Página de textos literários, políticos e filosóficos do escritor Roberto Ponciano. Aqui é como se fosse minha casa, onde recebo meus amigos com café quente ou cerveja, dependendo do gosto.
sábado, 4 de abril de 2015
Balbúrdia das letras: Jesus não era da bancada da bala
Balbúrdia das letras: Jesus não era da bancada da bala: Jesus não era da bancada da bala – Roberto Ponciano 1 Preliminarmente, ao começar este ensaio filosófico, tenho que explicar porque...
Jesus não era da bancada da bala
Jesus não era da bancada da bala – Roberto Ponciano1
Preliminarmente, ao começar
este ensaio filosófico, tenho que explicar porque um filósofo e
professor de filosofia, agnóstico, escreve um artigo sobre Jesus
Cristo, neste caso o Jesus histórico fundador de uma Verdade
Universal (como diria Badiou), e que inaugura todo um novo tempo de
especulação sobre o homem, a partir de conceitos, muitos deles
advindos do ecletismo grego. Há dois motivos, o primeiro, é
combater a crescente redução da filosofia cristã a um arremedo
conservador, criado por alguns panegiristas da “religião da
prosperidade”, um misto de obscurantismo reacionário a la
Torquemeda; e que parece brotar continuadamente da Klu Klux Klan ou
da Opus Dei, que serve somente a seus intentos mais reacionários e
desumanos: perseguir gays, reduzir a maioridade penal, oprimir
minorias, perseguir outras crenças. O segundo objetivo é mostrar a
estreita relação entre o iluminismo da filosofia cristã, nascida
muito mais do ecletismo grego do que da reminiscência do judaísmo,
a novidade do evangelho e sua radicalidade humanista, que revogou a
lei antiga, do olho por olho, dente por dente, em nome do amor
universal. “O meu mandamento é este, que vos ameis uns aos
outros”.
Isto dito pela boca de um
agnóstico soa muito mais radical. A novidade do cristianismo, é
como vislumbra Badiou, seu radical universalismo, sua novidade, a
indistinção entre judeus e gentios, a indistinção entre ricos e
pobres, a indistinção entre “puros” e pecadores. Sua ideia de
remissão de todo os pecados e de recomeço. Como uma filosofia
radical do perdão poderia servir, de forma coerente a intentos tão
sórdidos, como o de aumentar a punição de crianças e
adolescentes? Afinal, Jesus disse: “deixai vir a mim as crianças,
porque delas é o reino dos céus”. A bancada da bala traduziu esta
parte do evangelho do grego como: “deixai vir a mim as criancinhas,
porque delas será a cadeia e a punição”.
Para isto usaremos neste
ensaio filosófico a ideia basilar e genial de Alain
Badiou, a
de que Cristo, e ainda
mais Paulo, o organizador da religião cristã (como afirma Gramsci
também em Concepção
Dialética da História),
o co-fundador da religião cristã, criaram
uma Verdade completamente nova. Vejamos
o que diz Badiou acerca de Paulo.
“É
neste ponto que convocamos São Paulo, pois sua questão é
exatamente essa. O que quer Paulo? Sem dúvida, tirar a Nova (o
Evangelho) da estrita cerca em que ela teria valor apenas para a
comunidade judaica. Mas, de toda a maneira, jamais a deixar ser
determinada pelas generalidades disponíveis, sejam elas estatais ou
ideológicas. A generalidade estatal é o juridismo romano e,
particularmente, a cidadania romana, suas condições e os direitos a
ela relacionados. Ainda que, ele próprio, um cidadão romano e feliz
por sê-lo, Paulo jamais autorizará que qualquer categoria do
direito identifique o sujeito cristão. Serão, portanto, admitidos,
sem restrição nem privilégios, os escravos, as mulheres, as
pessoas de todas as profissões e nacionalidades. Quando à
generalidade ideológica, evidentemente, é o discurso filosófico e
moral grego. Paulo organizará uma distância determinada pare este
discurso, para ele, simétrica a uma visão conservadora da lei
judaica. Em última análise, trata-se de fazer valer uma
singularidade contra as abstrações estabelecidas (jurídicas na
época, econômicas atualmente) e, ao mesmo tempo, contra a
reivindicação comunitária ou particularista.2
Para os fins deste ensaio temos que entender o que Alain Badiou está
dizendo neste parágrafo. Em primeiro lugar, é o Cristianismo uma
novidade, os Evangelhos não
são chamados de boa nova
à toa. O Cristianismo revoga
a lei antiga, tudo que for contraditória a ideia
de remissão e homem novo, provindo do Antigo Testamento, deve ser
desobedecido. Nesta direção Jesus é um revolucionário radical.
