domingo, 13 de julho de 2014

Lorca e o multiculturalismo, cante jondo e arabismos

Lorca e o multiculturalismo, o cante jondo e os arabismos - Roberto Ponciano - Mestre em Filosofia - UGF; mestrando em Letras Neolatinas pela UFRJ e se especializando em Economia pelo CESIT-UNICAMP.

Resumo
O objeto desta dissertação é mostrar a influência que o Cante Jondo, música, dança, canto e poesia de origem cigana tem na poesia de Federico Garcia Lorca, o principal poeta espanhol da Geração de 27. Como a poética de Lorca tem, entre suas influências, a da cultura e da linguagem popular, ela vai beber do ritmo, da temática e da musicalidade do Cante Jondo, música de influência cigana que é conhecida mundialmente pelo baile Flamenco. Além da musicalidade, o tema trágico da morte, da inevitabilidade do destino, faz a confluência entre Lorca e o Cante Jondo, que por sua vez é uma música cigana que tem entre suas influências a cultura mourisca e a indiana. Nesta dissertação mostraremos como Lorca vai fazer a leitura estética desta tradição.
Também trabalharemos a influência árabe no Cante Jondo, e através desta a influência árabe na poética de Garcia Lorca.

The object of this dissertation is to show the influence that the Cante Jondo, music, dance, song and poetry of gypsy origin is in the poetry of Federico Garcia Lorca, the main Spanish poet of the Generation of 27. How has the poetry of Lorca, among his influences the culture and popular language, he will be influenced by the rhythm, theme and musicality of the Cante Jondo, gypsy music influence that is known worldwide for Flamenco dance. Besides the musicality, the tragic theme of death, the inevitability of fate, is the confluence between Lorca and Cante Jondo, which in turn is a gypsy song that has among its Moorish influences and the Indian culture. This thesis will show how Lorca make aesthetic reading of this tradition.
We will also work to Arab influence in Cante Jondo, and through this Arab influence in the poetry of Garcia Lorca.

Palavras-chave: Poética, multiculturalismo, Mudança estética; Mudança temática;
INTRODUÇÃO:

Federico Garcia Lorca é o principal poeta da geração de 27 na Espanha, Geração que foi a mais fecunda do século XX, em que pese estar espremida entre as duas grandes guerras e uma Guerra Civil (que foi o prólogo da Segunda Grande Guerra Mundial, e onde Hitler pode ensaiar suas táticas de Guerra Relâmpago, foi na Guerra Civil Espanhola que a força aérea alemã ensaio suas estratégias de bombardeio aéreo). Esta geração de 27 esteve dividida entre a tradição e a modernidade, entre a agonia da perdida glória espanhola, e a busca de novos arquétipos humanísticos, artísticos e estéticos. Seu marco de princípio é a comemoração do nascimento de Luis de Gôngora, poeta cultista tradicional, representante da glória perdida espanhola, e o elogio ao passado espanhol perdido; de outro lado, a busca de uma poesia mais direta, que recebesse influência da estética modernista e seus experimentalismo, como o verso branco sem rimas, ou a temática popular e a pesquisa da linguagem coloquial popular e vulgar.
Lorca foi, sem dúvida, o mais avançado destes vanguardistas, recebendo influxo fortíssimo da poesia dos povos marginalizados da Andaluzia, inclusive dos ciganos, e da arte pictórica, sendo o grande poeta surrealista da Espanha, que foi a maior ousadia vanguardista desta geração, incorporar o movimento da pintura e do cinema, a sinestesia do sonho e do subconsciente, e os temas agônicos, a morte, a perda, a dor, a loucura, o desespero. Neste texto, vamos brevemente elucidar o que foi a Geração de 27 para entrarmos no tema principal, que é um dos influxos mais fertéis na criação de Lorca, que foi a influência do Cante Jondo cigano em sua temática e estética.
Também trabalharemos a questão da influência da cultura árabe na temática e na estética lorquiana, oito séculos de dominação árabe na península hispânica não pasariam incólumes na cultura, ainda mais na cultura popular, que Lorca vai levar para seu teatro e para sua poesia. Assim, vamos analisar como a estrutura poética árabe vai penetrar na poesia de Lorca e como seus temas acabaram, através da estrutura do Cante Jondo, perspassando para a relação de temas recorrentes de Federico: morte, lua, amor trágico, dor, pesar, lua, noite, valentia, luta. Uma série de temas recorrentes da poesia popular; que foram estabelecidos desde o domínio sarraceno na península, e que acabarão desembocando na poética do maior escritor da fecunda geração de 1927. Além disto, a musicalidade dos poemas não dada através de rimas concordantes nos versos, mas de um ritmo interno e na repetição de palavras e estruturas, o que acontece na poesia popular árabe, mostraremos como este influxo nos textos de Lorca, levará a uma grande influência de Lorca nos poetas árabes das gerações seguintes, como a temática, a escolha popular de Lorca pelo Cante Jondo, também sua temática trágica e pessimista, amor fatal, morte; e mesmo sua tragédia pessoal, com sua execução no princípio da Guerra Civil, vão provocar uma atração irresistível a vários poetas árabes.
LORCA E A GERAÇÃO DE 1927

