domingo, 17 de janeiro de 2016

Um carioca bairrista

Um carioca bairrista.

Sou um carioca assumidamente bairrista, não xenófobo, nem etnocêntrico, bairrista. Não acredito que os cariocas sejam mais malandros, ou melhores do que ninguém. Mas se eu pudesse escolher mil vezes onde nascer (parafraseando Neruda), mil vezes eu escolheria o Rio de Janeiro, se eu tivesse mil vezes que morrer, morreria no Rio de Janeiro. Vira e mexe vejo alguma pessoa que não faz sexo há muito tempo falar mal do Rio (sim, para falar mal desta cidade o sujeito ou a "sujeita" passa por algum momento de prolongado jejum sexual), dizendo que se puder vai para Miami, Paris, Quixeramobim ou Campos dos Goytacazes. Em geral eu escuto a pessoa mal amada de forma silenciosa, raramente discuto. Mas, confesso, algumas 5 ou 6 vezes já quebrei o pau pelo Rio de Janeiro.
Cidade violenta? Verdade, que cidade grande do mundo não é violenta? Pasárgada? A violência não tem nada que ver com o genes do carioca, tem que ver com uma herança de décadas de uma ditadura militar que fez crescer o bolo para depois repartir e não repartiu. Aliás, o bolo (o PIB), só começou a ser repartido a partir de 2002 no governo Lula. Cidades inchadas, sem planejamento geraram favelas e os idiotas do senso-comum. Uma das maiores barbaridades senis dos idiotas do senso-comum e sair vociferando como um insano "a culpa da violência no Rio de Janeiro é do Brizola", simplesmente porque o Brizola tentou defender os direitos humanos e tratar favelado como gente. A tumultuada e altamente populosa cidade do Rio de Janeiro, com sua difícil geografia que amontoa no mesmo espaço ricos e pobres, coloca a violência e a pobreza mais visível. No Rio a pobreza está na periferia, mas não só na periferia. Está em Copacabana, está no Leblon, está em todo o canto, no morro, vizinha da elite. Isto dá uma ideia de que a pobreza e a violência são mais presentes porque a exclusão são mais palpáveis. Cidades em que os pobres ficam bem longe de sua área rica, como Curitiba ou Porto Alegre, dão a tola ilusão de que os pobres ali não estão, tola ilusão, ledo engano. Como a violência acontece na periferia, longe dos olhares dos ricos, ela não existe.
O "carioca não trabalha", outras das barbaridades que ouço continuadamente, e que mostra não só preconceito, mas incompreensão da alma do carioca. O bar é o templo do carioca. No bar se discute de tudo, desde quem é o mais novo corno da rua, aos grandes problemas políticos do país. É uma cidade tropical, praiana e povoada de bares por todos os cantos, os "bunda-de-fora", os "pés-sujos", a cerveja depois do trabalho, de segunda a segunda. Como os horários do trabalho são variados, há sempre um carioca no bar. Para um alienígena, esta imagem se traduz no paradigma preconceituoso de que cariocas são cachaceiros e que não gostam de trabalhar. Cachaceiros, tudo bem, assumimos que somos!
Talvez a praia seja a culpada. No Rio há sempre a promessa do mar, e como é quente quase o ano inteiro, sempre há gente na praia. E não são vagabundos, há estudantes, pessoas de férias, donas de casa, trabalhadores de meio período, desempregados, todos quando tempo, é lógico, vão se refrescar sem culpa e com pressa na praia. Para pessoas de outras cidades, não praianas, a combinação bar e cerveja cria o mito da cidade que não trabalha, embora todos os dados de ocupação e horas trabalhadas digam o contrário.
Ou o espírito carioca, incompreensível para muita gente. Cariocas são sacanas e politicamente incorretos. Carioca perde o amigo, mas não perde a piada. Carioca faz piada de desastre de trem, e zoa e ri de qualquer infortúnio. Esta coisa malemolente, de escárnio, da ironia, da sátira, que talvez tenhamos herdado da ascendência lusitana, quem sabe das fortes raízes africanas de algum Exu zombeteiro, ou mesmo da mistura incrível de povos e raças que vivem aqui.
O Rio de Janeiro tem viço, o Rio de Janeiro gruda. Tem carioca de todo tipo, carioca cearense, carioca maranhense, carioca paulistano, carioca gaúcho, carioca francês, carioca argentino. Muitos reclamando e amaldiçoando a cidade e dizendo que são loucos para sair daqui, mas no fundo vivendo um amor cafajeste e não confesso, sorvendo e aproveitando cada segundo desta nossa maravilhoso Babel.
Afinal, como não se apaixonar pelo Rio de Janeiro? A cidade da bossa-nova, a cidade do samba. A cidade de Tom Jobim, Niemeyer, Chico Buarque, Nara Leão, Vinícius de Moraes e a cidade de tantos outros não nascidos aqui mas quase cariocas de escolha: Drummond, Clara Nunes, Dorival Caimmy, José Lins do Rego. A cidade da Portela e da Mangueira, duas entidades nacionais, a cidade do Flamengo, da imensa nação rubro-negra e o Maracanã.
Quem não gosta do Rio de Janeiro não é um bom sujeito. Ou é esclerosado e não faz sexo faz muito tempo, ou tem problema no pé e frustração por não saber sambar, não gostar de praia, não gostar desta gente contagiante e musical que somos nós, cariocas.
Viva o bom bairrismo do carioca!