Marx dizia que o Cristianismo triunfou onde Espartaco fracassou, a
dimensão revolucionária precoce da revolução dos escravos que
ameaçava pôr por terra todo o Império Romano, sua derrota, abre
passo que a ética salvacionista e universal do cristianismo triunfe.
Nietzsche neste ponto é muito próximo de Marx, enxergando o
cristianismo como a lógica dos derrotados e humilhados. Este ensaio
não tem por fim, fazer a análise desta lógica interna, mas do
porquê de o cristianismo triunfar, onde a religião judaica e a
religião romana fracassaram. Efetivamente, não vamos fazer
abstração histórica que, depois de codificado e transformado em
religião oficial, o Cristianismo não tenha usado a força para a
conversão, mas uma questão precede, porque, quando havia tantas
religiões e tantas filosofias religiosas em disputa pôde triunfar o
Cristianismo? Neste ponto, é singular o que diz Badiou:
1. O Cristianismo não faz distinção entre homens e mulheres (a
submissão das mulheres, típica de todas as religiões orientais da
época não é o aspecto em questão agora, mas o interesse do
Cristianismo pelas almas, indistintamente do sexo, com direitos
iguais ao Reino dos Céus), patrícios ou plebeus, proprietários ou
escravos, judeus, gregos ou árabes. O universalismo do cristianismo,
num império vasto e corroído por várias revoltas internas o torna
uma religião de conversão de fácil e rápida propagação.
2. A ideia da boa nova, da remissão e do amor universais, num tempo
de declínio e fragilidade das instituições, era altamente
tentador,
Nosso ponto de inflexão aqui não
é a religião oficial posterior de Roma, mas o cristianismo como boa
nova e como filosofia, derivada do amálgama de crenças diversas que
existiam no Império neste momento (maniqueísmo, zoroastrismo,
judaísmo), e seu corolário intelectual grego, que bebe das fontes
da mais alta tradição filosófica, ceticismo, estoicismo,
epicurismo, cinismo, as transformando de filosofias para iniciados,
numa tradição legível para as massas. O Cristianismo, este
amálgama, contém elementos revolucionários e inovadores que serão
rapidamente absorvidos, em que pesem muitos dos seus usos estatais,
muitas vezes pouco condizentes com a sua filosofia. Para os fins
deste artigo, que pretende entender uma certa filosofia cristã,
dentro dos marcos em que ela foi criada (e
não o Cristianismo como
religião oficial estatal),
esta eclética mistura se alastrará como epidemia pelo Império.
Nossa
missão é entender o porquê ela pôde
se alastrar, e por que sua mensagem, até certo ponto revolucionária
e destinado aos pobres, aos deserdados, no âmago, não pode ser
restringida
aos diversos usos conservadores, inclusive o dado hoje no Brasil para
defender as políticas mais vis e reacionárias. Mesmo Nietzsche, dos
filósofos anticlericais o mais radical, sempre separou Jesus Cristo
e sua filosofia (mais próxima do Übermensch
pregado por ele) da religião
oficial. Sigamos com a definição dada por Badiou para a
universalidade do Cristianismo:
“o
caminho geral de Paulo é o seguinte: se houve um acontecimento3
e se a verdade consiste em proclamá-lo e, em seguida, ser fiel a
essa proclamação decorrem duas consequências. Primeiro, sendo a
verdade pertinente ao acontecimento, ou da ordem do que advém, ela é
singular. Não é estrutural, nem axiomática, nem legal. Nenhuma
generalidade disponível pode dar conta ou estruturar o sujeito que
se reporta a ela. Não poderia, portanto, haver uma lei da verdade.
Em seguida, sendo a verdade registrada a partir de uma declaração
de natureza subjetiva, nenhum subconjunto pré-constituído a
sustenta, nada de comunitário ou de historicamente pré-estabelecido
empresta sua substância a seu processo. A verdade é diagonal em
relação a todos os subconjuntos comunitários, ela não comporta
nenhuma identidade. Ela é oferecida a todos, ou destinada a cada um,
sem que uma condição de pertencimento possa limitar esta oferta ou
destinação”.4
Esta parte do pensamento de
Badiou é de uma incrível radicalidade, mas completamente
consentâneo com os Evangelhos. Na tradição “literalista” e
criacionista (na verdade uma leitura cristão bem recente e
irracional das escrituras), há desejos absurdos de restauração do
“reino de Israel” e retorno a passados humanos e históricos. A
radicalidade e singularidade de Cristo é a Verdade do Acontecimento
que ele inaugura. Para Badiou, uma Verdade em seu acontecimento não
pode ser capturada, temos de ser militantes desta verdade para
realizá-la e sermos fiéis a ela. A diagonalidade dos Evangelhos é
que ele está em todas as comunidades e não está em nenhuma. Não
há mais uma realização identitária por nascimento ou circuncisão.
