Página de textos literários, políticos e filosóficos do escritor Roberto Ponciano. Aqui é como se fosse minha casa, onde recebo meus amigos com café quente ou cerveja, dependendo do gosto.
terça-feira, 16 de outubro de 2012
Balbúrdia das letras: A embriaguez ética da direita e da extrema esquerd...
Balbúrdia das letras: A embriaguez ética da direita e da extrema esquerd...: A embriaguez ética da direita e da extrema esquerda Não se entende a classe média, a mídia, a direita e seu discurso "moral" e "ético...
A embriaguez ética da direita e da extrema esquerda
A embriaguez ética da direita e da extrema esquerda
Não se entende a classe média, a mídia, a direita e seu discurso
"moral" e "ético" sem entender o nosso tempo.
André Comte Sponvile, filósofo francês chama a atenção para a
mudança de paradigma nesta geração. Se antes havia o primado da
política; e a moral e a ética ficavam em segundo plano, hoje, neste
bloco histórico (conceito gramsciano da relação entra as
estruturas [econômicas e
políticas] e
superestruturas [pensamento]) hodierno, contemporâneo, fica claro a
prevalência do discurso “ético”, “moral”, em detrimento da
política.
1968 – O ano que não
terminou
Para entendermos este primado da “ética”, temos que primeiro
entender a geração imediatamente anterior a nossa, a da década de
60 e seus ideais, cujos representantes, em sua maioria estão vivos,
mas cujos ideias estão fora de voga. A década de 60 foi a década
das grandes revoluções do pós-guerra: Maio de 68 Francês,
Woodstook, Revolução Cubana. Parecia que o mundo caminhava para uma
outra sociedade, e o discurso era ou “imoral” ou “amoral”. A
fenomenologia, o estruturalismo colocavam a verdade no discurso e a
moral não passava de um preconceito pequeno-burguês, o casal da
moda, Sartre, Simone de Beauvoir, com seu casamento aberto, parecido
com o livro “As ligações perigosas”, era a antítese total à
família, ao casamento pequeno-burguês, à moral monogâmica. Atacar
a moral burguesa ou pequeno-burguesa seria optar por um imoralismo ou
por um amoralismo, trocar a moral de nossos pais por moral nenhuma. A
sociedade parecia que seria solapada em seus alicerces, a monogamia,
o casamento foram desvalorizados. Foi a época da pílula, do
divórcio, da libertação sexual das mulheres, da queima dos sutiãs
em praça pública. Woodstook e a ideologia hippie revivescendo a
filosofia de Wilhelm Reich pregavam o amor de todos para todos e o
sexo livre. A Revolução Mundial parecia próxima e os jovens
queriam organizar sovietes ou sociedades hippies em todos os países.
O experimentalismo, seja no sexo, na política, nas drogas era a
palavra de ordem.
Mas, como todo movimento, dialético em sua estrutura, fica a marca
da permanência em tudo que é revolucionado. O Maio Parisiense
parecia ter ruído junto com o Muro de Berlim. A revolução sexual é
irreversível mas seus excessos foram limitados pela epidemia de AIDS
e valores antigos como a monogamia e o casamento foram retomados,
fora uma forte reação conservadora em boa parte do mundo,
valorizando todos os ritos monogâmicos, o experimentalismo sexual da
juventude, se não foi limitado, deixou de ser uma ideologia. Para a
juventude, militar ou pertencer a um partido passou a ser algo de
somenos importância, ou melhor, fora de moda. No Brasil e quase toda
a América Latina, a Longa Noite, a Ditadura Militar, juntou a
desesperança dos ideais socialistas ao medo e a geração crescida
nas décadas de 80 cantava que era a Geração Coca-Cola, que eram
inúteis e que não sabiam escolher presidente. Que não tinha (como
dito na voz de um dos grandes poetas da Geração 80, Cazuza)
Ideologia para viver, já que as ilusões estavam todas perdidas.
A Década Neo-Liberal
A derrota do chamado Bloco Socialista e de todo o movimento social
internacional na década de 90 foi tão profunda, que mudou
paradigmas. A década de 90 foi a década de ascensão dos Yuppies e
da ideologia neo-liberal. Fogosamente, diante da derrocada do
Socialismo Real o mundo foi tomado por uma epidemia de valorização
do indivíduo, não no sentido humanista, mas no pior dos sentidos,
no sentido egóico da satisfação dos desejos de consumo alido a um
id paranóico e a lei da selva do todos contra todos. Na década de
90, ideologicamente, o mundo é vendido como uma selva, com a lei do
mais forte prevalecendo. O desemprego brutal, em massa, coloca os
sindicatos todos na defensiva e lutando só contra a perda do
emprego, quando não vendidos à lógica do capitalismo e apoiando o
neo-liberalismo. As privatizações fazem a apologia do lucro e a
juventude, em sua grande maioria, passa a ter ojeriza em se organizar
em partidos e sindicatos. Começa a se construir um discurso pseudo
ético, no qual o ser humano é rebaixado a consumidor e se inaugura
uma “ética empresarial”.
Como relata Comte Sponvile, não existe ética empresarial, a empresa
não tem ética, ela quer é lucro, maximizar oportunidades e extrair
o máximo de mais valia. A chamada “ética” empresarial, da qual
o mundo está farto, não passa, no fundo, de uma imagem de
confiabilidade da empresa para o consumidor da qual ele depende e,
com isto, conseguir a fidelização do cliente e o máximo do lucro
durante o maior período de tempo possível. O zênite desta “ética”
pululou nos livros de autoajuda que louvam o “empreendedorismo” e
o individualismo mais grosseiro e selvagem, transformando o “homem
no lobo do próprio homem” e nada mais. A ética do vencedor, que
justifica a pobreza na “competência do mais forte” e na “pobreza
espiritual” dos menos capazes. A mídia vende a ilusão do
“desemprego estrutural”, informando, no meio da crise, recessão
e postos de trabalho que “empregos existem”, os trabalhadores é
que não tem competência e formação para ascender a eles, como se
formação no capitalismo não fosse uma questão de investimento,
algo inacessível para quem está morrendo de fome.
Mesmo na filosofia séria, a desconfiança sobre as formas
organizadas de política passa a dar a tônica, com as filosofias
irracionalistas, que negam qualquer forma de organização (e mesmo
de filosofia, como um retorno à frase hegeliana de que chegamos ao
fim da história, assim também a filosofia chega a seu termo), ou
quando não negam a existência de uma filosofia como sistema, negam,
por sua vez, a participação organizada nos partidos e sindicatos.
A queda do muro de Wall Street e
a retomada de foco
Esta é a herança que recebemos, nosso bloco histórico.
A desconfiança total nas formas organizadas de participação
coletiva (partidos e sindicatos) e a não-participação em suas
instâncias. Um grosseiro individualismo e um discurso ético que não
sai do individual para o coletivo e sua necessária implicação
política, constatada como essencial desde Aristóteles e sua defesa
do homem como animal essencialmente político. A queda da bolsa de
Wall Street todavia, balança este primado do individual sobre o
coletivo.
Fukuyama e os Chicago Boys, e todo seu ideário entraram
em colapso, por conta disto, o “Fim da História” já não é
mais uma tese hegemônica ou mesmo que seja defendida. O surgimento
também de um bloco de países latino-americanos que conseguem
recuperar suas economias na contramão daquilo que pregava o
neo-liberalismo, através da solidariedade e da participação ativa
dos povos, em contradição com os princípios individualistas e
privatistas, cria uma alternativa a esta hegemonia político-cultural,
abre passagem a criação de um novo bloco histórico, que visa
estabelecer um novo processo sócio-metabólico.
Os sindicatos brasileiros todos, por exemplo, durante o
Governo Lula conseguiram, de maneira organizada, aumentos acima da
inflação. E, embora não tenhamos a participação política ainda
nos níveis das décadas passadas, se vê uma tímida retomada da
organização e da luta.
A embriaguez pseudo ética da
direita
Toda a longa explicação anterior serve para tentar
entender este fenômeno chamado de embriaguez pseudo ético da
direita e porque ele consegue atrair pessoas que por vários motivos
nunca quiseram participar da organização política e da luta seja
em partidos, seja em sindicatos. Em primeiro lugar o discurso “ético”
atrai.
A ética é usada neste momento como falácia de
autoridade e destrói preliminarmente qualquer um que queira se
antagonizar aos movimentos estilo cansei, ou moralismos de direita ou
de extrema esquerda que se apresentam como opção para “limpar o
Brasil”. Ora, pensemos no seguinte silogismo.
Premissa maior: Todo homem justo é ético e defende
propostas éticas.
Premissa menor: Nosso movimento de limpeza do Brasil
apresenta uma proposta ética.
Conclusão inevitável: Logo, eu como homem justo tenho
que defender o movimento “x”, se não serei um canalha.
Preso neste silogismo, a discussão deixa de ser ad
argumentum e passa a ser ad hominem. Todo aquele que se opõe aos
movimentos messiânicos, estilo UDENISTAS ou é canalha ou é
ignorante.
O problema está na premissa menor, que é um axioma que
não foi provado.
São estes movimentos de limpeza do país éticos? Como
se erigem os movimentos de “limpeza”, de “luta contra a
corrupção” a uma espécie de a priori kantiano, eles não
precisam de prova ou debate. Todos estes movimentos passam, de
antemão a serem “éticos”, “justos”, e todos aqueles que se
rebelam contra eles passam a automaticamente representar a corrupção
e a bandalheira.
Há dois problemas aí. Como nenhum destes movimentos
consegue realmente fazer um debate real da ética destituída da
política (a ética só pode existir em sua plena acepção no mundo
da pólis, ela só pode ser entendida dentro da torção política),
como eles viram às costas para a política e não tem objetivos
estruturais políticos definidos, todos descambam para movimentos
puristas, messiânicos e que tendem ou à extrema esquerda, ou à
extrema direita. E isto tem uma razão de ser. Da mesma maneira que a
derrota do Bloco Socialista na década de 90 levou à derrocada da
discussão política e à embriaguez ética, a Construção de um
Bloco Anti-hegemônico no Continente Sul Americano e caminhando para
a construção de um Bloco Anti-hegemônico no Continente
Latino-americano, retirou da direita qualquer projeto sólido de
oposição ao projeto de Centro-esquerda no Continente
Latino-americano. Boa parte da extrema-esquerda, presos a esquemas
políticos fracassados, embarca na mesma canoa furada para tentar uma
sobrevida, já que não tem nenhum projeto concreto alternativo ao
neo-liberalismo, ou a este novo Bloco de Centro-esquerda.
Em resumo, o debate “pseudo-ético” surge como UMA
CONSTRUÇÃO DE DIREITA, uma falsa alternativa, para não discutir os
problemas estruturais de cada país, mas para criar uma ilusão de
alternativa, situando no mundo da pureza a política e transformando
a disputa de projetos numa disputa de quem é mais puro e ou casto.
Conte-Sponville coloca bem claramente que política é o espaço da
disputa e do conflito, o discurso pseudo ético quer fazer da
política o espaço da santidade, que Conte-Sponville, mesmo sendo
ateu, relaciona ao espaço puramente religioso, naquela parte das
religiões que não fazem a disputa na área da política, como na
busca da elevação espiritual nos monastérios e ou na caridade.
