele apenas pinta a estrutura que vê, como um pintor numa
tela. Isto não signifique que ele seja neutro, a própria escolha da
temática e da estética, já é uma posição, anti-romântica a
anti-burguesa por excelência e inovadora-popular, renovando a
estrutura temática e estética da España. Luna, gitanos, morte
(vela, ojos cerrados), os temas de Lorca se repetem neste poema e se
fixam como uma nova estrutura e marca poética. Vejamos outro poema
extremamente famoso de Lorca:
La
luna y la muerte
La
luna tiene dientes de marfil
¡Qué
vieja y qué triste asoma!
Están
los cauces secos,
los
campos sin verdores
y
los árboles mustios
sin
nidos y sin hojas.
Donde
Muerte, arrugada,
pasea
por sauzales
con
su absurdo
de
ilusiones remotas.
Va
vendiendo colores
de
cera y de tormenta
como
una hada de cuento
mala
e enredadora
La
luna le ha comprado
pintura
de la Muerte.
En
esta noche turbía
¡está
la luna loca!
Yo
mientras tanto pongo
en
mi pecho sombrío
una
feria música
con
las tiendas de sombra.
Lorca
expressa neste poema os temas mais variados do Oriente. A morte, a
lua (identificada com a morte, a escuridão), o sacrifício. Nota-se
também o elemento pictórico, pintura de la muerte, o mundo como
representação, a poesia como pintura a agonia de viver à sombra da
morte, a noite, que evoca o sonho e o subconsciente, elementos, estes
últimos que fariam a passagem para a poesia surrealista, que não é
tema deste texto. Como o tema desta dissertação é a influência do
Cante Jondo, e as influências que sofrem o Cante Jondo, o
multiculturalismo na estética e na temática de Lorca, após as
comparações da poética com a música e a poesia cigana, vamos
agora mostrar como esta opção pela confluência popular Andaluz,
importante centro de difusão da cultura árabe na Península
Ibérica, fez com que Lorca fosse o poeta espanhol que mais vai
influenciar a poesia árabe, inclusive a contemporânea.
Segundo
Maritza Requena, a obra lorquiana realiza um resgate do romano ou do
latino, do outro lado do árabe, no ritmo, nas palabras e na
temática. Lorca é um retrato da diversidade cultural que conforma
la identidade espanhola, o principal poeta desta confluência da
Geração de 1927, e cuja influência vai transcender esta geração
e as fronteiras espanholas. Córdoba, Granada e Andaluzia foram as
grandes cidades de dominação árabe, assim, a cultura andaluz
reflete estes séculos de dominação e influência, como inclusive
já vimos, ao explicar o Cante
Jondo. Segundo
Maritza Requena, os mesmos temas do sacrifício, do amor sem fim e
vivo aparecem expressos com o mesmo fim nos poetas árabes
antecessores de Lorca na cultura árabe-andaluz.
Em
Lorca se fundem, o erudito (Góngora), o popular e o folclórico; O
gallego e o árabe-andaluz; o antigo e o tradicional e o novo e
vanguardista, o espanhol e o universal, o mais universal dos
espanhóis, por ser o mais espanhol dos universais. Em Lorca pulsa o
espanholismo trágico de Cervantes em Quixote, é o trágico da
aridez da terra que foi um império, mas não fez a passagem deste
império para um país que tivesse hegemonia na modernidade, o
bucólico, o trágico e o cômico de Quixote. La tauromaquia
espanhola como o próprio Lorca denominou, como busca de uma força
que estaria na terra espanhola, a resseca Mancha e a Andaluzia, esta
busca de uma identidade e uma essência perdida, que o fazem símbolo
de uma época trágica para os espanhóis, que culminam no seu
sacrifício, em sua tragédia pessoal, como se ele fora o sacrifício
platônico desta busca incessante um novo ente espanhol.