Afinal, o que foi a Geração de 27 na Espanha, qual seu significado? Optamos por definir a Geração de 1927 como um conjunto de escritores, pintores e até cineastas (Buñuel, por exemplo) que nasceram em anos próximos, tiveram formação intelectual com influências semelhantes e tiveram por base guias canônicos comuns. Lorca é desta geração o escritor mais influente, ao mesmo tempo que é o mais espanhol por sua temática e seu destino, é o mais local, o que mais absorve a temática regional, de sua terra natal, Andaluzia incluindo o idioma dos ciganos em seu Cante Jondo. Andaluzia é um dos locais de maior influência árabe na Espanha, assim, na poética de Lorca, também há, de forma indireta, reflexos do arabismo andaluz, da cultura árabe que durante séculos dominou a Península Ibérica, e que refletirá na poesia de Lorca não só no léxico, mas no ritmo e na temática. Não à toa, Lorca será o poeta espanhol da Geração de 27 que mais influenciará os árabes.
O significado da Geração de 27 na Espanha transcende a questão meramente estética, é uma geração de intelectuais que busca entender o lugar da nação, após a perda da hegemonia da antiga metrópole e império colonial. É chamada de Geração de 27, por terem nascido em anos próximos, terem recebido formação intelectual com influência semelhante, e tiveram por base literária ícones comuns, o espanhol Gôngora e o latino-americano Rubem Dario. Como eram todos jovens, renovaram a linguagem literária, com o uso do coloquial e do popular, ao mesmo tempo que iam buscar palavras perdidas ou não descobertas da Espanha popular, e criaram cânones libertários e renovadores não só na poesia, mas também no teatro, com o próprio Lorca, no cinema com Luis Buñuel e nas artes plásticas com Salvador Dalí. A geração constitutuiu-se como tal após o manifesto da comemoração do nascimento de Luis de Góngora e Argote, que foi considerado o poeta por excelência, pela limpidez de seu verso, focado no equilíbrio sem os exageros románticos. Esta geração criou relações pessoais e políticas, tinham consciência de serem um grupo, criando e escrevendo em revistas literárias comuns – Caballo Verde, Revista Sevillana Grecia, etc – e em atitudes estéticas e políticas coletivas, assim, a temática popular e espanholista era comum a obra de quase todos.
Temáticas da geração de 27: esta geração, ao mesmo tempo que fazia a apologia do equilíbrio e da simplicidade, acabou enovelada em contradições do seu próprio tempo, em que a dialética marxista causava grande impacto na estética literária (ainda que o grupo não tivesse nenhum escritor que seguisse uma estética de influência marxista), é que a confrontação de classes sociais e as revoltas populares, que inspiraram inclusive a República, acabavam por se impor no tom de crítica social de muitas obras, e no inconformismo dos costumes, tanto na atitude anti-burguesa pessoal e de vida, quanto no experimentalismo estético. Assim, eram temas da geração de 27, sempre em contradição:
1) o equilíbrio e a contradição; de um lado o equilíbrio buscado na poesia de Góngora, um verso límpido, fluido, sem os exageros românticos; de outro lado as contradições que assolam a própria Espanha, em suas lutas para sair da influência feudal e se modernizar, com a pressão da classe trabalhadora, que elege um governo socialista.
2) o intelectual e o sentimental; De um lado a busca de um equilíbrio e da eliminação das influências românticas, vistas como decadentes e burguesas; de outro lado, o retorno do lírico, na transcrição dos cantos populares.
3) Pureza de sentimentos e revolução (inclusive política); De um lado a busca de sentimentos estáveis e sem arroubos, de outro os sentimentos revolucionários, inclusive os trágicos (presença recorrente da morte);
4) Cânon culto e influência estética e linguística popular; Uma das maiores contradições da Geração de 27, que se inaugura como corrente fazendo a apologia do Góngora e do cultismo; logo em seguida, até pelos compromissos políticos, esta geração vai se contaminar dos temas e da estética popular, o que era completamente estranho ao cânon culto original;
5) Universalismo e internacionalismo versus o espanholismo (ultraísmo), ou seja a busca de uma glória e de uma identidade perdida que na verdade ninguém sabia onde buscar, apologia de Mancha e Andaluzia, do local e do particular universalizados, devido à debilidade da classe dominante, da burguesia espanhola, a nova identidade era buscada na vida e na linguagem das classes populares e marginalizadas;
6) Tradição e respeito aos clássicos e renovação e experimentalismo nos modelos literários; A Geração de 1927 vai chegar ao experimentalismo extremo com a mescla entre a pintura de Dalí, o cinema de Buñuel e a pintura de Lorca, o pictorismo e o surrealismo expressos na poesia, o surrealismo será o avant garde dos experimentalismos desta geração.
Vê-se que o movimento se move em contradição hegeliana, na negação da negação, sempre em tensão dialética entre o passado e o futuro, a ruptura e a tradição, a busca de um novo caminho e o reconhecimento do ser espanhol. Isto, em lugar de levar a uma estagnação, levou a uma grande riqueza de formas, já que todos os eânones não eram fixos, havia um experimentalismo em busca do que seria esta nova identidade. Na verdade, o movimento refletia o momento da própria Espanha, um signo de uma contradição de um sentimento nostálgico de um passado perdido, e as rupturas revolucionárias que acabarão por gestar a República, o tragicismo dos poemas de Lorca, acabariam profeticamente por prenunciar a tragédia a qual sucumbirá a jovem República e a própria tragédia pessoal do jovem escritor.
Influências e modelos literários da Geração de 27

