segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Por uma poesia impura

Por uma poesia impura.

De todos os manifestos sobre poesia que li, nenhum me impressionou mais do que "Por uma poesia impura de Pablo Neruda".
Há toda uma discussão sobre a poesia de Neruda. A crítica, em parte sempre foi cruel, por conta de nunca um poeta ser tão fiel e tão personagem de sua poesia.
Neruda, passageiro autobiográfico de seu próprio sonho.
E vem as acusações e o patrulhamento. Reducionista por ser comunista, "ortodoxo", preso aos cânones do realismo soviético.
E em tudo, mais ódio do que crítica.
Neruda conseguiu estar acima até de suas próprias definições.
Antropofágico, ele confirmou a ideia de que "o homem é aquilo que come". Devorou Baudelaire, Malarmé, Joyce, T. S. Eliot, Gôngora, Quevedo, Lorca, Gabriela Mistral, Rubem Dario, Martí, Apolinaire, Victor Hugo, Bécquer...
E todos eles estiveram com ele, todo o tempo, muito mais do que Marx, muito mais do que Lênin.
É claro que uma gota de sangue caiu em sua poesia e a manchou de vermelho para sempre.
Mas quem disse que isto reduziu sua poesia?
A poesia nerudiana teve a dimensão do onírico, foi surrealista antes do movimento surrealistas, e foi existencialista, niilista, escatológico, sensual, fúnebre, sensual, lírico, e a tudo isto juntou os mineiros do chile, a Guerra Civil Espanhola, a Segunda Grande Guerra, a resistência comunista e o movimento comunista internacional.
Sem nunca reduzir sua poesia a um folhetim ideológico.
Fiel a sua própria poesia impura, sua poesia foi tudo, Stalingrado, sinos, vinho, cebola, greve, revolução.
E este manifesto que eu gostaria de ter assinado, é este tipo de poesia palpitante e viva que eu defendo como herança.

Da inutilidade da poesia

Da inutilidade da poesia
Um tosco amigo, ou seria um amigo tosco,
Disse que não gostava de poesia,
Porque a poesia era inútil. 
Tenho que, até certo ponto concordar
Em que pese o fato de que ele seja tosco
A poesia é uma inutilidade, pois a poesia é a pulsação da vida.
E a vida, a vida é uma inutilidade.
A vida não é útil, ou tem outra finalidade que não viver.
Não que eu acredite na arte pela arte
É uma ilusão ideológica tão ruim
Quanto a da arte como luta.
A poesia é arte, e é luta.
E é choro, e é dor, e é felicidade.
E é sonho, é tragédia, é eros.
É tanatos.
A poesia não é útil
Porque a vida não é utensílio
A vida é indefinível
E a poesia é vida.

Não acredito em um Deus que não saiba dançar

Não acredito em um Deus que não saiba dançar

Não acredito em um Deus que não saiba dançar
Nietzsche deu a única definição do divino.
O cosmos baila em sua sinfonia infinita
E a música, só a música, só a sinfonia dá sentido a vida.

Não há vida sem ritmo, vida é pura música.
Pulsação, batida, remelexo, requebro, êxtase.
Não acredito em um Deus que não saiba dançar.
E se ele sambar então, estará um escala acima na teogonia.

Pó de estrela

Pó de estrelas

Não tenho posses, minhas posses são o mundo.
O mundo com sua escatologia.
Morte, dor, injustiça, descalabro.
Somos pó, nada mais que barro e pó.
Minúsculas partículas de pó de estrela vivente
Sensíveis, angustiadas de eros e tanatos.
Não tenho ilusões. Não vou ao céu
Nem acredito num inferno que não seja o mundo
A dor, a injustiça, a fome, a ingratidão, a solidão.
Não há outro inferno que não o agora
E o sentido de que um dia, pó de estrelas
Devolveremos as partículas que roubamos para viver.