Vejamos
um poema
Por
conta destas contradições vivas que foi a poesia lorquiana, de suas
opções temáticas e estéticas, ele foi o poeta predileto dos
jovens poetas árabes. Além das questões estéticas, há questões
políticas que explicam esta confluência (Lorca influenciado pelo
arabismo, Lorca influencia os árabes). As opções que Lorca fez,
sua identidade socialista (mesmo que não militante com o PSOE) e sua
execução por razões político-estéticas. E porque dizemos
político-estético, porque Lorca não pode ser considerado um
militante socialista como Miguel Hernández. Todavia, todas as suas
opções, seu laicismo-rebelde, sua opção pela língua, temática e
estética popular, cigana, com extrema influência árabe, seu teatro
mambembe e popular, dedicado às massas pobres espanholas; tudo o
identifica como um escritor libertário militante. Sua influência
moura por suas opções populares podem-se ver em poemas que louvam
as cidades espanholas Mouriscas:
Sevilla
Sevilla
es una torre
llena
de arqueros finos.
Sevilla
para herir.
Córdoba
para morir.
Una
ciudad que acecha
largos
ritmos,
y
los enrosca
como
laberintos.
Como
tallos de parra
encendidos.
¡Sevilla
para herir!
Bajo
el arco del cielo,
sobre
su llano limpio,
dispara
la constante
saeta
de su río.
¡Córdoba
para morir!
Y
loca de horizonte,
mezcla
en su vino
lo
amargo de Don Juan
y
lo perfecto de Dioniso.
Sevilla
para herir.
¡Siempre
Sevilla para herir!
O
elogio às cidades mouras, a estética de repetição popular, como
se fora uma canção ou uma procissão, o poema limpo, claro, sem
exageros, transborda todavia da referência popular e faz um retrato
de uma das mais importantes cidades de influência mourisca, vejamos
um poema que se enquadra perfeitamente na referência
estética-temática que aqui elucidamos:
Canción
del Ginete Muerto
En
la luna negra
de
los bandoleros,
cantan
las espuelas.
Caballito
negro.
¿Dónde
llevas tu jinete muerto?
...Las
duras espuelas
del
bandido inmóvil
que
perdió las riendas.
Caballito
frío.
¡Qué
perfume de flor de cuchillo!
En
la luna negra,
sangraba
el costado
de
Sierra Morena.
Caballito
negro.
¿Dónde
llevas tu jinete muerto?
La
noche espolea
sus
negros ijares
clavándose
estrellas.
Caballito
frío.
¡Qué
perfume de flor de cuchillo!
En
la luna negra,
¡un
grito! y el cuerno
largo
de la hoguera.
Caballito
negro.
¿Dónde
llevas tu jinete muerto?
Já
o título do poema é revolucionário, Canção do ginete, a morte
não era um tabu para Lorca, antes, um tema recorrente, a noite, a
escuridão (até o cavalo é negro), a beleza lúgubre (flor de
cuchillo), enfim, a estética e a temática lorquiana estão prenhes
de toda uma temática milenar, do embate dos povos que habitavam e
habitam a região granadina. A temática árabe dialoga facilmente
com a estética proposta por Lorca.
Assim,
tanto estas questões políticas, como as questões estéticas e
temáticas, explicam a preferência de muitos escritores árabes para
se referenciar em Lorca. No texto de Aicha Bouzid, da universidade de
Orán, quatro grandes poetas de ascendência árabe são estudados
sobre a influência recebida por Garcia Lorca: Badr Shakir al-Sayyab,
Abd al-Wahhab al-Bayati, Salah Abdel Sabour, Mahoud Darwish.
Vamos
através deste intelectual arabista, ver as influências recebidas
pelos poetas árabes a partir de Lorca. O primeiro, Badr Shakir
al-Sayyab, centrará a influência recebida da poesia de Lorca no
coração e nos olhos de Lorca. O coração significa a dor, a morte,
a fome que os espanhóis sentiram causada pela guerra, e o açoite do
mar (água-exílio), que brota do inferno da Guerra Civil. Há uma
conotação religiosa na água em Badr, já que a água do mar
limparia e purificaria o inferno do mal causado pela guerra.