A geração de 27 receberá a influência passadista de Góngora e do cultismo, ou seja, de limpeza e elegância nos versos, de jogos de palavras sem arrebatamento românticos; contraditoriamente, receberá também a influência de Gustavo Adolfo Bécquer, e sua poesia pós romántica, que ainda que tenha lirismo, tem comedimento em seu sentimentalismo e influência da poesia francesa pós romântica; por último, Ruben Dario e as inovações pós modernas, o poeta latino-americano que mais influenciou Espanha, mas que dialogava com toda a vanguarda europeia.
A Geração de 27 também sofreu a influência de Antônio Machado e da assim chamada Geração de 98, geração esta que também vivia a contradição entre o ultraísmo e a busca de um novo cânone espanhol. Geração está que influenciará muito a geração de 27 por vários fatores, a maiores destes poetas está vivo e conviverá com os novos poetas de geração de 27, vivem as mesmas contradições históricas da Espanha no início do século XX e enfrentam problemas estéticos de renovação e de temática semelhantes. Além de Antônio Machado, irão influenciar a Geração de 27 Ortega e Gasset, Ramón Gomes de la Sierra, Juan Ramón Jimenez. Assim, a elegância e a limpeza nos versos, musicais e sem exageros ou desesperos românticos é síntese de todas estas influências.
A geração de 1927, a partir destas influências vai cada vez mais fazendo uma poesia mesclada, “impura”, para além dos cânones que a inspiraram, se distanciando das vanguardas e dos experimentalismos e se aproximando do engajamento e do compromisso Político (Lorca, Miguel Hernández). Também surge o surrealismo, aproximando a poesia da pintura, mas também do subconsciente, do onírico, do pictórico, há o casamento da geração literária com o cinema e a pintura através das relações estéticas e da amizade (as vezes agressiva e contraditória) entre Lorca, Dali e Buñuel, que moraram juntos na residência dos estudantes em Madrid, em 1920, há rumores e evidências inclusive de um caso de amor entre Lorca e Dalí, a homossexualidade de Lorca tão discutida, teria expressão trágica na sua poesia (Ode a Walt Whitman), dado que ele sofreu todo tipo de perseguição e constrangimento por conta dela, e foi citada inclusive na sua execução - morto por ser "rojo y maricas" pelos fascistas . O surrealismo será o experimento mais vanguardista da Geração de 27, incorporando à estética espanhola o onírico, o subconsciente, o sonho, a agonia, o diálogo com Thanatos e Eros.
O grupo se reuniu como Geração no natalício dos 300 anos de falecimento de Luis de Gôngora, a partir daí começou a influenciar toda a literatura e a arte espanhola. Em Málaga, resultado deste encontro e manifesto, a revista Litoral, dirigida por Emílio Prados e Manuel de Altolaguirre, publicou um número especial em homenagem a poesia deste grupo de poetas. Por conta desta revista, Ignácio Sánchez Mejía, famoso toureiro espanhol, os convida a ir a Sevilha ler seus poemas numa tertúlia literária aberta ao público. Compareceram neste evento: Federico Garcia Lorca, Rafael Albertí, Jorge Guillén, Dámaso Alonso e Gerardo Diego. A partir daí o grupo se torna conhecido e influente em toda Espanha e lança várias revistas, seus livros obtém relativo sucesso e a Geração de 1927 passa a ditar o novo cânone literário, através das revistas literárias e de suas obras, passam a ser a estética a ser seguida a partir daí.
Importante ressaltar que esta geração não se fixou somente na poesia, foi uma geração que trabalhou em todas as áreas das artes. Além do trabalho de poesia, houve ensaístas como Damaso Alonso (também prolífico poeta), Pedro Salinas, dramaturgos como García Lorca y Alejandro Casona; Buñuel, que era cineasta e artistas plásticos, influenciados por estes poetas com os quais conviveram na residência de Madrid: Almada Negreiros, Manuel Ángeles Ortiz, John Armstrong, Maurice Asselin, Rafael Barradas, Juan Bonafé, Francisco Bores, Norah Borges, Pancho Cossío, Salvador Dalí, Robert y Sonia Delaunay, Francesc Domingo, Apelles Fenosa, Pedro Flores, Luis Garay, Federico García Lorca, Gabriel García Maroto, Ramón Gaya, Ismael González de la Serna, Juan Gris (muere en 1927), Marcel Gromaire, José Gutiérrez Solana, Wladislaw Jahl, Cristóbal Hall, Manolo Hugué, Maruja Mallo, Joan Miró, José Moreno Villa, Jesús Olasagasti, Santiago Ontañón, Benjamín Palencia, Joaquín Peinado, Santiago Pelegrín, Pablo Picasso, Gregorio Prieto, Pere Pruna, Olga Sacharoff, Alberto Sánchez, Ángeles Santos, Pablo Sebastián, Josep de Togores, José María Ucelay, Adriano del Valle, Daniel Vázquez Díaz, Esteban Vicente y Hernando Viñes.
Os artistas plásticos que foram influenciados ou tiveram relação com esta geração se moveram entre o cubismo, o neo-clasicismo, a figuração líricas, os realismos de novo tipo e o surrealismo, estes "ismos", nas palabras de Eugenio Carmona, são como «um repertorio de que podem extrair soluções específicas para problemas concretos». Com nomes relacionais a geração de 27 como os de Dalí, Miró e Picasso, mostram a extensão e a influência desta geração.