Efetivamente, de outro lado, é fundamental frisar, que
os adversários deste discurso falso ético não estão contra a
ética na política nem são a-morais. Simplesmente sabem que por
trás da falsa discussão ética se escondem movimentos
ultra-reacionários ou aliados de extrema-esquerda que em lugar de
tentarem discutir as estruturas que possibilitam a existência da
corrupção e do desvio, apenas denunciam o galho sem querer podar a
árvore. Querer “capitalismo ético” é a mesma coisa que desejar
que os lobos passem a ser pastores de ovelhas. Discutir, por exemplo,
corrupção em campanha eleitoral não é fazer parte de um
espetáculo circense auto-denominado “mensalão” (a maior farsa
Jurídico-político da história do Brasil, Caso Dreyfuss, Incêncio
do Reichstag Brasileiro), mas discutir a necessidade imperiosa de se
ter eleições limpas, através do financiamento público de
campanha. No Brasil, com financiamento privado de campanha o grande
problema não é o dinheiro não declarado, ou o chamado “caixa 2”,
é uma falsa questão ética, já que o dinheiro declarado, este já
é sujo em sua essência, já que o financiamento eleitoral privado é
feito por bancos, latifúndios, empresas de saúde privada, empresas
de seguro de previdência, empresas de ônibus. Desviar a discussão
para o “caixa 2” e a farsa do mensalão é deixar intocada a
estrutura eleitoral que elege 300 das 500 campanhas mais caras, todas
pagas pelas grandes empresas privadas que comandam o Brasil. Desviar
a discussão ética da discussão estrutural política de mudanças
profundas no Brasil, que dependem fundamentalmente, por exemplo da
reforma política, é fazer o jogo da direita mais conservadora, que
efetivamente quer reduzir a ética a um jogo jurídico de “culpados”
e “inocentes”, sem tocar na estrutura corrupta em si do sistema.
Os movimentos estilo “Cansei”,
ou moralistas de extrema-esquerda de candidatos “puros” não são
éticos por sua natureza
Estes movimentos messiânicos de extrema direita ou de
extrema esquerda não são éticos por natureza. Isto acontece quando
questões políticas, como a discussão da reforma eleitoral urgente,
com financiamento público de campanha, ou Reforma do Judiciário,
com a democratização do STF, são desviadas do seu curso natural,
que é a livre discussão política. Estes movimentos pseudo éticos
são apenas a reação da extrema direita e da extrema esquerda à
perda de representatividade política dentro da sociedade brasileira
e a falta de projetos factíveis para a sociedade. Livre do
pré-conceito, da falácia de autoridade dos antagonistas ao novo
Bloco Histórico que emerge na América Latina, é que só podem se
posicionar como neo-bobos pseudo-éticos, na falta de qualquer
projeto político, é necessário dizer que não há santos na
política, nem de um lado, nem do outro. Isto não nos leva ao
discurso contrário, ou que querem nos enfiar goela a dentro que
“político é tudo igual”, ou que todos os políticos são
desonestos, Corolário necessário dos movimentos puristas,
messiânicos e pseudo-éticos, que acabam reduzidos à sacralização
de figuras como Joaquim Barbosa ou Marcelo Freixo, e nem é objetivo
deste texto discutir a pureza ou a santidade destas figuras. Apenas
deixar claro, que àqueles que se opõem ao projeto neo-udenista
frisam que o problema fundamentel do Brasil não é a “honestidade”,
até porque não há paquímetro para se ficar medindo
individualmente a honestidade de ninguém, honestidade é o MÍNIMO
QUE SE DEVE COBRAR DE UM POLÍTICO, SEMPRE, mas não se deve elegê-lo
simplesmente porque ele é honesto. NUNCA SE DEVE ELEGER UM POLÍTICO
CORRUPTO, isto é um axioma que defendemos, e o Bloco Histórico
Anti-hegemônico que se construiu na América Latina deve ser o mais
ético possível, mas a discussão que devemos levar para as urnas é
outra: REFORMA AGRÁRIA, AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA, SOBERANIA
NACIONAL, REESTATIZAÇÃO DO PETRÓLEO, SAÚDE E EDUCAÇÃO PÚBLICA
DE QUALIDADE PARA TODOS, REFORMA URBANA, REFORMA POLÍTICA COM
FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHAS. Alguém notou que todas estas
propostas, que abrangem menos de 1/10 de tudo que devemos defender
são propostas puramente POLÍTICAS? Que existem e podem existir
dezenas, talvez centenas de candidatos reacionários, de direita, ou
de extrema-esquerda sem proposta MAS HONESTOS? A disputa política
não é a disputa de quem é mais santo, não é uma disputa
messiânica de nomes, mas uma disputa de projetos políticos. Nesta
disputa a ética deve permear as nossas candidaturas, mas o projeto é
em sua essência POLÍTICO. A disputa não é em torno de quem é ou
quem não é corrupto, até porque, muitos dos paladinos da
moralidade, à direita e à esquerda, são corruptos até a medula
óssea, mas sim, que projeto pode mudar a estrutura do BRASIL,
INVIABILIZANDO INCLUSIVE, ESTRUTURALMENTE, A CORRUPÇÃO. Ou alguém
é capaz de negar os avanços feitos em transparência nos Governos
Lula e Dilma? O Brasil não está mais corrupto que antes, a cobrança
da sociedade que está mais organizada é maior, e os mecanismos de
transparência são melhores, viabilizando denúncias e investigações
que antes eram represadas e ou engavetadas.
Todavia, há a corrupção LEGALIZADA, que começa pelo
financiamento privado de campanha, LEGAL, PORTANTO “ÉTICO”,
continua nos grandes llobies de bancos, latifúndios, bancada
evangélica e católica conservadora, empresas de saúde, tudo LEGAL
E PORTANTO, na falsa ética UDENISTA, seriam “ÉTICOS”, porque
não quebram nenhuma regra legal. Colocar a ética no respeito a
leis, leis estas conservadoras e mantenedoras do Status quo reduz a
ética ao papel calhorda de justificação do sistema. A ética é
algo bem maior do que isto e se situa no espaço de disputa de uma
nova sociedade. Que ETHOS, que projeto de novos homens, de novo bloco
histórico e de novos agentes coletivos necessitamos para mudar o
Brasil? Esta uma verdadeira discussão ética, que inclusive tem de
enfrentar a questão da ruptura com atitudes subversivas em política
e que vão para além da legalidade institucional e burguesa. No
campo meramente legal da ética do bom mocismo ocupar latifúndios
para se fazer reforma agrária é ou não ético? Com certeza, para o
campo conservador do Cansei isto não seria ético, para quem quer
mudar ou transformar a viabilização e inclusive o financiamento do
movimento de luta pela terra no campo é em essência ético, tendo
que necessariamente ultrapassar os marcos legais impostos a nós pelo
capitalismo.
Frisamos, como conclusão, que o fato de Isto todavia
não leva à conclusão inversa, bem, se não há santos, então, há
canalhas. Nada disto. O mundo não é habitado por santos e se o é,
eles devem discutir o mundo espiritual, o futuro em uma outra vida
provável, e não a estrutura política do Brasil. Esta é apenas uma
discussão política.
Destituída de sua auréola de santidade, a discussão
passa a ser apenas e tão somente dos projetos em luta no Brasil. Eu,
politicamente (e não eticamente, esta não é uma discussão ética)
estou convencido de que o atual projeto que governa o Brasil é
progressista, porque potencialmente anti-hegemônico e fez mudanças
estruturais importantíssimas. Isto sem preconceito ou ataques ad
homines, mas defendo até o fim o direito de os companheiros
defenderem o contrário, sem este argumento falacioso que a questão
principal do Brasil é ética. Na premissa falaciosa colocada é
exatamente isto que precisa ser provado!
Na verdade, quem defende estes movimentos messiânicos,
de direita ou de esquerda, os defende por motivação puramente
política, mas necessita usar do discurso ético, já que vimos que
é um discurso que está em voga na atual falta de politização da
sociedade e na falta de um projeto definido tanto pela direita,
quanto pela extrema esquerda messiânica.
Por que os movimentos
pseudo-éticos cativam a imaginação da classe média despolitizada?
Somos uma geração pós-revolucionária. Não pela
ditadura militar de 64, que não foi uma revolução, mas por sermos
a geração pós Maio de 68, pós Woodstook, pílula e Revolução
Sexual e, por outro lado, fomos educados no pós-ditadura, com o medo
de nossos pais, e na “ética” do individualismo.
Os sindicatos e partidos políticos sobrevivem e lutam,
em meio a uma onda de descrença. Participar de um sindicato ou
partido político é remar contra a maré. É retomar o discurso
político contra o discurso individualista, então, o preconceito, a
visão deturpada do que seja o político e o sindicato grassam no
senso-comum.
No discurso pseudo-ético, a política é a terra da
desonestidade, as formas de organização política são más e não
há escape para quem participa nelas. Ora, qualquer forma de
organização que se faça à margem dos sindicatos, partidos
políticos e seus “complicados” ritos democráticos (assembleias,
plenárias, congressos, discussões exaustivas) fará um relativo
sucesso.
Imagine então, um movimento que ataca a forma de
organização política, que promove o rebaixamento da política a
uma discussão de quem é honesto ou desonesto, a uma busca de um
purismo episcopal não participativo. É tudo que esta geração
aprendeu, não participar, não se organizar, não ter compromisso,
não ser coletivo.
Por que o desgaste de um piquete ou de uma passeata? Por
que o esforço de uma organização política permanente na qual se
perdem preciosas horas da vida? Por que se organizar e perder horas
preciosas de fala tentando convencer e ser convencido, quando há uma
série de diversões e entretenimentos individuais julgados por
muitos como mais importantes?
Parte-se de um a-priori “ético” e se atacam todas
as formas verdadeiras formas democráticas de participação política
real em sindicatos e partidos políticos. Assim, uma manifestação
com vassourinhas para cima, de um punhado de gente da classe média
vale mais que a vontade popular de milhões depositada nas urnas, num
projeto de mudança lento e necessário, simbolizado pelos dois
últimos governos, Lula e Dilma, representantes no Brasil do bloco
anti-hegemônico latino-americano.
A histeria coletiva do mensalão
e a catarse do STF
Entendendo este caldo de cultura, é possível
vislumbrar porque o espetáculo pífio do mensalão consiga relativo
sucesso entre a classe média desorganizada. Primeiro, a classe média
não se vê neste Governo. A classe média sente-se lograda, mas não
sabe bem porque. As camadas médias sempre foram aquelas espremidas
entre a burguesia e o proletariado, todo o Governo que governe para
as camadas proletárias e semi-proletárias sempre causa
desconfiança, as vezes pavor na classe média. É importantíssimo
vislumbrar que todas as ditaduras nazistas, fascistas,
proto-fascistas se apoiaram na Classe Média. O Nazismo foi um
movimento de massas da Classe Média e do Lumpen Proletariado, o
proletariado sempre foi o único inimigo de verdade no nazismo na
Alemanha e nunca foi ganho de verdade para o movimento nazi-fascista.
Todas as ditaduras militares da América Latina tiveram sua base na
Classe Média. O Golpe de Pinochet contra Allende, a Marcha da
Família com Deus e a Propriedade e a TFP no Brasil, o Milagre
Econômico, sempre tiveram apoio político ideológico da classe
média.