Os
olhos de Lorca são tecedores de fogo e água, aqui a dicotomia
bem/mal presente tanto no cristianismo quanto no islamismo, em
circunstâncias perigosas e graves Lorca tece uma vela para conduzir
Espanhas às margens da segurança, o que faz lembrar os profetas,
tão caros a ambas religiões, Islamismo e Cristianismo, o que nos
faz pensar no jogo de palavras com a palavra vate que dá origem
dando a poeta, quanto a profetas, os poetas vaticinam em suas
poesias, assim como os profetas no Corão e na Bíblia. Vejamos uma
estrofe de Badr:5
"Como
el ba rco de un niño que rompió su libro
para
llenar el río de barcos,
como
la vela de Colón
Como
el destino. (Al-Sayyab, 2000, 334)"
Vejamos
a influência de Lorca, no estudo que dissecamos do arabista Aicha
Bouzid, em outro poeta árabe, Al-Wahhab Al-Bayati.
Iraqueano,
al-Bayati recebe forte influência lorquiana, até por ter vivido na
Espanha onze anos, quando trabalhou como conselheiro cultural na
embaixada do Iraque na Espanha. A influência de Lorca neste poeta se
expressa claramente em seis elegias, denominadas "Elegias para
Lorca". São poemas simbólicos, começam falando do mito de
Adonis e depois falam "Galgamesh" e depois de "Lukman",
a teleologia deste poema, mostra o traço comum de mitos de
imortalidade em diferentes culturas, a morte é um tema recorrente em
Lorca, e através dela Al-Bayati faz seu diálogo, já que não só
Lorca é o assassinado no poema do iraqueano, mas também Adonis e
Ankidu, assim, Bayati transforma em mitológica a morte de Lorca,
símbolo de toda a tragédia espanhola da Guerra Civil.6
La
ciudad fascinante
Construída
sobre el río de plata y limón.
En
sus miles de puertas, en el ser humano no goza nada,
Ni
vida, ni muerte.
Lo
rodea un muro de oro.
Vigilado
por un bosque de olivos del viento. (El Bayati, 1995, 142)
Segundo
a poesia mitologica do poeta iraquiano, no mito comum da morte e do
regresso, o mesmo teria ocorrido a Lorca, que após sua morte teria
querido regressar a sua Granada querida, ainda, no belo poema, Bayati
diz que Lorca al encontrar-se na cidade de fogo azul:"Gritó con
voz alta, pero nadie lo escuchó, todo el mundo dormía, y la ciudad
se anegó en sangre y humo de la guerra civil". Assim, se
completa o mito do poeta-profeta (vate), como o mesmo destino de não
ter sido escutado, como nos mitos profético. Bayati vai fazer ainda
a comparação da Espanha de hoje, fazendo referência á civilização
babilônica e a influência árabe na Península Ibérica. Completa a
epopéia, a idéia do sofrimento de Lorca, que foi assassinado,
segundo a poesia, por ameaçar a existência dos Governadores e seus
seguidores que falseavam a história. Termina clamando que Granada
(símbolo de uma Espanha moura) e Madrid (símbolo da Espanha cristã)
chorem e evoquem ao grande poeta granadino.
Continuamos
nos utilizando do elucidativo texto de Aicha Bouzid, para entender
esta relação de mão dupla entre Lorca e a poesia árabe -
influenciado por séculos de cultura árabe em Granada, influenciando
poetas árabes posteriores a sua morte - para explicarmos esta
relação entre a estética de Lorca e os poetas árabes.
Analisaremos agora a relação de Salah Abdel Sabour, poeta egipício,
que usará Lorca sem conteúdo simbólico ou mitológico. Como além
de poeta, é crítico literário também, em seu poema sobre o poeta
granadino, Sabor fará uma apologia do escritor e dramaturgo Lorca.
Na primeira parte de seu poema, narrará a vida e importância de
Lorca, na segunda parte chorará a perda de Federico e o elogio a
arte lorqueana. Lorca fora assassinado, no poema, pelo sistema, por
uma guarda infame e vil, um Lorca assassinado pelo sistema, que não
odeia seus inimigos e que é símbolo da luta pela justiça.