1936 – 1939 – GUERRA CIVIL ESPANHOLA

Em 1936 estala a Guerra Civil Espanhola, através de um golpe de cunho fascista, conservador-monarquista e de direita, contra a República Democraticamente eleita. De um lado, os Republicanos, socialistas, anarquistas e comunistas, que haviam sido eleitos democraticamente, lutam para manter o Governo legítimo. Do outro lado, monarquistas, falangistas (um movimento de cunho fascista) e golpistas conservadores de todos os matizes se organizam para dar um golpe militar. Os dois lados se enfrentam numa guerra civil de 3 anos, que dividirá a Espanha em duas, e será a antessala da Segunda Grande Guerra Mundial. Hitler pode treinar livremente sua tática de Blietkrieg (Guerra Relâmpago), bombardeando cidades indefesas: Guernica, obra-prima de Picasso, é retrato trágico e genial deste período, a tragédia traduzida na pintura (o que também é revolucionário em estética e como temática: o horror e a dor expressos como estética plástica, a arte como arma de luta social). Pela primeira vez na história há o uso de bombardeios aéreos e a luftwalf alemã pode impunemente atacar posições não só militares, mas também civis dos republicanos. Soldados fascistas italianos entram regularmente na Espanha e lutam ao lado de Franco. Do outro lado os republicanos recebem o apoio das brigadas internacionalistas, voluntários socialistas e comunistas do mundo inteiro que se entregam de corpo e alma em defesa da jovem república assassinada, é que é uma das mais belas páginas de solidariedade da história da humanidade.
A maior parte da Geração de 1927 posicionou-se ao lado da República, não que todos fossem miliantes políticos, mas a própria estética deste período levava a que muitos poetas deste período fossem identificados com a nova Espanha, por exemplo, Lorca e seu teatro mambembe. Lorca é assassinado, Miguel Hernández baleado em combate, morre na prisão; Antônio Machado (da Geração de 98) morre a caminho do exílio, num campo de concentração francês. Salinas, Cernuda e Emílio Prados, exilados, morrerão fora da sua terra natal; Rafael Albertí volta no fim de sua vida. Apenas Aleixandre, Damaso Alonso e Gerardo Diego permanecerão na Espanha. Lorca foi a vítima mais famosa da Ditadura Fascista que seria instalada por Franco. Como dissemos anteriormente, Lorca fora identificado com a República, por conta de seus inúmeros amigos socialistas e de seu grupo teatral popular, “La Barraca”, que interpretava peças para o povo de forma mambembe, durante a República. Ainda que não fosse um militante político, havia em seus livros um claro compromisso estético com ideais de emancipação. Quando estalou a Guerra Civil, fugiu de Madrid por achar que ficaria mais seguro em sua terra natal, Andaluzia. Ledo engano, à sua finca foram dois estranhos que o vigiavam, por conta desta incursão, ele fugiu e se escondeu na casa de um amigo falangista. Depois de dois dias escondido, foi delatado e capturado por um grupo de milícia fascista, levado a um terreno baldio, acredita-se atrás do cemitério da cidade, foi sentenciado a morte sem julgamento, por ser “rojo y maricas” e executado com uma gurpo de militantes sócialistas. Foi a morte mais famosa da crueldade fascista dos golpistas franquistas. Até hoje não foi encontrado o corpo do mais famoso e mais talentoso dos poetas da Geração de 1927.
A República resistirá ainda três anos em luta contra o fascismo, mas o isolamento da República, com a retirada inclusive da ajuda soviética, por conta da pressão internacional, decidirá a guerra para o lado dos golpistas. A tragédia franquista da Espanha prenuncia a tragédia que se abaterá por toda a Europa, a tentativa de um governo democrático socialista derrubado a força, fará com que a Espanha entre num período de isolamento político-econômico, e que refletirá em suas artes, A maior parte dos grandes artistas desta geração viverá no exílio, alguns só retornarão à Espanha após a morte de Franco. As décadas de isolamento levarão ao atraso não só no campo econômico, mas durante o período de Franco, não haverá uma geração tão fértil e criativa capaz de tornar Espanha universal, como foi a Geração criada no início do século XX.

FEDERICO GARCIA LORCA E O CANTE JONDO

Lorca não só foi influenciado pelo Cante Jondo, foi um estudioso do ritmo e da poesia cigana, tendo escrito trabalhos teóricos e feito conferências sobre o tema. Numa Espanha convulsionada, isto por si só era uma opção de classe, os ciganos, povo nômades por excelência e marginalizados, tanto na idade média, quanto no nascente capitalismo espanhol. A Espanha vivia uma transição difícil, antigo império colonial, seu poderio e sua riqueza também foram sua desgraça. O ouro espanhol financiou a revolução industrial na Inglaterra, o fácil acesso ao ouro das Américas, sem investimento nas manufaturas e na futura industrialização, acabou por tornar a indústria espanhola incipiente e a Espanha completamente dependente dos países industrializados dominantes, principalmente depois da derrota da "armada invencível". Mesmo numa situação de dependência, indústria incipiente, estrutura feudal no campo e na sociedade, os ciganos eram duplamente marginalizados e estigmatizados: na sociedade feudal, perseguidos pela religião oficial por paganismo, no capitalismo, incompatíveis por seu nomadismo com a Revolução Burguesa.
Neste texto, vamos trabalhar com a transcrição de uma conferência proferida por Lorca em um jornal chamado, El Noiticiero Granadino, em dias posteriores a uma conferência proferida em Sevilha, em 1922. Segundo Lorca, o Cante Jondo é um conjunto de canções cujo tipo genuíno e perfeito é a “siguiriya gitana”, vejamos a definição de Lorca:
1Se da el nombre de cante jondo a um grupo de canciones andaluzas, cuyo tipo genuino y perfecto es la siriguiya gitana, de las que derivan otras canciones aún conservadas por el pueblo, como los polos, martinetes, carceleras y soleares. La coplas llamadas malagueña, granadinas, rondeñas, peteneras, etc., no pueden considerarse más que como consecuencia de las antes citadas, y tanto por su arquitectura como por su ritmo, difieren de las otras. Estas son llamadas flamencas.
El gran maestro Manuel de Falla, auténtica gloria de España y alma de este concurso, cree que la caña y la playera, hoy desaparecidas, casi por completo, tienen en su primitivo estilo la misma composición que la siguiriya y sus gemelas, y cree que dichas canciones fueron, en tiempo no lejano, simples variantes de la citada canción. Textos relativamente recientes, le hacen suponer que la caña y la playera ocuparon en el primer tercio del siglo pasado, el lugar que hoy asignamos a la siguiriya gitana. Estébanez Calderón, en sus lindísimas "Escenas andaluzas", hace notar que la caña es el tronco primitivo de todos los cantares, que conservan su filiación árabe y morisca (...)