A Classe Média não se vê neste Governo, mesmo que
este Governo não a prejudique. Ainda que o Governo Dilma tenha 77%
de popularidade, ele nunca terá a confiança e o apoio resoluto da
classe média, prova disto é o mapa de votação das últimas
eleições. Marx dizia que a classe média só assume posições
proletárias quando está em vias de se proletarizar, e na luta de
classes tem posicionamento ambíguo, morrendo de medo de virar
proletário, mas ao mesmo tempo tendo que se defender da exploração
da burguesia. As políticas compensatórias e igualitárias dos
Governos PeTistas não tem nem ressonância nem apoio da Classe
Média. O aumento do salário mínimo de 70 dólares para 350 dólares
mexeu com a estrutura feudal das famílias de classe média
brasileira. O espetáculo das mucamas a serviço da classe média,
com salários de fome foi ameaçado,a exigência de direitos às
trabalhadoras e trabalhadores domésticos é uma opção de classe
que não pode ser ignorado. A classe média sentiu no bolso e na
perda do status quo. O trabalho de mucama privativa está em vias de
extinção, é há que se profissionalizar o setor doméstico, com
creches e outros serviços de atenção à casa para que este seja
viável, a classe média nunca perdoou o Governo por isto.
Além destas políticas, uma outra série de políticas
que mexe com a estrutura patriarcal e racista da pirâmide
brasileira, como a distribuição de renda através do Bolsa Família,
Brasil Carinhoso, o Pro-Uni e a política de quotas raciais, que
dobrou o número de negros nas universidades públicas brasileiras e
dobrou o número de estudantes pobres nas universidades, ameaça a
hegemonia censitária que estava ligada ao acesso privilegiado de
poucos à informação. Pode ser políticas que, à primeira vista,
não impactam à classe média, mas que efetivamente são as
políticas que a classe média mais ataca e ridiculariza. Bergson já
dizia que o humor é uma forma de censura social. Atacar estas
políticas com deboche e histeria é a forma que a classe média sem
propostas e minoritária nas urnas tem para se vingar da sua perda de
representatividade política com o protagonismo das camadas
proletárias e subproletárias representada no projeto do PT. Não é
pouco pensar que um exército de mucamas e serviçais que vendiam a
troco de banana seus serviços para a classe média tiveram uma
grandiosa valorização com a política de salário mínimo, fazendo
com que o Brasil se pareça menos com o país das capitanias
hereditárias e comece a construir uma pirâmide social mais justa,
mas parecida com países de capitalismo moderno. É claro que não
acabamos com a pobreza ou com a injustiça social, mas o pouco que
foi feito já mexeu com os brios de uma classe média que sempre se
sentiu “privilegiada” pelo acesso privativo a uma série de
serviços baratos, às custas da miséria de um grande setor
proletário e subproletário. Estes serviços foram inflacionados
pela política de salário mínimo (não à toa a inflação da
classe média que consome serviços foi maior que inflação do
proletariado) e a elevação do nível de vida fez que o acesso a
bens de consumo deixasse de ser uma marca distintiva de classe.
Isto leva a um sentimento de impotência política e de
perda de valor de classe, que se expressa no sentimento de que este
Governo não é nosso, da Classe Média. Junto a este caldo de
cultura, a ideologia grosseira de uma mídia brasileira completamente
controlada pela direita, das TVs e Rádios, às grandes revistas e
jornalões. Derrotada na urna, a elite brasileira se reagrupa não
como partido político tradicional, mas na produção política da
grande imprensa que forja uma grande farsa midiática para barrar o
projeto de mudanças do primeiro Governo Lula, o mensalão. Diante da
resistência e reação popular, a tentativa de Golpe branco fracassa
em seus princípios, mas se mantém, como sombra, como uma espécie
de catarse coletiva contra um Governo que não é da elite, nem da
classe média.
TODOS SÃO CULPADOS A MENOS QUE SE PROVEM O CONTRÁRIO
Para finalizar, não vou entrar numa análise detalhada
do mensalão, não sou jurista, minha área é a ética, a filosofia
e a política. Mas definitivamente o mensalão foi uma catarse da
direita, da elite, contra o projeto vitorioso do bloco
anti-hegemônico de Centro-esquerda no Brasil. Não vou entrar na
análise de se o PT perdeu ou não seu viés ético, ou se igualou
aos outros partidos no poder. Esta análise levaria a uma minudência
de fatos que foge ao objeto deste ensaio, ainda que os números não
provem que o PT seja o Partido mais corrupto do Brasil, pelo
contrário, pelos números absolutos e percentuais dos políticos
barrados pela lei da Ficha Limpa, o PT seria um dos partidos mais
éticos do Brasil. Quero entrar no cerne da histeria coletiva chamada
“mensalão”.
Bons e grandes amigos meus se desesperam quando eu digo,
alto bom som “nunca existiu mensalão”. Os argumentos viram
argumentos ad hominem: “Você acredita na honestidade de Sívinho
Land Rover?”. “Você acredita na honestidade de Delúbio Soares”?
Nunca entro neste debate, até porque o STF não estava julgando a
honestidade, ou o grau de honestidade de nenhum dos réus. A nenhum
tribunal é dado fazer isto, apenas a tribunais de exceção, como os
da Alemanha Nazista, ou os dos famosos Julgamentos de Moscou, nas
quais as pessoas eram julgadas de acordo com seu grau de culpa
perante o “Estado”. O STF julgou uma tese e julgou de forma
política e sem provas. Desde o Procurador Geral da República, que
diz, sem nem ficar com vergonha: “provas não existem, porque
quadrilha não deixa provas”, até os votos dos relatores e
ministros.
Ficou claro, como na inquisição, que o importante era
condenar, com ou sem provas, porque era necessário demonizar os
réus. Algumas falas foram paradigmáticas e demonstram ao grau de
loucura coletiva que o julgamento político pode levar uma corte de
um partido em pleno Estado Democrático de Direito (perdoam-se juízes
de países de Estados com ditaduras, porque estes na verdade, muitas
vezes, querem manter sua própria integridade física) a insculpir
pérolas como: Ministra Carmem Lúcia: “Fala-se houve caixa 2 como
se caixa 2 não fosse crime”, sim, é crime, mas crime que não
estava sendo julgado e que o STF, como tribunal que defende a reserva
legal, só julgar os réus pelo crime que estão sendo acusados, não
podia, sem ferir de morte a legitimidade do Supremo, atacar, ou seja,
os réus seriam acusados pelos crimes pelos quais não foram
pronunciados. Ou do nada saudoso Ministro Ayres Britto, que falou de
teoria da conspiração: “O mensalão é um projeto do PT para se
perpetuar no poder”. Primeiro, falta provar o essencial, e que não
foi provado neste caso Dreyfuss e incêndio do Reichstagg brasileiro,
o de que houve mensalão, segundo, construir esta hipótese, a de que
o mensalão é um “projeto de perpetuamento político” é pura
conjectura política que foge da alçada de um Ministro de um
tribunal democrático.f
Assim, com um Tribunal que julgou réus por crimes que
não cometeram (se cometeram outros possíveis crimes que sejam
pronunciados por estes e julgados nos tribunais competentes), com uma
mídia querendo um projeto para a direita e uma desforra, e com uma
classe mídia sedenta de fazer uma catarse contra um Governo que ela
pensa que não a representa, ainda que a estabilidade econômica e a
queda de juros atinjam toda a sociedade, o mensalão é o ápice da
falta d proposta politica, de engajamento, de despolitização de um
sociedade.
A catarse histérica da direita e da classe média
derrotada nas urnas e tem o mesmo significado pífio e apagado dos
juízes dos ministros que ao fazerem uma condenação inquisitorial
inscreveram seus nomes na calçada da fama dos tribunais de exceção.
Meus amigos de classe média sempre me perguntam,
afinal, você acha que eles são inocentes? Eu sempre respondo, não
sou eu que tenho que provar a inocência de ninguém, peço a meus
amigos bem intencionados, mas histéricos, que me tragam alguma prova
real da culpa de quem foi julgado politicamente para dar um discurso
a uma direita que perdeu o discurso e o projeto político no Brasil
e que é apoiada por uma extrema-esquerda, tão histérica quanto a
classe média que na verdade compõe seus quadros.
A embriaguez ética da direita e da extrema esquerda
A embriaguez ética da direita e da extrema esquerda
Não se entende a classe média, a mídia, a direita e seu discurso
"moral" e "ético" sem entender o nosso tempo.
André Comte Sponvile, filósofo francês chama a atenção para a
mudança de paradigma nesta geração. Se antes havia o primado da
política; e a moral e a ética ficavam em segundo plano, hoje, neste
bloco histórico (conceito gramsciano da relação entra as
estruturas [econômicas e
políticas] e
superestruturas [pensamento]) hodierno, contemporâneo, fica claro a
prevalência do discurso “ético”, “moral”, em detrimento da
política.
1968 – O ano que não
terminou
Para entendermos este primado da “ética”, temos que primeiro
entender a geração imediatamente anterior a nossa, a da década de
60 e seus ideais, cujos representantes, em sua maioria estão vivos,
mas cujos ideias estão fora de voga. A década de 60 foi a década
das grandes revoluções do pós-guerra: Maio de 68 Francês,
Woodstook, Revolução Cubana. Parecia que o mundo caminhava para uma
outra sociedade, e o discurso era ou “imoral” ou “amoral”. A
fenomenologia, o estruturalismo colocavam a verdade no discurso e a
moral não passava de um preconceito pequeno-burguês, o casal da
moda, Sartre, Simone de Beauvoir, com seu casamento aberto, parecido
com o livro “As ligações perigosas”, era a antítese total à
família, ao casamento pequeno-burguês, à moral monogâmica. Atacar
a moral burguesa ou pequeno-burguesa seria optar por um imoralismo ou
por um amoralismo, trocar a moral de nossos pais por moral nenhuma. A
sociedade parecia que seria solapada em seus alicerces, a monogamia,
o casamento foram desvalorizados. Foi a época da pílula, do
divórcio, da libertação sexual das mulheres, da queima dos sutiãs
em praça pública. Woodstook e a ideologia hippie revivescendo a
filosofia de Wilhelm Reich pregavam o amor de todos para todos e o
sexo livre. A Revolução Mundial parecia próxima e os jovens
queriam organizar sovietes ou sociedades hippies em todos os países.
O experimentalismo, seja no sexo, na política, nas drogas era a
palavra de ordem.
Mas, como todo movimento, dialético em sua estrutura, fica a marca
da permanência em tudo que é revolucionado. O Maio Parisiense
parecia ter ruído junto com o Muro de Berlim. A revolução sexual é
irreversível mas seus excessos foram limitados pela epidemia de AIDS
e valores antigos como a monogamia e o casamento foram retomados,
fora uma forte reação conservadora em boa parte do mundo,
valorizando todos os ritos monogâmicos, o experimentalismo sexual da
juventude, se não foi limitado, deixou de ser uma ideologia. Para a
juventude, militar ou pertencer a um partido passou a ser algo de
somenos importância, ou melhor, fora de moda. No Brasil e quase toda
a América Latina, a Longa Noite, a Ditadura Militar, juntou a
desesperança dos ideais socialistas ao medo e a geração crescida
nas décadas de 80 cantava que era a Geração Coca-Cola, que eram
inúteis e que não sabiam escolher presidente. Que não tinha (como
dito na voz de um dos grandes poetas da Geração 80, Cazuza)
Ideologia para viver, já que as ilusões estavam todas perdidas.