Por
último, na parte de nosso texto em que resenhamos a importância de
Lorca para os árabes através dos textos de Maritza Requena, e de
Aicha Bouzid, falaremos de mais um poeta árabe, Mahmud Darwish,
poeta palestino. A atração de Darwish por Lorca explica-se antes de
tudo por razões políticas, poeta de uma pátria ocupada e arrasada
pelo Estado de Israel a tragédia vivida pelo poeta Republicano no
início da sangrente Guerra Civil, não passaria em branco. Darwish
erige Lorca como mártir e lutador, como ele, um militante da causa
de um povo massacrado. Lorca é um leão, um ciclone, um vento. Cabe
realçar que Lorca na verdade não era um militante político no
sentido de La Pasionária, Lorca ameaçou aos fascistas muito mais
por suas obras libertárias que por qualquer atitude política, até
porque morreu no início da Guerra Civil. Então, o Lorca de Dawish é
o símbolo mítico que castiga com sua morte a seus detratores, e que
os vence mesmo com seu sangue derramado, já que se universaliza e se
torna imortal, ao contrário de seus algozes e carrascos.
Darwish
vai usar da mesma musicalidad natural e suave de Lorca, para
sintetizar a leveza dos poemas, em que contraditoriamente ambos
utilizam o elemento trágico e a morte como fio de tessitura da
poético, a melancolia, Lorca se torna um trovador mítico que pega
sua guitarra cigana e canta a Guerra Civil (sempre nos lembrando que
Lorca morreu ao início desta tragédia e cantar a Guerra Civil no
caso só pode significar a apologia que Lorca fez dos pobres e
marginalizados).
Resumindo,
a influência que Lorca produziu na poesia moderna árabe está além
da questão estética. O recebimento dos influxos árabes no ritmo e
na métrica lorquiana, assim como sua temática, em que aparecem os
povos marginalizados e as cidades de colonização árabe, reforçam
os traços que o fariam ser amado e cantando por poetas islâmicos.
Todavia, sua tragédia pessoal, sendo o grande mártir de uma Guerra
Civil que sequer chegou a lutar, o torna de uma atração
irresistível para poetas de povos que também lutavam suas próprias
lutas e até guerras de libertação nacional. Assim, Lorca retém em
si a influência árabe de forma indireta em sua temática do Cante
Jondo, dos povos marginalizados, entre eles os ciganos e os mouros e
das cidades mouriscas; de outro lado, o amálgama de sua poesia atrai
irresistivelmente estética e politicamente a poetas de povos que tem
como pano de fundo projetos de libertação popular e nacional.
CONCLUSÃO
Este
texto objetivou mostrar o multiculturalismo na poesia e na formação
de Federico Garcia Lorca. Os influxos populares no mais complexo
poeta da Geração de 27. Desde o espanholismo, ao surrealismo, Lorca
é uma contradição em movimento, um poeta dialético por
excelência, que consegue unir o erudito e o popular, o sagrado e o
profano. Ultrapassando todos os cânones, é o mais vanguardista de
todos os poetas de sua geração, flertando com o surrealismo, e
elaborando poemas que são verdadeiros retratos não estáticos da
realidade.
Este
trabalho, todavia, tinha dois eixos centrais, o Cante Jondo, e,
através dele, indiretamente a influência não só cigana, mas árabe
na poesia de Lorca. Demonstramos como a busca de um modelo popular e
direto de poesia, provindo do Cante Jondo, já era em si uma mescla,
confessada inclusive pelo próprio Lorca, na conferência que aqui
trabalhamos, em que ele explica que o Cante Jondo mescla a influência
do canto religioso católico, os cantos e os ritmos árabes, e o
canto modular de voz indiano-cigano. Toda a temática, de morte,
tragédia, noite, escuridão, já era comum aos poetas árabes
anteriores à Lorca, e por conta de ele ter percebido esta
influência, será o poeta espanhol mais reproduzido e comentado
pelos poetas árabes posteriores.
Concluímos
afirmando que Lorca só pode ser universal por seu particularismo.
Foi o mais universal dos poetas espanhóis do século XX, por ser o
mais espanhol dos poetas espanhóis. Sua busca de um novo
espanholismo entre os pobres e os deserdados, construiu um halo
irresistível de atração com sua obra, e seu destino trágico, no
início da Guerra Civil espanhola, executado por ser "rojo y
maricas", o transformou em um mártir literário, capaz de
inspirar a todos os poetas que lutam por libertação, como inspirou,
por exemplo, ao chileno prêmio nobel Pablo Neruda.
Lorca
segue cantando e alegremente tocando sua viola em todos aqueles que
espalham ao vento o irresistível Cante Jondo do poeta granadino.
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