Assim, o Cante Jondo é, desde seus primórdios, uma mescla de culturas, Andaluzia foi um dos principais pólos de dominação e da cultura árabe, assim, o ritmo, a musicalidade e a poesia, herdada pelos ciganos, se deu com uma mescla em relação a cultura morisca que lá havia antes. Lorca mostra que a caña é o tronco primitivo destes cantares, e tem origem árabe, ele observa com agudeza que caña se diferencia pouco de gamis, que segundo Lorca daria o similar árabe para canto. Lorca, todavia, diz que o Cante Jondo é uma mescla de música indiana, segundo ele, os grupos originais de ciganos que habitavam em Andaluzia teriam vindo da Índia e de lá trazido sua música, na Espanha se mesclou aos ritmos árabes, enquanto o Flamenco, seu parente próximo, recebeu uma mescla maior da cultura européia.
É importante ressaltar que la Sirigaya, não é só uma transplantação cultural, mas esta mistura de ritmos, harmonias e estéticas musicais e poéticas, com influência dos vários povos que habitavam a Andaluzia, tanto que o Cante Jondo não se desenvolve em outras regiões da Espanha. Para García Lorca, o Cante Jondo tem influência até da igreja católica, em seu canto litúrgico, gregoriano lamentoso, na invasão da península pelos árabes islâmicos, houve tolerância religiosa e os cristão puderam conservar sua crença, cultos, culturas, festas e tradições. Assim, na invasão islâmica, ao canto católico, juntou-se a música dos árabes sarracenos, criando uma nova forma de cultura popular. Por fim, a chegada dos ciganos à Espanha foi o último elemento que faltava para a estrutura final que se conhecia então como Cante Jondo. Ratificamos, que a prova de que ele não é um canto genuinamente, ou puramente cigano, é que ele não existe em nenhum outro lugar que não seja Andaluzia, que ele é resultado desta mescla cultural única, dos povos que habitavam esta região. Vejamos o que ele diz:
2Las diferencias esenciales del cante jondo con el flamenco, consiste en que el origen del primero hay que buscarlo en los primitivos sistemas musicales de la Índia, es decir, en las primeras manifestaciones del canto, mientras que el segundo, consecuencia del primero, puede decirse que toma su forma definitiva en el siglo XVIII.
El primero, es un canto teñido por el color misterioso de las primeras edades, el segundo, es un canto relativamente moderno, cuyo interés emocional desaparece ante aquél. Color espiritual y color local, he aqui la honda diferencia.
Es decir, el Cante Jondo, acercándose a los primitivos sistemas musicales de la Índia, es tan sólo un balbucio, es una emisión más alta o más baja de la voz, se una maravillosa ondulación bucal, que rompe las celdas sonoras de nuestra escala atemperada, qeu no cabe en el pentagrama rígido y frío de nuestra música actual, y abre en mil pétalos las flores herméticos de los semitonos.
El cante Flamenco no procede por ondulación sino por saltos; como en nuestra música tiene un ritmo seguro y nació cuando ya hacía siglos que Guido d´Arezzo había dado nombre a las notas.
El Cante Flamenco se acerca al trino del pájaro, al canto del gallo y a las músicas naturales del bosque y la fuente.
Es, pues, un rarísimo ejemplar de canto primitivo, el más viejo de toda Europa, que lleva en sus notas de desnuda e escalofriante emoción de las primeras razas orientales.
El maestro Falla, que ha estudiado profundamente la cuestión y del cual yo me documento, afirma que la siriguiriya gitana es la canción tipo del grupo Cante Jondo y declara con rotundidad que es el único canto que en nuestro continente ha conservado toda su pureza, tanto por su composición, como por su estilo, las cualidades que lleva en sí el cante primitivo de los pueblos orientales.

Assim, o Cante Jondo é uma mescla de cantos andaluzes, carregados de orientalismo que tem origem na civilização bizantina. Segundo a versão de Lorca, os ciganos chegaram à Espanha por volta de 1400, fugindo da Ìndia, em meio ao conflito de Mouros com Cristãos, expulsos, segundo a versão meio mítica e lendária, pelos cem mil guerreiros do Grande Tamerlan.
Conceituando, em poucas linhas o que seja o Cante Jondo, é importante entender ao influência que ele vai ter na poesia lorquiana. Se vemos nas próprias notas de Lorca, há questões conceituais estéticas importantes, como a "pureza" e o "primitivismo' do Canto, há em todos os escritores da Geração de 27, a busca de um "espanholismo perdido", com a timidez da classe burguesa espanhola, e a decadência de sua aristocracia, a opção pelos pobres e marginalizados é uma das formas de procurar uma nova identidade nas camadas populares. Também há questões técnicas. O Cante Jondo dialoga com a temática lorquiana, já que o desespero, a dor, a morte, são temas afeitos à Lorca, vejamos na poesía del cante jondo:
3Ay de mí, perdi el camino;
en esta triste montaña
ay de mí, perdí el camino;
déxame meté l´rebañu
por Dios en la to cabaña.
Entre la espesa flubina,
¡ay de mí, perdí el camino!
déxame pasar la noche
en la cabaña contigo.
Perdí el camino
entre la niebla del monte,
¡ay de mí, perdí el camino!

Lorca alimenta-se de boa parte desta temática e estética. A repetição de palavras para marcar o ritmo, dor, solidão, desespero, lamento. O Cante Jondo dialoga com a temátca da poesia de Lorca. Federico, o poeta da lua, da noite, da solidão, do desespero, da agonia, do subconsciente, do onírico, leva para a estética canônica acadêmica todo o influxo da cultura popular, por exemplo:
Romance de La Luna Luna4
A Conchita García Lorca
La luna vino a la fragua
con su polisón de nardos.
El niño la mira, mira.
El niño la está mirando.
En el aire conmovido
mueve la luna sus brazos
y enseña lúbrica y pura,
sus senos de duro estaño.
Huye luna, luna, luna.
Si vinieran los gitanos,
harián con tu corazón
collares y anillos blancos.
Niño, déjame que baile.
Cuando vengan los gitanos,
te encontrarán sobre el yunque
con los ojillos cerrados.
Huye luna, luna, luna,
que ya siento tus caballos.
Niño, déjame, no pises
mi blancor almidonado.

El jinete se acercaba
tocando el tambor del llano.
Dentro de la fragua el niño
tiene los ojos cerrados.

Por el olívar venían,
bronce y sueño, los gitanos.
Las cabezas levantadas
y los ojos entornados.
¡Cómo canta la zumaya,
ay cómo canta el árbol!
Por el cielo va la luna.
con un niño en la mano.

Dentro de la fragua lloran,
dando gritos los gitanos,
El aire la vela, vela.
El aire la está velando.