A Década Neo-Liberal
A derrota do chamado Bloco Socialista e de todo o movimento social
internacional na década de 90 foi tão profunda, que mudou
paradigmas. A década de 90 foi a década de ascensão dos Yuppies e
da ideologia neo-liberal. Fogosamente, diante da derrocada do
Socialismo Real o mundo foi tomado por uma epidemia de valorização
do indivíduo, não no sentido humanista, mas no pior dos sentidos,
no sentido egóico da satisfação dos desejos de consumo alido a um
id paranóico e a lei da selva do todos contra todos. Na década de
90, ideologicamente, o mundo é vendido como uma selva, com a lei do
mais forte prevalecendo. O desemprego brutal, em massa, coloca os
sindicatos todos na defensiva e lutando só contra a perda do
emprego, quando não vendidos à lógica do capitalismo e apoiando o
neo-liberalismo. As privatizações fazem a apologia do lucro e a
juventude, em sua grande maioria, passa a ter ojeriza em se organizar
em partidos e sindicatos. Começa a se construir um discurso pseudo
ético, no qual o ser humano é rebaixado a consumidor e se inaugura
uma “ética empresarial”.
Como relata Comte Sponvile, não existe ética empresarial, a empresa
não tem ética, ela quer é lucro, maximizar oportunidades e extrair
o máximo de mais valia. A chamada “ética” empresarial, da qual
o mundo está farto, não passa, no fundo, de uma imagem de
confiabilidade da empresa para o consumidor da qual ele depende e,
com isto, conseguir a fidelização do cliente e o máximo do lucro
durante o maior período de tempo possível. O zênite desta “ética”
pululou nos livros de autoajuda que louvam o “empreendedorismo” e
o individualismo mais grosseiro e selvagem, transformando o “homem
no lobo do próprio homem” e nada mais. A ética do vencedor, que
justifica a pobreza na “competência do mais forte” e na “pobreza
espiritual” dos menos capazes. A mídia vende a ilusão do
“desemprego estrutural”, informando, no meio da crise, recessão
e postos de trabalho que “empregos existem”, os trabalhadores é
que não tem competência e formação para ascender a eles, como se
formação no capitalismo não fosse uma questão de investimento,
algo inacessível para quem está morrendo de fome.
Mesmo na filosofia séria, a desconfiança sobre as formas
organizadas de política passa a dar a tônica, com as filosofias
irracionalistas, que negam qualquer forma de organização (e mesmo
de filosofia, como um retorno à frase hegeliana de que chegamos ao
fim da história, assim também a filosofia chega a seu termo), ou
quando não negam a existência de uma filosofia como sistema, negam,
por sua vez, a participação organizada nos partidos e sindicatos.
A queda do muro de Wall Street e
a retomada de foco
Esta é a herança que recebemos, nosso bloco histórico.
A desconfiança total nas formas organizadas de participação
coletiva (partidos e sindicatos) e a não-participação em suas
instâncias. Um grosseiro individualismo e um discurso ético que não
sai do individual para o coletivo e sua necessária implicação
política, constatada como essencial desde Aristóteles e sua defesa
do homem como animal essencialmente político. A queda da bolsa de
Wall Street todavia, balança este primado do individual sobre o
coletivo.
Fukuyama e os Chicago Boys, e todo seu ideário entraram
em colapso, por conta disto, o “Fim da História” já não é
mais uma tese hegemônica ou mesmo que seja defendida. O surgimento
também de um bloco de países latino-americanos que conseguem
recuperar suas economias na contramão daquilo que pregava o
neo-liberalismo, através da solidariedade e da participação ativa
dos povos, em contradição com os princípios individualistas e
privatistas, cria uma alternativa a esta hegemonia político-cultural,
abre passagem a criação de um novo bloco histórico, que visa
estabelecer um novo processo sócio-metabólico.
Os sindicatos brasileiros todos, por exemplo, durante o
Governo Lula conseguiram, de maneira organizada, aumentos acima da
inflação. E, embora não tenhamos a participação política ainda
nos níveis das décadas passadas, se vê uma tímida retomada da
organização e da luta.
A embriaguez pseudo ética da
direita
Toda a longa explicação anterior serve para tentar
entender este fenômeno chamado de embriaguez pseudo ético da
direita e porque ele consegue atrair pessoas que por vários motivos
nunca quiseram participar da organização política e da luta seja
em partidos, seja em sindicatos. Em primeiro lugar o discurso “ético”
atrai.
A ética é usada neste momento como falácia de
autoridade e destrói preliminarmente qualquer um que queira se
antagonizar aos movimentos estilo cansei, ou moralismos de direita ou
de extrema esquerda que se apresentam como opção para “limpar o
Brasil”. Ora, pensemos no seguinte silogismo.
Premissa maior: Todo homem justo é ético e defende
propostas éticas.
Premissa menor: Nosso movimento de limpeza do Brasil
apresenta uma proposta ética.
Conclusão inevitável: Logo, eu como homem justo tenho
que defender o movimento “x”, se não serei um canalha.
Preso neste silogismo, a discussão deixa de ser ad
argumentum e passa a ser ad hominem. Todo aquele que se opõe aos
movimentos messiânicos, estilo UDENISTAS ou é canalha ou é
ignorante.
O problema está na premissa menor, que é um axioma que
não foi provado.
São estes movimentos de limpeza do país éticos? Como
se erigem os movimentos de “limpeza”, de “luta contra a
corrupção” a uma espécie de a priori kantiano, eles não
precisam de prova ou debate. Todos estes movimentos passam, de
antemão a serem “éticos”, “justos”, e todos aqueles que se
rebelam contra eles passam a automaticamente representar a corrupção
e a bandalheira.
Há dois problemas aí. Como nenhum destes movimentos
consegue realmente fazer um debate real da ética destituída da
política (a ética só pode existir em sua plena acepção no mundo
da pólis, ela só pode ser entendida dentro da torção política),
como eles viram às costas para a política e não tem objetivos
estruturais políticos definidos, todos descambam para movimentos
puristas, messiânicos e que tendem ou à extrema esquerda, ou à
extrema direita. E isto tem uma razão de ser. Da mesma maneira que a
derrota do Bloco Socialista na década de 90 levou à derrocada da
discussão política e à embriaguez ética, a Construção de um
Bloco Anti-hegemônico no Continente Sul Americano e caminhando para
a construção de um Bloco Anti-hegemônico no Continente
Latino-americano, retirou da direita qualquer projeto sólido de
oposição ao projeto de Centro-esquerda no Continente
Latino-americano. Boa parte da extrema-esquerda, presos a esquemas
políticos fracassados, embarca na mesma canoa furada para tentar uma
sobrevida, já que não tem nenhum projeto concreto alternativo ao
neo-liberalismo, ou a este novo Bloco de Centro-esquerda.
Em resumo, o debate “pseudo-ético” surge como UMA
CONSTRUÇÃO DE DIREITA, uma falsa alternativa, para não discutir os
problemas estruturais de cada país, mas para criar uma ilusão de
alternativa, situando no mundo da pureza a política e transformando
a disputa de projetos numa disputa de quem é mais puro e ou casto.
Conte-Sponville coloca bem claramente que política é o espaço da
disputa e do conflito, o discurso pseudo ético quer fazer da
política o espaço da santidade, que Conte-Sponville, mesmo sendo
ateu, relaciona ao espaço puramente religioso, naquela parte das
religiões que não fazem a disputa na área da política, como na
busca da elevação espiritual nos monastérios e ou na caridade.
Efetivamente, de outro lado, é fundamental frisar, que
os adversários deste discurso falso ético não estão contra a
ética na política nem são a-morais. Simplesmente sabem que por
trás da falsa discussão ética se escondem movimentos
ultra-reacionários ou aliados de extrema-esquerda que em lugar de
tentarem discutir as estruturas que possibilitam a existência da
corrupção e do desvio, apenas denunciam o galho sem querer podar a
árvore. Querer “capitalismo ético” é a mesma coisa que desejar
que os lobos passem a ser pastores de ovelhas. Discutir, por exemplo,
corrupção em campanha eleitoral não é fazer parte de um
espetáculo circense auto-denominado “mensalão” (a maior farsa
Jurídico-político da história do Brasil, Caso Dreyfuss, Incêncio
do Reichstag Brasileiro), mas discutir a necessidade imperiosa de se
ter eleições limpas, através do financiamento público de
campanha. No Brasil, com financiamento privado de campanha o grande
problema não é o dinheiro não declarado, ou o chamado “caixa 2”,
é uma falsa questão ética, já que o dinheiro declarado, este já
é sujo em sua essência, já que o financiamento eleitoral privado é
feito por bancos, latifúndios, empresas de saúde privada, empresas
de seguro de previdência, empresas de ônibus. Desviar a discussão
para o “caixa 2” e a farsa do mensalão é deixar intocada a
estrutura eleitoral que elege 300 das 500 campanhas mais caras, todas
pagas pelas grandes empresas privadas que comandam o Brasil. Desviar
a discussão ética da discussão estrutural política de mudanças
profundas no Brasil, que dependem fundamentalmente, por exemplo da
reforma política, é fazer o jogo da direita mais conservadora, que
efetivamente quer reduzir a ética a um jogo jurídico de “culpados”
e “inocentes”, sem tocar na estrutura corrupta em si do sistema.
Os movimentos estilo “Cansei”,
ou moralistas de extrema-esquerda de candidatos “puros” não são
éticos por sua natureza
Estes movimentos messiânicos de extrema direita ou de
extrema esquerda não são éticos por natureza. Isto acontece quando
questões políticas, como a discussão da reforma eleitoral urgente,
com financiamento público de campanha, ou Reforma do Judiciário,
com a democratização do STF, são desviadas do seu curso natural,
que é a livre discussão política. Estes movimentos pseudo éticos
são apenas a reação da extrema direita e da extrema esquerda à
perda de representatividade política dentro da sociedade brasileira
e a falta de projetos factíveis para a sociedade. Livre do
pré-conceito, da falácia de autoridade dos antagonistas ao novo
Bloco Histórico que emerge na América Latina, é que só podem se
posicionar como neo-bobos pseudo-éticos, na falta de qualquer
projeto político, é necessário dizer que não há santos na
política, nem de um lado, nem do outro. Isto não nos leva ao
discurso contrário, ou que querem nos enfiar goela a dentro que
“político é tudo igual”, ou que todos os políticos são
desonestos, Corolário necessário dos movimentos puristas,
messiânicos e pseudo-éticos, que acabam reduzidos à sacralização
de figuras como Joaquim Barbosa ou Marcelo Freixo, e nem é objetivo
deste texto discutir a pureza ou a santidade destas figuras. Apenas
deixar claro, que àqueles que se opõem ao projeto neo-udenista
frisam que o problema fundamentel do Brasil não é a “honestidade”,
até porque não há paquímetro para se ficar medindo
individualmente a honestidade de ninguém, honestidade é o MÍNIMO
QUE SE DEVE COBRAR DE UM POLÍTICO, SEMPRE, mas não se deve elegê-lo
simplesmente porque ele é honesto. NUNCA SE DEVE ELEGER UM POLÍTICO
CORRUPTO, isto é um axioma que defendemos, e o Bloco Histórico
Anti-hegemônico que se construiu na América Latina deve ser o mais
ético possível, mas a discussão que devemos levar para as urnas é
outra: REFORMA AGRÁRIA, AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA, SOBERANIA
NACIONAL, REESTATIZAÇÃO DO PETRÓLEO, SAÚDE E EDUCAÇÃO PÚBLICA
DE QUALIDADE PARA TODOS, REFORMA URBANA, REFORMA POLÍTICA COM
FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHAS. Alguém notou que todas estas
propostas, que abrangem menos de 1/10 de tudo que devemos defender
são propostas puramente POLÍTICAS? Que existem e podem existir
dezenas, talvez centenas de candidatos reacionários, de direita, ou
de extrema-esquerda sem proposta MAS HONESTOS? A disputa política
não é a disputa de quem é mais santo, não é uma disputa
messiânica de nomes, mas uma disputa de projetos políticos. Nesta
disputa a ética deve permear as nossas candidaturas, mas o projeto é
em sua essência POLÍTICO. A disputa não é em torno de quem é ou
quem não é corrupto, até porque, muitos dos paladinos da
moralidade, à direita e à esquerda, são corruptos até a medula
óssea, mas sim, que projeto pode mudar a estrutura do BRASIL,
INVIABILIZANDO INCLUSIVE, ESTRUTURALMENTE, A CORRUPÇÃO. Ou alguém
é capaz de negar os avanços feitos em transparência nos Governos
Lula e Dilma? O Brasil não está mais corrupto que antes, a cobrança
da sociedade que está mais organizada é maior, e os mecanismos de
transparência são melhores, viabilizando denúncias e investigações
que antes eram represadas e ou engavetadas.