A comunidade se dá pela boa nova e pela comunhão da crença na
ressurreição e remissão dos pecados, sendo a “lei” antiga, boa
apenas naquilo que não entre em conflito com a boa-nova. Não
compreender algo tão evidente, é simplesmente fazer uma leitura
tacanha sem nenhum sentido filosófico das escrituras. A evidência
deste novidade universal é tão radical e nova, que pode seduzir um
ateu como Badiou a escrever sobre ela para compreender sua
profundidade e difusão global. Difusão tão tamanha que
influenciará a filosofia ocidental até Hegel e sua síntese dos
conteúdos universais na Dialética. Mas continuemos nesta passagem
fundamental de Alain Badiou:
“a
problemática de Paulo, por mais sinuosa que seja sua organização –
uma vez que os textos que nos foram transmitidos são todos
comandados por disputas táticas localizadas –, seguem
implacavelmente as exigências da verdade como singularidade
universal:
1. O sujeito cristão não
preexiste ao acontecimento que ele declara (a Ressurreição de
Cristo). Portanto, polemizaremos contra as condições extrínsecas
de sua existência ou de sua identidade. Não se deve requerer que
ele seja dessa ou daquela classe social (teoria da igualdade diante
da verdade) ou desse ou daquele sexo (teoria das mulheres).
2.
A verdade é inteiramente subjetiva (ela é da ordem de uma
declaração que revela uma convicção relativa ao acontecimento).
Polemizaremos contra toda subsunção de seu futuro a uma lei. É
preciso ultrapassá-la por meio, simultaneamente, de sua crítica
radical da Lei judaica, que se tornou obsoleta e nociva, e da lei
grega, ou subordinação do destino à ordem cósmica, que nunca mais
foi que uma ignorância “erudita” dos caminhos da salvação”.5
Nesta parte do texto que Badiou, que nos servimos de base para
denunciar o péssimo uso e a pior ainda leitura dos Evangelhos pelas
seitas de “Evangelho da prosperidade”, ou “Teologia do
enriquecimento”, três aspectos vamos polemizar. O primeiro é o da
igualdade perante a nova lei, que antecede em muito a Declaração
dos Direitos Universais do Homem. Ainda que a igreja oficial
construída em cima do Cristianismo, vá manter e reforçar todas as
hierarquias do mundo antigo, nos evangelhos não há nenhum ponto em
que se apoie a relação de intermediação entre Deus e o homem. A
relação do Deus que se fez homem, que morre e ressuscita por amor à
humanidade, é uma relação direta. Não por acaso a Igreja, ao
firmar sua ortodoxia, teve como uma das seitas heréticas mais fortes
e influentes os gnósticos, que se excediam na defesa de dois pontos:
a divindade de cada ser humano e sua relação direta com Deus, e a
revogação da lei antiga judaica antiga. No concílio de Nicea, em
325, os gnósticos e suas ideias foram derrotados, mas também o
literalismo bíblico. A forma de se conciliar o Evangelho com a Lei
judaica foi subordinar esta ao Novo Testamento, e adotar a leitura
alegórica do Antigo Testamento. Assim Jonas não representa
realmente o homem que foi engolido por uma baleia, mas sim a morte e
a ressurreição de Cristo, assim como Adão e Eva não são seres
reais, mas representações míticas da criação. A relação entre
fé e razão, na tradição agostiniana, não dizia que a Razão
bastava para a salvação, mas era um caminho fundamental, já que a
Razão, um dos traços da divindade conduzia para o entendimento da
fé, fé e razão não eram necessariamente antagônicos, como foram
em vários momentos da história da Igreja. Mas na sua base, em sua
fundação, a novidade do Evangelho, as ideias fortíssimas do
racionalismo cristão, firmemente baseado no platonismo e só por
último, a influência atenuada da Lei do Antigo Testamento. A
revivescência de um literalismo fundamentalista, que não tem base
sequer nos Evangelhos, é um movimento sem base filosófica ou de
exegese na própria universalidade do Evangelho e sua pregação
radical de igualdade. Uma igualdade radical que serviu de base para
todos os movimentos heréticos, de denúncia de enriquecimento da
Igreja e de pregação do comunismo cristão primitivo, movimentos
que iriam gerar a pregação radical de Francisco de Assis.