O Romance de la luna luna, um dos poemas mais famosos de Lorca tem transplantado para a poesia acadêmica, vários elementos populares do Cante Jondo. Primeiro o uso de versos com ritmo musical sem rima. Boa parte da estrutura rítmica de toda a poética de Lorca, se dá na repetição de palabras ou estruturas, assim como a canção popular feita na rua, as coplas. Estruturas muito comuns na canção popular medieval e que chegaram até o Brasil através dos cordéis e dos repentistas. Também a temática. O mundo de Lorca é caótico, não é o mundo romântico que busca uma redenção e tem heróis com valores decadentes cavalheirescos. Há uma fotografia da realidade, crua, sem que seja suavizada, todo martírio, dor, mas também a musicalidade, a festa, a sexualidade (Bodas de Sangre). Neste poema, parece que há uma fotografia de uma cena, como se Lorca fosse um pintor ou um cineasta e captasse o movimento, incluído seu movimento. O poeta não influencia moralmente no texto, não faz qualquer tipo de evocação, parece que ele apenas pinta a estrutura que vê, como um pintor numa tela. Isto não signifique que ele seja neutro, a própria escolha da temática e da estética, já é uma posição, anti-romântica a anti-burguesa por excelência e inovadora-popular, renovando a estrutura temática e estética da España. Luna, gitanos, morte (vela, ojos cerrados), os temas de Lorca se repetem neste poema e se fixam como uma nova estrutura e marca poética. Vejamos outro poema extremamente famoso de Lorca:

La luna y la muerte
La luna tiene dientes de marfil
¡Qué vieja y qué triste asoma!
Están los cauces secos,
los campos sin verdores
y los árboles mustios
sin nidos y sin hojas.
Donde Muerte, arrugada,
pasea por sauzales
con su absurdo
de ilusiones remotas.
Va vendiendo colores
de cera y de tormenta
como una hada de cuento
mala e enredadora

La luna le ha comprado
pintura de la Muerte.
En esta noche turbía
¡está la luna loca!

Yo mientras tanto pongo
en mi pecho sombrío
una feria música
con las tiendas de sombra.

Lorca expressa neste poema os temas mais variados do Oriente. A morte, a lua (identificada com a morte, a escuridão), o sacrifício. Nota-se também o elemento pictórico, pintura de la muerte, o mundo como representação, a poesia como pintura a agonia de viver à sombra da morte, a noite, que evoca o sonho e o subconsciente, elementos, estes últimos que fariam a passagem para a poesia surrealista, que não é tema deste texto. Como o tema desta dissertação é a influência do Cante Jondo, e as influências que sofrem o Cante Jondo, o multiculturalismo na estética e na temática de Lorca, após as comparações da poética com a música e a poesia cigana, vamos agora mostrar como esta opção pela confluência popular Andaluz, importante centro de difusão da cultura árabe na Península Ibérica, fez com que Lorca fosse o poeta espanhol que mais vai influenciar a poesia árabe, inclusive a contemporânea.
Segundo Maritza Requena, a obra lorquiana realiza um resgate do romano ou do latino, do outro lado do árabe, no ritmo, nas palabras e na temática. Lorca é um retrato da diversidade cultural que conforma la identidade espanhola, o principal poeta desta confluência da Geração de 1927, e cuja influência vai transcender esta geração e as fronteiras espanholas. Córdoba, Granada e Andaluzia foram as grandes cidades de dominação árabe, assim, a cultura andaluz reflete estes séculos de dominação e influência, como inclusive já vimos, ao explicar o Cante Jondo. Segundo Maritza Requena, os mesmos temas do sacrifício, do amor sem fim e vivo aparecem expressos com o mesmo fim nos poetas árabes antecessores de Lorca na cultura árabe-andaluz.
Em Lorca se fundem, o erudito (Góngora), o popular e o folclórico; O gallego e o árabe-andaluz; o antigo e o tradicional e o novo e vanguardista, o espanhol e o universal, o mais universal dos espanhóis, por ser o mais espanhol dos universais. Em Lorca pulsa o espanholismo trágico de Cervantes em Quixote, é o trágico da aridez da terra que foi um império, mas não fez a passagem deste império para um país que tivesse hegemonia na modernidade, o bucólico, o trágico e o cômico de Quixote. La tauromaquia espanhola como o próprio Lorca denominou, como busca de uma força que estaria na terra espanhola, a resseca Mancha e a Andaluzia, esta busca de uma identidade e uma essência perdida, que o fazem símbolo de uma época trágica para os espanhóis, que culminam no seu sacrifício, em sua tragédia pessoal, como se ele fora o sacrifício platônico desta busca incessante um novo ente espanhol.
Vejamos um poema
Por conta destas contradições vivas que foi a poesia lorquiana, de suas opções temáticas e estéticas, ele foi o poeta predileto dos jovens poetas árabes. Além das questões estéticas, há questões políticas que explicam esta confluência (Lorca influenciado pelo arabismo, Lorca influencia os árabes). As opções que Lorca fez, sua identidade socialista (mesmo que não militante com o PSOE) e sua execução por razões político-estéticas. E porque dizemos político-estético, porque Lorca não pode ser considerado um militante socialista como Miguel Hernández. Todavia, todas as suas opções, seu laicismo-rebelde, sua opção pela língua, temática e estética popular, cigana, com extrema influência árabe, seu teatro mambembe e popular, dedicado às massas pobres espanholas; tudo o identifica como um escritor libertário militante. Sua influência moura por suas opções populares podem-se ver em poemas que louvam as cidades espanholas Mouriscas:

Sevilla

Sevilla es una torre
llena de arqueros finos.

Sevilla para herir.
Córdoba para morir.

Una ciudad que acecha
largos ritmos,
y los enrosca
como laberintos.
Como tallos de parra
encendidos.

¡Sevilla para herir!

Bajo el arco del cielo,
sobre su llano limpio,
dispara la constante
saeta de su río.

¡Córdoba para morir!

Y loca de horizonte,
mezcla en su vino
lo amargo de Don Juan
y lo perfecto de Dioniso.

Sevilla para herir.
¡Siempre Sevilla para herir!

O elogio às cidades mouras, a estética de repetição popular, como se fora uma canção ou uma procissão, o poema limpo, claro, sem exageros, transborda todavia da referência popular e faz um retrato de uma das mais importantes cidades de influência mourisca, vejamos um poema que se enquadra perfeitamente na referência estética-temática que aqui elucidamos:

Canción del Ginete Muerto

En la luna negra
de los bandoleros,
cantan las espuelas.