Todavia, há a corrupção LEGALIZADA, que começa pelo
financiamento privado de campanha, LEGAL, PORTANTO “ÉTICO”,
continua nos grandes llobies de bancos, latifúndios, bancada
evangélica e católica conservadora, empresas de saúde, tudo LEGAL
E PORTANTO, na falsa ética UDENISTA, seriam “ÉTICOS”, porque
não quebram nenhuma regra legal. Colocar a ética no respeito a
leis, leis estas conservadoras e mantenedoras do Status quo reduz a
ética ao papel calhorda de justificação do sistema. A ética é
algo bem maior do que isto e se situa no espaço de disputa de uma
nova sociedade. Que ETHOS, que projeto de novos homens, de novo bloco
histórico e de novos agentes coletivos necessitamos para mudar o
Brasil? Esta uma verdadeira discussão ética, que inclusive tem de
enfrentar a questão da ruptura com atitudes subversivas em política
e que vão para além da legalidade institucional e burguesa. No
campo meramente legal da ética do bom mocismo ocupar latifúndios
para se fazer reforma agrária é ou não ético? Com certeza, para o
campo conservador do Cansei isto não seria ético, para quem quer
mudar ou transformar a viabilização e inclusive o financiamento do
movimento de luta pela terra no campo é em essência ético, tendo
que necessariamente ultrapassar os marcos legais impostos a nós pelo
capitalismo.
Frisamos, como conclusão, que o fato de Isto todavia
não leva à conclusão inversa, bem, se não há santos, então, há
canalhas. Nada disto. O mundo não é habitado por santos e se o é,
eles devem discutir o mundo espiritual, o futuro em uma outra vida
provável, e não a estrutura política do Brasil. Esta é apenas uma
discussão política.
Destituída de sua auréola de santidade, a discussão
passa a ser apenas e tão somente dos projetos em luta no Brasil. Eu,
politicamente (e não eticamente, esta não é uma discussão ética)
estou convencido de que o atual projeto que governa o Brasil é
progressista, porque potencialmente anti-hegemônico e fez mudanças
estruturais importantíssimas. Isto sem preconceito ou ataques ad
homines, mas defendo até o fim o direito de os companheiros
defenderem o contrário, sem este argumento falacioso que a questão
principal do Brasil é ética. Na premissa falaciosa colocada é
exatamente isto que precisa ser provado!
Na verdade, quem defende estes movimentos messiânicos,
de direita ou de esquerda, os defende por motivação puramente
política, mas necessita usar do discurso ético, já que vimos que
é um discurso que está em voga na atual falta de politização da
sociedade e na falta de um projeto definido tanto pela direita,
quanto pela extrema esquerda messiânica.
Por que os movimentos
pseudo-éticos cativam a imaginação da classe média despolitizada?
Somos uma geração pós-revolucionária. Não pela
ditadura militar de 64, que não foi uma revolução, mas por sermos
a geração pós Maio de 68, pós Woodstook, pílula e Revolução
Sexual e, por outro lado, fomos educados no pós-ditadura, com o medo
de nossos pais, e na “ética” do individualismo.
Os sindicatos e partidos políticos sobrevivem e lutam,
em meio a uma onda de descrença. Participar de um sindicato ou
partido político é remar contra a maré. É retomar o discurso
político contra o discurso individualista, então, o preconceito, a
visão deturpada do que seja o político e o sindicato grassam no
senso-comum.
No discurso pseudo-ético, a política é a terra da
desonestidade, as formas de organização política são más e não
há escape para quem participa nelas. Ora, qualquer forma de
organização que se faça à margem dos sindicatos, partidos
políticos e seus “complicados” ritos democráticos (assembleias,
plenárias, congressos, discussões exaustivas) fará um relativo
sucesso.
Imagine então, um movimento que ataca a forma de
organização política, que promove o rebaixamento da política a
uma discussão de quem é honesto ou desonesto, a uma busca de um
purismo episcopal não participativo. É tudo que esta geração
aprendeu, não participar, não se organizar, não ter compromisso,
não ser coletivo.
Por que o desgaste de um piquete ou de uma passeata? Por
que o esforço de uma organização política permanente na qual se
perdem preciosas horas da vida? Por que se organizar e perder horas
preciosas de fala tentando convencer e ser convencido, quando há uma
série de diversões e entretenimentos individuais julgados por
muitos como mais importantes?
Parte-se de um a-priori “ético” e se atacam todas
as formas verdadeiras formas democráticas de participação política
real em sindicatos e partidos políticos. Assim, uma manifestação
com vassourinhas para cima, de um punhado de gente da classe média
vale mais que a vontade popular de milhões depositada nas urnas, num
projeto de mudança lento e necessário, simbolizado pelos dois
últimos governos, Lula e Dilma, representantes no Brasil do bloco
anti-hegemônico latino-americano.
A histeria coletiva do mensalão
e a catarse do STF
Entendendo este caldo de cultura, é possível
vislumbrar porque o espetáculo pífio do mensalão consiga relativo
sucesso entre a classe média desorganizada. Primeiro, a classe média
não se vê neste Governo. A classe média sente-se lograda, mas não
sabe bem porque. As camadas médias sempre foram aquelas espremidas
entre a burguesia e o proletariado, todo o Governo que governe para
as camadas proletárias e semi-proletárias sempre causa
desconfiança, as vezes pavor na classe média. É importantíssimo
vislumbrar que todas as ditaduras nazistas, fascistas,
proto-fascistas se apoiaram na Classe Média. O Nazismo foi um
movimento de massas da Classe Média e do Lumpen Proletariado, o
proletariado sempre foi o único inimigo de verdade no nazismo na
Alemanha e nunca foi ganho de verdade para o movimento nazi-fascista.
Todas as ditaduras militares da América Latina tiveram sua base na
Classe Média. O Golpe de Pinochet contra Allende, a Marcha da
Família com Deus e a Propriedade e a TFP no Brasil, o Milagre
Econômico, sempre tiveram apoio político ideológico da classe
média.
A Classe Média não se vê neste Governo, mesmo que
este Governo não a prejudique. Ainda que o Governo Dilma tenha 77%
de popularidade, ele nunca terá a confiança e o apoio resoluto da
classe média, prova disto é o mapa de votação das últimas
eleições. Marx dizia que a classe média só assume posições
proletárias quando está em vias de se proletarizar, e na luta de
classes tem posicionamento ambíguo, morrendo de medo de virar
proletário, mas ao mesmo tempo tendo que se defender da exploração
da burguesia. As políticas compensatórias e igualitárias dos
Governos PeTistas não tem nem ressonância nem apoio da Classe
Média. O aumento do salário mínimo de 70 dólares para 350 dólares
mexeu com a estrutura feudal das famílias de classe média
brasileira. O espetáculo das mucamas a serviço da classe média,
com salários de fome foi ameaçado,a exigência de direitos às
trabalhadoras e trabalhadores domésticos é uma opção de classe
que não pode ser ignorado. A classe média sentiu no bolso e na
perda do status quo. O trabalho de mucama privativa está em vias de
extinção, é há que se profissionalizar o setor doméstico, com
creches e outros serviços de atenção à casa para que este seja
viável, a classe média nunca perdoou o Governo por isto.
Além destas políticas, uma outra série de políticas
que mexe com a estrutura patriarcal e racista da pirâmide
brasileira, como a distribuição de renda através do Bolsa Família,
Brasil Carinhoso, o Pro-Uni e a política de quotas raciais, que
dobrou o número de negros nas universidades públicas brasileiras e
dobrou o número de estudantes pobres nas universidades, ameaça a
hegemonia censitária que estava ligada ao acesso privilegiado de
poucos à informação. Pode ser políticas que, à primeira vista,
não impactam à classe média, mas que efetivamente são as
políticas que a classe média mais ataca e ridiculariza. Bergson já
dizia que o humor é uma forma de censura social. Atacar estas
políticas com deboche e histeria é a forma que a classe média sem
propostas e minoritária nas urnas tem para se vingar da sua perda de
representatividade política com o protagonismo das camadas
proletárias e subproletárias representada no projeto do PT. Não é
pouco pensar que um exército de mucamas e serviçais que vendiam a
troco de banana seus serviços para a classe média tiveram uma
grandiosa valorização com a política de salário mínimo, fazendo
com que o Brasil se pareça menos com o país das capitanias
hereditárias e comece a construir uma pirâmide social mais justa,
mas parecida com países de capitalismo moderno. É claro que não
acabamos com a pobreza ou com a injustiça social, mas o pouco que
foi feito já mexeu com os brios de uma classe média que sempre se
sentiu “privilegiada” pelo acesso privativo a uma série de
serviços baratos, às custas da miséria de um grande setor
proletário e subproletário. Estes serviços foram inflacionados
pela política de salário mínimo (não à toa a inflação da
classe média que consome serviços foi maior que inflação do
proletariado) e a elevação do nível de vida fez que o acesso a
bens de consumo deixasse de ser uma marca distintiva de classe.
Isto leva a um sentimento de impotência política e de
perda de valor de classe, que se expressa no sentimento de que este
Governo não é nosso, da Classe Média. Junto a este caldo de
cultura, a ideologia grosseira de uma mídia brasileira completamente
controlada pela direita, das TVs e Rádios, às grandes revistas e
jornalões. Derrotada na urna, a elite brasileira se reagrupa não
como partido político tradicional, mas na produção política da
grande imprensa que forja uma grande farsa midiática para barrar o
projeto de mudanças do primeiro Governo Lula, o mensalão. Diante da
resistência e reação popular, a tentativa de Golpe branco fracassa
em seus princípios, mas se mantém, como sombra, como uma espécie
de catarse coletiva contra um Governo que não é da elite, nem da
classe média.
TODOS SÃO CULPADOS A MENOS QUE SE PROVEM O CONTRÁRIO
Para finalizar, não vou entrar numa análise detalhada
do mensalão, não sou jurista, minha área é a ética, a filosofia
e a política. Mas definitivamente o mensalão foi uma catarse da
direita, da elite, contra o projeto vitorioso do bloco
anti-hegemônico de Centro-esquerda no Brasil. Não vou entrar na
análise de se o PT perdeu ou não seu viés ético, ou se igualou
aos outros partidos no poder. Esta análise levaria a uma minudência
de fatos que foge ao objeto deste ensaio, ainda que os números não
provem que o PT seja o Partido mais corrupto do Brasil, pelo
contrário, pelos números absolutos e percentuais dos políticos
barrados pela lei da Ficha Limpa, o PT seria um dos partidos mais
éticos do Brasil. Quero entrar no cerne da histeria coletiva chamada
“mensalão”.
