sábado, 18 de junho de 2011

A cidade vista do Alto

A Cidade Vista do Alto

Do alto do Morro do Alemão veem-se as luzes
Do aeroporto Internacional do Galeão.
O sonho do pobre parte com os aviões,
Por terras diferentes,
Onde a alegria não seja efêmera
E o sacrifício a regra.

A pedra nua, escavada, desmatada.
Pedra perfurada, sangrada.
A casa que se erige altiva,
Por cima do mundo.
Pedra conspurcada.
Fezes que escorrem
Pela cara da pedra,
Morro abaixo.
O cheiro que sobe,
Inunda a narina,
Fere a dignidade.

O trabalho,
Na segunda,
No asfalto,
Na mansão,
No restaurante,
Desinfetante,
Banheiro limpo,
Esforço do pobre.
Ar condicionado,
Relógio de ponto,
Seis horas,
Pernas cansadas,
Com varizes,
Voltam a realidade de cubículos
Sem espaço para o sol ou para a lua.

A violenta insatisfação
De ser sempre o Lázaro
Da parábola de Cristo.
Comendo as sobras à beira da mesa
De plantar o pão
E nunca ser recompensado.

Quando o morro desce para o asfalto
É vigiado na porta das lojas,
É barrado nas portas de luxo,
É esquecido nas filas dos hospitais,
Só encontra abertas as portas da igreja e da Delegacia.

A miséria precipita-se sobre a cidade
Como uma obra de arte apocalíptica.
Rocinha servindo São Conrado,
Tabajaras vigiando Copacabana.

Exército de flanelinhas,
Matilhas de menores,
Sorriso entre debochado e cínico,
Transfigurado pela cola de sapateiro e pelo crack
Pequenos Cristos em eterna comiseração

O olhar infantil, em ânsia infinda,
Se pergunta:
Por que deve um menino
Viver pior que um cão,
De esmolas, no roubo, na prostituição?

Nas lojas de artigos importados
Deseja o menino -
Ver um aquecedor elétrico de corações,
Um abridor de olhos para o mundo.
E possamos então ver que não é poética
É desumana a pobreza!
Um homem com fome,
Trôpego de cachaça no caminho,
Ou uma criança disputar com os ratos
Os restos do restaurante de luxo.
Retratos da miséria material do povo
E da miséria espiritual dos garantidos do sistema.

Quem consegue ver,
Indiferente,
A fome na face do semelhante,
Não merece ser chamado de homem.

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