Caballito negro.
¿Dónde llevas tu jinete muerto?

...Las duras espuelas
del bandido inmóvil
que perdió las riendas.

Caballito frío.
¡Qué perfume de flor de cuchillo!

En la luna negra,
sangraba el costado
de Sierra Morena.

Caballito negro.
¿Dónde llevas tu jinete muerto?

La noche espolea
sus negros ijares
clavándose estrellas.

Caballito frío.
¡Qué perfume de flor de cuchillo!

En la luna negra,
¡un grito! y el cuerno
largo de la hoguera.

Caballito negro.
¿Dónde llevas tu jinete muerto?

Já o título do poema é revolucionário, Canção do ginete, a morte não era um tabu para Lorca, antes, um tema recorrente, a noite, a escuridão (até o cavalo é negro), a beleza lúgubre (flor de cuchillo), enfim, a estética e a temática lorquiana estão prenhes de toda uma temática milenar, do embate dos povos que habitavam e habitam a região granadina. A temática árabe dialoga facilmente com a estética proposta por Lorca.
Assim, tanto estas questões políticas, como as questões estéticas e temáticas, explicam a preferência de muitos escritores árabes para se referenciar em Lorca. No texto de Aicha Bouzid, da universidade de Orán, quatro grandes poetas de ascendência árabe são estudados sobre a influência recebida por Garcia Lorca: Badr Shakir al-Sayyab, Abd al-Wahhab al-Bayati, Salah Abdel Sabour, Mahoud Darwish.
Vamos através deste intelectual arabista, ver as influências recebidas pelos poetas árabes a partir de Lorca. O primeiro, Badr Shakir al-Sayyab, centrará a influência recebida da poesia de Lorca no coração e nos olhos de Lorca. O coração significa a dor, a morte, a fome que os espanhóis sentiram causada pela guerra, e o açoite do mar (água-exílio), que brota do inferno da Guerra Civil. Há uma conotação religiosa na água em Badr, já que a água do mar limparia e purificaria o inferno do mal causado pela guerra.
Os olhos de Lorca são tecedores de fogo e água, aqui a dicotomia bem/mal presente tanto no cristianismo quanto no islamismo, em circunstâncias perigosas e graves Lorca tece uma vela para conduzir Espanhas às margens da segurança, o que faz lembrar os profetas, tão caros a ambas religiões, Islamismo e Cristianismo, o que nos faz pensar no jogo de palavras com a palavra vate que dá origem dando a poeta, quanto a profetas, os poetas vaticinam em suas poesias, assim como os profetas no Corão e na Bíblia. Vejamos uma estrofe de Badr:5

"Como el ba rco de un niño que rompió su libro
para llenar el río de barcos,
como la vela de Colón
Como el destino. (Al-Sayyab, 2000, 334)"

Vejamos a influência de Lorca, no estudo que dissecamos do arabista Aicha Bouzid, em outro poeta árabe, Al-Wahhab Al-Bayati.
Iraqueano, al-Bayati recebe forte influência lorquiana, até por ter vivido na Espanha onze anos, quando trabalhou como conselheiro cultural na embaixada do Iraque na Espanha. A influência de Lorca neste poeta se expressa claramente em seis elegias, denominadas "Elegias para Lorca". São poemas simbólicos, começam falando do mito de Adonis e depois falam "Galgamesh" e depois de "Lukman", a teleologia deste poema, mostra o traço comum de mitos de imortalidade em diferentes culturas, a morte é um tema recorrente em Lorca, e através dela Al-Bayati faz seu diálogo, já que não só Lorca é o assassinado no poema do iraqueano, mas também Adonis e Ankidu, assim, Bayati transforma em mitológica a morte de Lorca, símbolo de toda a tragédia espanhola da Guerra Civil.6
La ciudad fascinante

Construída sobre el río de plata y limón.
En sus miles de puertas, en el ser humano no goza nada,
Ni vida, ni muerte.
Lo rodea un muro de oro.
Vigilado por un bosque de olivos del viento. (El Bayati, 1995, 142)