Bons e grandes amigos meus se desesperam quando eu digo,
alto bom som “nunca existiu mensalão”. Os argumentos viram
argumentos ad hominem: “Você acredita na honestidade de Sívinho
Land Rover?”. “Você acredita na honestidade de Delúbio Soares”?
Nunca entro neste debate, até porque o STF não estava julgando a
honestidade, ou o grau de honestidade de nenhum dos réus. A nenhum
tribunal é dado fazer isto, apenas a tribunais de exceção, como os
da Alemanha Nazista, ou os dos famosos Julgamentos de Moscou, nas
quais as pessoas eram julgadas de acordo com seu grau de culpa
perante o “Estado”. O STF julgou uma tese e julgou de forma
política e sem provas. Desde o Procurador Geral da República, que
diz, sem nem ficar com vergonha: “provas não existem, porque
quadrilha não deixa provas”, até os votos dos relatores e
ministros.
Ficou claro, como na inquisição, que o importante era
condenar, com ou sem provas, porque era necessário demonizar os
réus. Algumas falas foram paradigmáticas e demonstram ao grau de
loucura coletiva que o julgamento político pode levar uma corte de
um partido em pleno Estado Democrático de Direito (perdoam-se juízes
de países de Estados com ditaduras, porque estes na verdade, muitas
vezes, querem manter sua própria integridade física) a insculpir
pérolas como: Ministra Carmem Lúcia: “Fala-se houve caixa 2 como
se caixa 2 não fosse crime”, sim, é crime, mas crime que não
estava sendo julgado e que o STF, como tribunal que defende a reserva
legal, só julgar os réus pelo crime que estão sendo acusados, não
podia, sem ferir de morte a legitimidade do Supremo, atacar, ou seja,
os réus seriam acusados pelos crimes pelos quais não foram
pronunciados. Ou do nada saudoso Ministro Ayres Britto, que falou de
teoria da conspiração: “O mensalão é um projeto do PT para se
perpetuar no poder”. Primeiro, falta provar o essencial, e que não
foi provado neste caso Dreyfuss e incêndio do Reichstagg brasileiro,
o de que houve mensalão, segundo, construir esta hipótese, a de que
o mensalão é um “projeto de perpetuamento político” é pura
conjectura política que foge da alçada de um Ministro de um
tribunal democrático.f
Assim, com um Tribunal que julgou réus por crimes que
não cometeram (se cometeram outros possíveis crimes que sejam
pronunciados por estes e julgados nos tribunais competentes), com uma
mídia querendo um projeto para a direita e uma desforra, e com uma
classe mídia sedenta de fazer uma catarse contra um Governo que ela
pensa que não a representa, ainda que a estabilidade econômica e a
queda de juros atinjam toda a sociedade, o mensalão é o ápice da
falta d proposta politica, de engajamento, de despolitização de um
sociedade.
A catarse histérica da direita e da classe média
derrotada nas urnas e tem o mesmo significado pífio e apagado dos
juízes dos ministros que ao fazerem uma condenação inquisitorial
inscreveram seus nomes na calçada da fama dos tribunais de exceção.
Meus amigos de classe média sempre me perguntam,
afinal, você acha que eles são inocentes? Eu sempre respondo, não
sou eu que tenho que provar a inocência de ninguém, peço a meus
amigos bem intencionados, mas histéricos, que me tragam alguma prova
real da culpa de quem foi julgado politicamente para dar um discurso
a uma direita que perdeu o discurso e o projeto político no Brasil
e que é apoiada por uma extrema-esquerda, tão histérica quanto a
classe média que na verdade compõe seus quadros.
A embriaguez ética da direita e da extrema esquerda
A embriaguez ética da direita e da extrema esquerda
Não se entende a classe média, a mídia, a direita e seu discurso
"moral" e "ético" sem entender o nosso tempo.
André Comte Sponvile, filósofo francês chama a atenção para a
mudança de paradigma nesta geração. Se antes havia o primado da
política; e a moral e a ética ficavam em segundo plano, hoje, neste
bloco histórico (conceito gramsciano da relação entra as
estruturas [econômicas e
políticas] e
superestruturas [pensamento]) hodierno, contemporâneo, fica claro a
prevalência do discurso “ético”, “moral”, em detrimento da
política.
1968 – O ano que não
terminou
Para entendermos este primado da “ética”, temos que primeiro
entender a geração imediatamente anterior a nossa, a da década de
60 e seus ideais, cujos representantes, em sua maioria estão vivos,
mas cujos ideias estão fora de voga. A década de 60 foi a década
das grandes revoluções do pós-guerra: Maio de 68 Francês,
Woodstook, Revolução Cubana. Parecia que o mundo caminhava para uma
outra sociedade, e o discurso era ou “imoral” ou “amoral”. A
fenomenologia, o estruturalismo colocavam a verdade no discurso e a
moral não passava de um preconceito pequeno-burguês, o casal da
moda, Sartre, Simone de Beauvoir, com seu casamento aberto, parecido
com o livro “As ligações perigosas”, era a antítese total à
família, ao casamento pequeno-burguês, à moral monogâmica. Atacar
a moral burguesa ou pequeno-burguesa seria optar por um imoralismo ou
por um amoralismo, trocar a moral de nossos pais por moral nenhuma. A
sociedade parecia que seria solapada em seus alicerces, a monogamia,
o casamento foram desvalorizados. Foi a época da pílula, do
divórcio, da libertação sexual das mulheres, da queima dos sutiãs
em praça pública. Woodstook e a ideologia hippie revivescendo a
filosofia de Wilhelm Reich pregavam o amor de todos para todos e o
sexo livre. A Revolução Mundial parecia próxima e os jovens
queriam organizar sovietes ou sociedades hippies em todos os países.
O experimentalismo, seja no sexo, na política, nas drogas era a
palavra de ordem.
Mas, como todo movimento, dialético em sua estrutura, fica a marca
da permanência em tudo que é revolucionado. O Maio Parisiense
parecia ter ruído junto com o Muro de Berlim. A revolução sexual é
irreversível mas seus excessos foram limitados pela epidemia de AIDS
e valores antigos como a monogamia e o casamento foram retomados,
fora uma forte reação conservadora em boa parte do mundo,
valorizando todos os ritos monogâmicos, o experimentalismo sexual da
juventude, se não foi limitado, deixou de ser uma ideologia. Para a
juventude, militar ou pertencer a um partido passou a ser algo de
somenos importância, ou melhor, fora de moda. No Brasil e quase toda
a América Latina, a Longa Noite, a Ditadura Militar, juntou a
desesperança dos ideais socialistas ao medo e a geração crescida
nas décadas de 80 cantava que era a Geração Coca-Cola, que eram
inúteis e que não sabiam escolher presidente. Que não tinha (como
dito na voz de um dos grandes poetas da Geração 80, Cazuza)
Ideologia para viver, já que as ilusões estavam todas perdidas.
A Década Neo-Liberal
A derrota do chamado Bloco Socialista e de todo o movimento social
internacional na década de 90 foi tão profunda, que mudou
paradigmas. A década de 90 foi a década de ascensão dos Yuppies e
da ideologia neo-liberal. Fogosamente, diante da derrocada do
Socialismo Real o mundo foi tomado por uma epidemia de valorização
do indivíduo, não no sentido humanista, mas no pior dos sentidos,
no sentido egóico da satisfação dos desejos de consumo alido a um
id paranóico e a lei da selva do todos contra todos. Na década de
90, ideologicamente, o mundo é vendido como uma selva, com a lei do
mais forte prevalecendo. O desemprego brutal, em massa, coloca os
sindicatos todos na defensiva e lutando só contra a perda do
emprego, quando não vendidos à lógica do capitalismo e apoiando o
neo-liberalismo. As privatizações fazem a apologia do lucro e a
juventude, em sua grande maioria, passa a ter ojeriza em se organizar
em partidos e sindicatos. Começa a se construir um discurso pseudo
ético, no qual o ser humano é rebaixado a consumidor e se inaugura
uma “ética empresarial”.
Como relata Comte Sponvile, não existe ética empresarial, a empresa
não tem ética, ela quer é lucro, maximizar oportunidades e extrair
o máximo de mais valia. A chamada “ética” empresarial, da qual
o mundo está farto, não passa, no fundo, de uma imagem de
confiabilidade da empresa para o consumidor da qual ele depende e,
com isto, conseguir a fidelização do cliente e o máximo do lucro
durante o maior período de tempo possível. O zênite desta “ética”
pululou nos livros de autoajuda que louvam o “empreendedorismo” e
o individualismo mais grosseiro e selvagem, transformando o “homem
no lobo do próprio homem” e nada mais. A ética do vencedor, que
justifica a pobreza na “competência do mais forte” e na “pobreza
espiritual” dos menos capazes. A mídia vende a ilusão do
“desemprego estrutural”, informando, no meio da crise, recessão
e postos de trabalho que “empregos existem”, os trabalhadores é
que não tem competência e formação para ascender a eles, como se
formação no capitalismo não fosse uma questão de investimento,
algo inacessível para quem está morrendo de fome.
Mesmo na filosofia séria, a desconfiança sobre as formas
organizadas de política passa a dar a tônica, com as filosofias
irracionalistas, que negam qualquer forma de organização (e mesmo
de filosofia, como um retorno à frase hegeliana de que chegamos ao
fim da história, assim também a filosofia chega a seu termo), ou
quando não negam a existência de uma filosofia como sistema, negam,
por sua vez, a participação organizada nos partidos e sindicatos.
A queda do muro de Wall Street e
a retomada de foco
Esta é a herança que recebemos, nosso bloco histórico.
A desconfiança total nas formas organizadas de participação
coletiva (partidos e sindicatos) e a não-participação em suas
instâncias. Um grosseiro individualismo e um discurso ético que não
sai do individual para o coletivo e sua necessária implicação
política, constatada como essencial desde Aristóteles e sua defesa
do homem como animal essencialmente político. A queda da bolsa de
Wall Street todavia, balança este primado do individual sobre o
coletivo.
Fukuyama e os Chicago Boys, e todo seu ideário entraram
em colapso, por conta disto, o “Fim da História” já não é
mais uma tese hegemônica ou mesmo que seja defendida. O surgimento
também de um bloco de países latino-americanos que conseguem
recuperar suas economias na contramão daquilo que pregava o
neo-liberalismo, através da solidariedade e da participação ativa
dos povos, em contradição com os princípios individualistas e
privatistas, cria uma alternativa a esta hegemonia político-cultural,
abre passagem a criação de um novo bloco histórico, que visa
estabelecer um novo processo sócio-metabólico.
Os sindicatos brasileiros todos, por exemplo, durante o
Governo Lula conseguiram, de maneira organizada, aumentos acima da
inflação. E, embora não tenhamos a participação política ainda
nos níveis das décadas passadas, se vê uma tímida retomada da
organização e da luta.