Segundo a poesia mitologica do poeta iraquiano, no mito comum da morte e do regresso, o mesmo teria ocorrido a Lorca, que após sua morte teria querido regressar a sua Granada querida, ainda, no belo poema, Bayati diz que Lorca al encontrar-se na cidade de fogo azul:"Gritó con voz alta, pero nadie lo escuchó, todo el mundo dormía, y la ciudad se anegó en sangre y humo de la guerra civil". Assim, se completa o mito do poeta-profeta (vate), como o mesmo destino de não ter sido escutado, como nos mitos profético. Bayati vai fazer ainda a comparação da Espanha de hoje, fazendo referência á civilização babilônica e a influência árabe na Península Ibérica. Completa a epopéia, a idéia do sofrimento de Lorca, que foi assassinado, segundo a poesia, por ameaçar a existência dos Governadores e seus seguidores que falseavam a história. Termina clamando que Granada (símbolo de uma Espanha moura) e Madrid (símbolo da Espanha cristã) chorem e evoquem ao grande poeta granadino.
Continuamos nos utilizando do elucidativo texto de Aicha Bouzid, para entender esta relação de mão dupla entre Lorca e a poesia árabe - influenciado por séculos de cultura árabe em Granada, influenciando poetas árabes posteriores a sua morte - para explicarmos esta relação entre a estética de Lorca e os poetas árabes. Analisaremos agora a relação de Salah Abdel Sabour, poeta egipício, que usará Lorca sem conteúdo simbólico ou mitológico. Como além de poeta, é crítico literário também, em seu poema sobre o poeta granadino, Sabor fará uma apologia do escritor e dramaturgo Lorca. Na primeira parte de seu poema, narrará a vida e importância de Lorca, na segunda parte chorará a perda de Federico e o elogio a arte lorqueana. Lorca fora assassinado, no poema, pelo sistema, por uma guarda infame e vil, um Lorca assassinado pelo sistema, que não odeia seus inimigos e que é símbolo da luta pela justiça.
Por último, na parte de nosso texto em que resenhamos a importância de Lorca para os árabes através dos textos de Maritza Requena, e de Aicha Bouzid, falaremos de mais um poeta árabe, Mahmud Darwish, poeta palestino. A atração de Darwish por Lorca explica-se antes de tudo por razões políticas, poeta de uma pátria ocupada e arrasada pelo Estado de Israel a tragédia vivida pelo poeta Republicano no início da sangrente Guerra Civil, não passaria em branco. Darwish erige Lorca como mártir e lutador, como ele, um militante da causa de um povo massacrado. Lorca é um leão, um ciclone, um vento. Cabe realçar que Lorca na verdade não era um militante político no sentido de La Pasionária, Lorca ameaçou aos fascistas muito mais por suas obras libertárias que por qualquer atitude política, até porque morreu no início da Guerra Civil. Então, o Lorca de Dawish é o símbolo mítico que castiga com sua morte a seus detratores, e que os vence mesmo com seu sangue derramado, já que se universaliza e se torna imortal, ao contrário de seus algozes e carrascos.
Darwish vai usar da mesma musicalidad natural e suave de Lorca, para sintetizar a leveza dos poemas, em que contraditoriamente ambos utilizam o elemento trágico e a morte como fio de tessitura da poético, a melancolia, Lorca se torna um trovador mítico que pega sua guitarra cigana e canta a Guerra Civil (sempre nos lembrando que Lorca morreu ao início desta tragédia e cantar a Guerra Civil no caso só pode significar a apologia que Lorca fez dos pobres e marginalizados).
Resumindo, a influência que Lorca produziu na poesia moderna árabe está além da questão estética. O recebimento dos influxos árabes no ritmo e na métrica lorquiana, assim como sua temática, em que aparecem os povos marginalizados e as cidades de colonização árabe, reforçam os traços que o fariam ser amado e cantando por poetas islâmicos. Todavia, sua tragédia pessoal, sendo o grande mártir de uma Guerra Civil que sequer chegou a lutar, o torna de uma atração irresistível para poetas de povos que também lutavam suas próprias lutas e até guerras de libertação nacional. Assim, Lorca retém em si a influência árabe de forma indireta em sua temática do Cante Jondo, dos povos marginalizados, entre eles os ciganos e os mouros e das cidades mouriscas; de outro lado, o amálgama de sua poesia atrai irresistivelmente estética e politicamente a poetas de povos que tem como pano de fundo projetos de libertação popular e nacional.
CONCLUSÃO
Este texto objetivou mostrar o multiculturalismo na poesia e na formação de Federico Garcia Lorca. Os influxos populares no mais complexo poeta da Geração de 27. Desde o espanholismo, ao surrealismo, Lorca é uma contradição em movimento, um poeta dialético por excelência, que consegue unir o erudito e o popular, o sagrado e o profano. Ultrapassando todos os cânones, é o mais vanguardista de todos os poetas de sua geração, flertando com o surrealismo, e elaborando poemas que são verdadeiros retratos não estáticos da realidade.
Este trabalho, todavia, tinha dois eixos centrais, o Cante Jondo, e, através dele, indiretamente a influência não só cigana, mas árabe na poesia de Lorca. Demonstramos como a busca de um modelo popular e direto de poesia, provindo do Cante Jondo, já era em si uma mescla, confessada inclusive pelo próprio Lorca, na conferência que aqui trabalhamos, em que ele explica que o Cante Jondo mescla a influência do canto religioso católico, os cantos e os ritmos árabes, e o canto modular de voz indiano-cigano. Toda a temática, de morte, tragédia, noite, escuridão, já era comum aos poetas árabes anteriores à Lorca, e por conta de ele ter percebido esta influência, será o poeta espanhol mais reproduzido e comentado pelos poetas árabes posteriores.
Concluímos afirmando que Lorca só pode ser universal por seu particularismo. Foi o mais universal dos poetas espanhóis do século XX, por ser o mais espanhol dos poetas espanhóis. Sua busca de um novo espanholismo entre os pobres e os deserdados, construiu um halo irresistível de atração com sua obra, e seu destino trágico, no início da Guerra Civil espanhola, executado por ser "rojo y maricas", o transformou em um mártir literário, capaz de inspirar a todos os poetas que lutam por libertação, como inspirou, por exemplo, ao chileno prêmio nobel Pablo Neruda.
Lorca segue cantando e alegremente tocando sua viola em todos aqueles que espalham ao vento o irresistível Cante Jondo do poeta granadino.
BIBLIOGRAFIA

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BAKHTIN, Mikhail; 2013; A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais; Hulcitec Editora, São Paulo, tradução de Yara Frateschi Vieira.
BEEVOR, Antony, 2007, A batalha pela Espanha, a Guerra Civil Espanhola; Rio de Janeiro; Record Editora, tradução Maria Beatriz de Medina.
BOUZID, Aicha; 2013; La imagem poética del español árabe contemporáneo. Caso de estudio: Federico García Lorca; Orán, biblioteca virtual da Universidade de Orán.
DAMASO ALONSO, Y Frnández, 1960; Poetas españoles contemporáneos; Madrid; Biblioteca Románica Hispánica, Editorial Gredos Sa.
DAMASO ALONSO, Y Frnández, 1970; Seis calas en la expresión literaria española; Madrid; Biblioteca Románica Hispánica, Editorial Gredos Sa.
LORCA, Federico Garcia; 1999, Poesia Completa; Martins Fontes Editora, São Paulo, tradução de William Agel de Melo.
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REQUENA, Maritza; 2011; Encuentro de tradiciones en la obra de Federico García Lorca y sus proyecciones en la poética árabe contemporánea; Santiago, Universidad do Chile, arquivo virtual de teses: http://www.tesis.uchile.cl/bitstream/handle/2250/111476/Requena%20Maritza.pdf?sequence=1




1Lorca, 1922.
2Lorca, 1922
3Lorca, 1922
4Lorca, 1999
5Aicha Bouzid, 2013

6Aicha Bouzid, 2013