A embriaguez pseudo ética da
direita
Toda a longa explicação anterior serve para tentar
entender este fenômeno chamado de embriaguez pseudo ético da
direita e porque ele consegue atrair pessoas que por vários motivos
nunca quiseram participar da organização política e da luta seja
em partidos, seja em sindicatos. Em primeiro lugar o discurso “ético”
atrai.
A ética é usada neste momento como falácia de
autoridade e destrói preliminarmente qualquer um que queira se
antagonizar aos movimentos estilo cansei, ou moralismos de direita ou
de extrema esquerda que se apresentam como opção para “limpar o
Brasil”. Ora, pensemos no seguinte silogismo.
Premissa maior: Todo homem justo é ético e defende
propostas éticas.
Premissa menor: Nosso movimento de limpeza do Brasil
apresenta uma proposta ética.
Conclusão inevitável: Logo, eu como homem justo tenho
que defender o movimento “x”, se não serei um canalha.
Preso neste silogismo, a discussão deixa de ser ad
argumentum e passa a ser ad hominem. Todo aquele que se opõe aos
movimentos messiânicos, estilo UDENISTAS ou é canalha ou é
ignorante.
O problema está na premissa menor, que é um axioma que
não foi provado.
São estes movimentos de limpeza do país éticos? Como
se erigem os movimentos de “limpeza”, de “luta contra a
corrupção” a uma espécie de a priori kantiano, eles não
precisam de prova ou debate. Todos estes movimentos passam, de
antemão a serem “éticos”, “justos”, e todos aqueles que se
rebelam contra eles passam a automaticamente representar a corrupção
e a bandalheira.
Há dois problemas aí. Como nenhum destes movimentos
consegue realmente fazer um debate real da ética destituída da
política (a ética só pode existir em sua plena acepção no mundo
da pólis, ela só pode ser entendida dentro da torção política),
como eles viram às costas para a política e não tem objetivos
estruturais políticos definidos, todos descambam para movimentos
puristas, messiânicos e que tendem ou à extrema esquerda, ou à
extrema direita. E isto tem uma razão de ser. Da mesma maneira que a
derrota do Bloco Socialista na década de 90 levou à derrocada da
discussão política e à embriaguez ética, a Construção de um
Bloco Anti-hegemônico no Continente Sul Americano e caminhando para
a construção de um Bloco Anti-hegemônico no Continente
Latino-americano, retirou da direita qualquer projeto sólido de
oposição ao projeto de Centro-esquerda no Continente
Latino-americano. Boa parte da extrema-esquerda, presos a esquemas
políticos fracassados, embarca na mesma canoa furada para tentar uma
sobrevida, já que não tem nenhum projeto concreto alternativo ao
neo-liberalismo, ou a este novo Bloco de Centro-esquerda.
Em resumo, o debate “pseudo-ético” surge como UMA
CONSTRUÇÃO DE DIREITA, uma falsa alternativa, para não discutir os
problemas estruturais de cada país, mas para criar uma ilusão de
alternativa, situando no mundo da pureza a política e transformando
a disputa de projetos numa disputa de quem é mais puro e ou casto.
Conte-Sponville coloca bem claramente que política é o espaço da
disputa e do conflito, o discurso pseudo ético quer fazer da
política o espaço da santidade, que Conte-Sponville, mesmo sendo
ateu, relaciona ao espaço puramente religioso, naquela parte das
religiões que não fazem a disputa na área da política, como na
busca da elevação espiritual nos monastérios e ou na caridade.
Efetivamente, de outro lado, é fundamental frisar, que
os adversários deste discurso falso ético não estão contra a
ética na política nem são a-morais. Simplesmente sabem que por
trás da falsa discussão ética se escondem movimentos
ultra-reacionários ou aliados de extrema-esquerda que em lugar de
tentarem discutir as estruturas que possibilitam a existência da
corrupção e do desvio, apenas denunciam o galho sem querer podar a
árvore. Querer “capitalismo ético” é a mesma coisa que desejar
que os lobos passem a ser pastores de ovelhas. Discutir, por exemplo,
corrupção em campanha eleitoral não é fazer parte de um
espetáculo circense auto-denominado “mensalão” (a maior farsa
Jurídico-político da história do Brasil, Caso Dreyfuss, Incêncio
do Reichstag Brasileiro), mas discutir a necessidade imperiosa de se
ter eleições limpas, através do financiamento público de
campanha. No Brasil, com financiamento privado de campanha o grande
problema não é o dinheiro não declarado, ou o chamado “caixa 2”,
é uma falsa questão ética, já que o dinheiro declarado, este já
é sujo em sua essência, já que o financiamento eleitoral privado é
feito por bancos, latifúndios, empresas de saúde privada, empresas
de seguro de previdência, empresas de ônibus. Desviar a discussão
para o “caixa 2” e a farsa do mensalão é deixar intocada a
estrutura eleitoral que elege 300 das 500 campanhas mais caras, todas
pagas pelas grandes empresas privadas que comandam o Brasil. Desviar
a discussão ética da discussão estrutural política de mudanças
profundas no Brasil, que dependem fundamentalmente, por exemplo da
reforma política, é fazer o jogo da direita mais conservadora, que
efetivamente quer reduzir a ética a um jogo jurídico de “culpados”
e “inocentes”, sem tocar na estrutura corrupta em si do sistema.
Os movimentos estilo “Cansei”,
ou moralistas de extrema-esquerda de candidatos “puros” não são
éticos por sua natureza
Estes movimentos messiânicos de extrema direita ou de
extrema esquerda não são éticos por natureza. Isto acontece quando
questões políticas, como a discussão da reforma eleitoral urgente,
com financiamento público de campanha, ou Reforma do Judiciário,
com a democratização do STF, são desviadas do seu curso natural,
que é a livre discussão política. Estes movimentos pseudo éticos
são apenas a reação da extrema direita e da extrema esquerda à
perda de representatividade política dentro da sociedade brasileira
e a falta de projetos factíveis para a sociedade. Livre do
pré-conceito, da falácia de autoridade dos antagonistas ao novo
Bloco Histórico que emerge na América Latina, é que só podem se
posicionar como neo-bobos pseudo-éticos, na falta de qualquer
projeto político, é necessário dizer que não há santos na
política, nem de um lado, nem do outro. Isto não nos leva ao
discurso contrário, ou que querem nos enfiar goela a dentro que
“político é tudo igual”, ou que todos os políticos são
desonestos, Corolário necessário dos movimentos puristas,
messiânicos e pseudo-éticos, que acabam reduzidos à sacralização
de figuras como Joaquim Barbosa ou Marcelo Freixo, e nem é objetivo
deste texto discutir a pureza ou a santidade destas figuras. Apenas
deixar claro, que àqueles que se opõem ao projeto neo-udenista
frisam que o problema fundamentel do Brasil não é a “honestidade”,
até porque não há paquímetro para se ficar medindo
individualmente a honestidade de ninguém, honestidade é o MÍNIMO
QUE SE DEVE COBRAR DE UM POLÍTICO, SEMPRE, mas não se deve elegê-lo
simplesmente porque ele é honesto. NUNCA SE DEVE ELEGER UM POLÍTICO
CORRUPTO, isto é um axioma que defendemos, e o Bloco Histórico
Anti-hegemônico que se construiu na América Latina deve ser o mais
ético possível, mas a discussão que devemos levar para as urnas é
outra: REFORMA AGRÁRIA, AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA, SOBERANIA
NACIONAL, REESTATIZAÇÃO DO PETRÓLEO, SAÚDE E EDUCAÇÃO PÚBLICA
DE QUALIDADE PARA TODOS, REFORMA URBANA, REFORMA POLÍTICA COM
FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHAS. Alguém notou que todas estas
propostas, que abrangem menos de 1/10 de tudo que devemos defender
são propostas puramente POLÍTICAS? Que existem e podem existir
dezenas, talvez centenas de candidatos reacionários, de direita, ou
de extrema-esquerda sem proposta MAS HONESTOS? A disputa política
não é a disputa de quem é mais santo, não é uma disputa
messiânica de nomes, mas uma disputa de projetos políticos. Nesta
disputa a ética deve permear as nossas candidaturas, mas o projeto é
em sua essência POLÍTICO. A disputa não é em torno de quem é ou
quem não é corrupto, até porque, muitos dos paladinos da
moralidade, à direita e à esquerda, são corruptos até a medula
óssea, mas sim, que projeto pode mudar a estrutura do BRASIL,
INVIABILIZANDO INCLUSIVE, ESTRUTURALMENTE, A CORRUPÇÃO. Ou alguém
é capaz de negar os avanços feitos em transparência nos Governos
Lula e Dilma? O Brasil não está mais corrupto que antes, a cobrança
da sociedade que está mais organizada é maior, e os mecanismos de
transparência são melhores, viabilizando denúncias e investigações
que antes eram represadas e ou engavetadas.
Todavia, há a corrupção LEGALIZADA, que começa pelo
financiamento privado de campanha, LEGAL, PORTANTO “ÉTICO”,
continua nos grandes llobies de bancos, latifúndios, bancada
evangélica e católica conservadora, empresas de saúde, tudo LEGAL
E PORTANTO, na falsa ética UDENISTA, seriam “ÉTICOS”, porque
não quebram nenhuma regra legal. Colocar a ética no respeito a
leis, leis estas conservadoras e mantenedoras do Status quo reduz a
ética ao papel calhorda de justificação do sistema. A ética é
algo bem maior do que isto e se situa no espaço de disputa de uma
nova sociedade. Que ETHOS, que projeto de novos homens, de novo bloco
histórico e de novos agentes coletivos necessitamos para mudar o
Brasil? Esta uma verdadeira discussão ética, que inclusive tem de
enfrentar a questão da ruptura com atitudes subversivas em política
e que vão para além da legalidade institucional e burguesa. No
campo meramente legal da ética do bom mocismo ocupar latifúndios
para se fazer reforma agrária é ou não ético? Com certeza, para o
campo conservador do Cansei isto não seria ético, para quem quer
mudar ou transformar a viabilização e inclusive o financiamento do
movimento de luta pela terra no campo é em essência ético, tendo
que necessariamente ultrapassar os marcos legais impostos a nós pelo
capitalismo.
Frisamos, como conclusão, que o fato de Isto todavia
não leva à conclusão inversa, bem, se não há santos, então, há
canalhas. Nada disto. O mundo não é habitado por santos e se o é,
eles devem discutir o mundo espiritual, o futuro em uma outra vida
provável, e não a estrutura política do Brasil. Esta é apenas uma
discussão política.
Destituída de sua auréola de santidade, a discussão
passa a ser apenas e tão somente dos projetos em luta no Brasil. Eu,
politicamente (e não eticamente, esta não é uma discussão ética)
estou convencido de que o atual projeto que governa o Brasil é
progressista, porque potencialmente anti-hegemônico e fez mudanças
estruturais importantíssimas. Isto sem preconceito ou ataques ad
homines, mas defendo até o fim o direito de os companheiros
defenderem o contrário, sem este argumento falacioso que a questão
principal do Brasil é ética. Na premissa falaciosa colocada é
exatamente isto que precisa ser provado!
Na verdade, quem defende estes movimentos messiânicos,
de direita ou de esquerda, os defende por motivação puramente
política, mas necessita usar do discurso ético, já que vimos que
é um discurso que está em voga na atual falta de politização da
sociedade e na falta de um projeto definido tanto pela direita,
quanto pela extrema esquerda messiânica.
Por que os movimentos
pseudo-éticos cativam a imaginação da classe média despolitizada?
Somos uma geração pós-revolucionária. Não pela
ditadura militar de 64, que não foi uma revolução, mas por sermos
a geração pós Maio de 68, pós Woodstook, pílula e Revolução
Sexual e, por outro lado, fomos educados no pós-ditadura, com o medo
de nossos pais, e na “ética” do individualismo.
Os sindicatos e partidos políticos sobrevivem e lutam,
em meio a uma onda de descrença. Participar de um sindicato ou
partido político é remar contra a maré. É retomar o discurso
político contra o discurso individualista, então, o preconceito, a
visão deturpada do que seja o político e o sindicato grassam no
senso-comum.
No discurso pseudo-ético, a política é a terra da
desonestidade, as formas de organização política são más e não
há escape para quem participa nelas. Ora, qualquer forma de
organização que se faça à margem dos sindicatos, partidos
políticos e seus “complicados” ritos democráticos (assembleias,
plenárias, congressos, discussões exaustivas) fará um relativo
sucesso.
Imagine então, um movimento que ataca a forma de
organização política, que promove o rebaixamento da política a
uma discussão de quem é honesto ou desonesto, a uma busca de um
purismo episcopal não participativo. É tudo que esta geração
aprendeu, não participar, não se organizar, não ter compromisso,
não ser coletivo.
Por que o desgaste de um piquete ou de uma passeata? Por
que o esforço de uma organização política permanente na qual se
perdem preciosas horas da vida? Por que se organizar e perder horas
preciosas de fala tentando convencer e ser convencido, quando há uma
série de diversões e entretenimentos individuais julgados por
muitos como mais importantes?
Parte-se de um a-priori “ético” e se atacam todas
as formas verdadeiras formas democráticas de participação política
real em sindicatos e partidos políticos. Assim, uma manifestação
com vassourinhas para cima, de um punhado de gente da classe média
vale mais que a vontade popular de milhões depositada nas urnas, num
projeto de mudança lento e necessário, simbolizado pelos dois
últimos governos, Lula e Dilma, representantes no Brasil do bloco
anti-hegemônico latino-americano.
A histeria coletiva do mensalão
e a catarse do STF
Entendendo este caldo de cultura, é possível
vislumbrar porque o espetáculo pífio do mensalão consiga relativo
sucesso entre a classe média desorganizada. Primeiro, a classe média
não se vê neste Governo. A classe média sente-se lograda, mas não
sabe bem porque. As camadas médias sempre foram aquelas espremidas
entre a burguesia e o proletariado, todo o Governo que governe para
as camadas proletárias e semi-proletárias sempre causa
desconfiança, as vezes pavor na classe média. É importantíssimo
vislumbrar que todas as ditaduras nazistas, fascistas,
proto-fascistas se apoiaram na Classe Média. O Nazismo foi um
movimento de massas da Classe Média e do Lumpen Proletariado, o
proletariado sempre foi o único inimigo de verdade no nazismo na
Alemanha e nunca foi ganho de verdade para o movimento nazi-fascista.
Todas as ditaduras militares da América Latina tiveram sua base na
Classe Média. O Golpe de Pinochet contra Allende, a Marcha da
Família com Deus e a Propriedade e a TFP no Brasil, o Milagre
Econômico, sempre tiveram apoio político ideológico da classe
média.
A Classe Média não se vê neste Governo, mesmo que
este Governo não a prejudique. Ainda que o Governo Dilma tenha 77%
de popularidade, ele nunca terá a confiança e o apoio resoluto da
classe média, prova disto é o mapa de votação das últimas
eleições. Marx dizia que a classe média só assume posições
proletárias quando está em vias de se proletarizar, e na luta de
classes tem posicionamento ambíguo, morrendo de medo de virar
proletário, mas ao mesmo tempo tendo que se defender da exploração
da burguesia. As políticas compensatórias e igualitárias dos
Governos PeTistas não tem nem ressonância nem apoio da Classe
Média. O aumento do salário mínimo de 70 dólares para 350 dólares
mexeu com a estrutura feudal das famílias de classe média
brasileira. O espetáculo das mucamas a serviço da classe média,
com salários de fome foi ameaçado,a exigência de direitos às
trabalhadoras e trabalhadores domésticos é uma opção de classe
que não pode ser ignorado. A classe média sentiu no bolso e na
perda do status quo. O trabalho de mucama privativa está em vias de
extinção, é há que se profissionalizar o setor doméstico, com
creches e outros serviços de atenção à casa para que este seja
viável, a classe média nunca perdoou o Governo por isto.
Além destas políticas, uma outra série de políticas
que mexe com a estrutura patriarcal e racista da pirâmide
brasileira, como a distribuição de renda através do Bolsa Família,
Brasil Carinhoso, o Pro-Uni e a política de quotas raciais, que
dobrou o número de negros nas universidades públicas brasileiras e
dobrou o número de estudantes pobres nas universidades, ameaça a
hegemonia censitária que estava ligada ao acesso privilegiado de
poucos à informação. Pode ser políticas que, à primeira vista,
não impactam à classe média, mas que efetivamente são as
políticas que a classe média mais ataca e ridiculariza. Bergson já
dizia que o humor é uma forma de censura social. Atacar estas
políticas com deboche e histeria é a forma que a classe média sem
propostas e minoritária nas urnas tem para se vingar da sua perda de
representatividade política com o protagonismo das camadas
proletárias e subproletárias representada no projeto do PT. Não é
pouco pensar que um exército de mucamas e serviçais que vendiam a
troco de banana seus serviços para a classe média tiveram uma
grandiosa valorização com a política de salário mínimo, fazendo
com que o Brasil se pareça menos com o país das capitanias
hereditárias e comece a construir uma pirâmide social mais justa,
mas parecida com países de capitalismo moderno. É claro que não
acabamos com a pobreza ou com a injustiça social, mas o pouco que
foi feito já mexeu com os brios de uma classe média que sempre se
sentiu “privilegiada” pelo acesso privativo a uma série de
serviços baratos, às custas da miséria de um grande setor
proletário e subproletário. Estes serviços foram inflacionados
pela política de salário mínimo (não à toa a inflação da
classe média que consome serviços foi maior que inflação do
proletariado) e a elevação do nível de vida fez que o acesso a
bens de consumo deixasse de ser uma marca distintiva de classe.
Isto leva a um sentimento de impotência política e de
perda de valor de classe, que se expressa no sentimento de que este
Governo não é nosso, da Classe Média. Junto a este caldo de
cultura, a ideologia grosseira de uma mídia brasileira completamente
controlada pela direita, das TVs e Rádios, às grandes revistas e
jornalões. Derrotada na urna, a elite brasileira se reagrupa não
como partido político tradicional, mas na produção política da
grande imprensa que forja uma grande farsa midiática para barrar o
projeto de mudanças do primeiro Governo Lula, o mensalão. Diante da
resistência e reação popular, a tentativa de Golpe branco fracassa
em seus princípios, mas se mantém, como sombra, como uma espécie
de catarse coletiva contra um Governo que não é da elite, nem da
classe média.
TODOS SÃO CULPADOS A MENOS QUE SE PROVEM O CONTRÁRIO
Para finalizar, não vou entrar numa análise detalhada
do mensalão, não sou jurista, minha área é a ética, a filosofia
e a política. Mas definitivamente o mensalão foi uma catarse da
direita, da elite, contra o projeto vitorioso do bloco
anti-hegemônico de Centro-esquerda no Brasil. Não vou entrar na
análise de se o PT perdeu ou não seu viés ético, ou se igualou
aos outros partidos no poder. Esta análise levaria a uma minudência
de fatos que foge ao objeto deste ensaio, ainda que os números não
provem que o PT seja o Partido mais corrupto do Brasil, pelo
contrário, pelos números absolutos e percentuais dos políticos
barrados pela lei da Ficha Limpa, o PT seria um dos partidos mais
éticos do Brasil. Quero entrar no cerne da histeria coletiva chamada
“mensalão”.
Bons e grandes amigos meus se desesperam quando eu digo,
alto bom som “nunca existiu mensalão”. Os argumentos viram
argumentos ad hominem: “Você acredita na honestidade de Sívinho
Land Rover?”. “Você acredita na honestidade de Delúbio Soares”?
Nunca entro neste debate, até porque o STF não estava julgando a
honestidade, ou o grau de honestidade de nenhum dos réus. A nenhum
tribunal é dado fazer isto, apenas a tribunais de exceção, como os
da Alemanha Nazista, ou os dos famosos Julgamentos de Moscou, nas
quais as pessoas eram julgadas de acordo com seu grau de culpa
perante o “Estado”. O STF julgou uma tese e julgou de forma
política e sem provas. Desde o Procurador Geral da República, que
diz, sem nem ficar com vergonha: “provas não existem, porque
quadrilha não deixa provas”, até os votos dos relatores e
ministros.
Ficou claro, como na inquisição, que o importante era
condenar, com ou sem provas, porque era necessário demonizar os
réus. Algumas falas foram paradigmáticas e demonstram ao grau de
loucura coletiva que o julgamento político pode levar uma corte de
um partido em pleno Estado Democrático de Direito (perdoam-se juízes
de países de Estados com ditaduras, porque estes na verdade, muitas
vezes, querem manter sua própria integridade física) a insculpir
pérolas como: Ministra Carmem Lúcia: “Fala-se houve caixa 2 como
se caixa 2 não fosse crime”, sim, é crime, mas crime que não
estava sendo julgado e que o STF, como tribunal que defende a reserva
legal, só julgar os réus pelo crime que estão sendo acusados, não
podia, sem ferir de morte a legitimidade do Supremo, atacar, ou seja,
os réus seriam acusados pelos crimes pelos quais não foram
pronunciados. Ou do nada saudoso Ministro Ayres Britto, que falou de
teoria da conspiração: “O mensalão é um projeto do PT para se
perpetuar no poder”. Primeiro, falta provar o essencial, e que não
foi provado neste caso Dreyfuss e incêndio do Reichstagg brasileiro,
o de que houve mensalão, segundo, construir esta hipótese, a de que
o mensalão é um “projeto de perpetuamento político” é pura
conjectura política que foge da alçada de um Ministro de um
tribunal democrático.f
Assim, com um Tribunal que julgou réus por crimes que
não cometeram (se cometeram outros possíveis crimes que sejam
pronunciados por estes e julgados nos tribunais competentes), com uma
mídia querendo um projeto para a direita e uma desforra, e com uma
classe mídia sedenta de fazer uma catarse contra um Governo que ela
pensa que não a representa, ainda que a estabilidade econômica e a
queda de juros atinjam toda a sociedade, o mensalão é o ápice da
falta d proposta politica, de engajamento, de despolitização de um
sociedade.
A catarse histérica da direita e da classe média
derrotada nas urnas e tem o mesmo significado pífio e apagado dos
juízes dos ministros que ao fazerem uma condenação inquisitorial
inscreveram seus nomes na calçada da fama dos tribunais de exceção.
Meus amigos de classe média sempre me perguntam,
afinal, você acha que eles são inocentes? Eu sempre respondo, não
sou eu que tenho que provar a inocência de ninguém, peço a meus
amigos bem intencionados, mas histéricos, que me tragam alguma prova
real da culpa de quem foi julgado politicamente para dar um discurso
a uma direita que perdeu o discurso e o projeto político no Brasil
e que é apoiada por uma extrema-esquerda, tão histérica quanto a
classe média que na verdade compõe seus quadros.
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