Em segundo lugar, o papel das mulheres. Estes seres oprimidos na
idade antiga e medieval. Muitos se utilizam de passagens históricas
da bíblia para pregar a subordinação e submissão das mulheres.
Badiou nota o que poucos notam, é lógico que São Paulo, que não
era um revolucionário no sentido radical, não iria propor um
movimento de sublevação feminista no século I da cristandade. Mas
a igualdade plena de alma, de salvação entre homens e mulheres, o
papel que as mulheres desempenham todo o tempo no drama de Cristo,
abre linhas de fuga para que se pense num papel mais elevado das
mulheres, mormente em relação à situação histórica delas
naquele momento. Se pensamos numa interpretação não literalista,
não reacionária dos evangelhos, se abstrairnos aquelas condições
históricas, e pensarmos na ideia de igualdade substancial
espiritual, temos base para pregarmos uma igualdade substantiva
absoluta entre homens e mulheres, com base nos mesmos evangelhos.
Por último, e não menos importante, a ideia de Verdade acima da
Lei. O que é radicalmente novo e revolucionário até para a
filosofia grega. Aristóteles buscava leis racionais para a
Constituição de Atenas, na ideia de Sócrates, Platão e
Aristóteles, a pregação de reis-filósofos e legitimidade da Lei
era recorrente. Mas de forma nenhuma, na Constituição de um Estado
a Verdade estaria acima da lei. Nos diálogos platônicos, quando
Sócrates afirma que os tiranos não podem ser felizes por estarem
indo contra uma lei Universal, efetivamente se pode abstrair a ideia
de uma verdade válida para todos. Mas, o radicalismo de Platão não
era tão grande, e na sua República, tão utópica quanto
censitária, todos estariam subordinados à Lei. Os dois planos, “dê
a César o que é de César, e de a Deus o que é Deus”, terrenal e
divino, comportam duas leituras. Uma comportada e reacionária, da
total separação entre o plano divino e o terreno, e um ascetismo
sobre a vida na terra. Mas se formos ver os Evangelhos como um todo,
e a mensagem radical do Cristo de largar tudo que possuía e seguir a
nova Verdade, este “dê a César o que é de César” pode
revolucionariamente ser invertido em seu contrário. Se César for a
injustiça, a lei injusta, não temos porque segui-lo, já que temos
que dar a Deus o que é de Deus, e a Verdade domina sobre a Lei todo
o tempo nas escrituras. É esta outra leitura radical do Evangelho
que servirá de base à sobrevivência de uma leitura sempre radical,
igualitária e cidadã do cristianismo. E que veda o passo ao mal uso
que se faz hoje no Brasil de um pseudo-literalismo Cristão, que
transforma a mensagem universalista dos evangelhos no contrário
daquilo que a fez sobreviver ao tempo. Continuemos a análise desta
passagem de Badiou:
“3.
A fidelidade à declaração é crucial, pois a verdade é um
processo e não uma iluminação. Para pensar sobre ela, temos
necessidade de três conceitos: o que nomeia o sujeito no ponto da
declaração (Πίστίς,
geralmente traduzido por fé, mas seria convicção), o que nomeia o
sujeito no ponto de intenção militante de sua convicção (αγαπη,
geralmente traduzida por caridade, mas melhor seria amor); o que
nomeia o sujeito na força do deslocamento que lhe é conferida pela
suposição do caráter acabado
do processo de verdade (έλπίζ,
geralmente traduzida por esperança, mas melhor seria certeza).
4. Uma verdade é em si mesma
indiferente ao estado da situação, por exemplo, ao Estado romano. O
que significa que ela é subtraída da organização dos subconjuntos
prescritos por esse estado. A subjetividade que corresponde a essa
subtração é uma distância necessária em relação ao Estado e ao
que lhe corresponde nas mentalidades: a aparelhagem das opiniões.
Opiniões, dirá Paulo, não é preciso disputar. Uma verdade é o
processo concentrado e sério, que jamais deve entrar em competição
com as opiniões estabelecidas.
Para terminamos a análise
desta exegese de Badiou, há dois elementos aqui que são cruciais, a
ideia de fidelidade a uma verdade, que inclusive está na ideia
inicial da fixação do cânon cristão de salvação tanto pela fé,
quando pela obra. Ágape, amor, caridade. Não basta a fé, nem as
obras, é um conjunto a base da salvação, uma práxis
teoria-prática. Assim, a boa-nova, a nova fé, é uma verdade
militante, por isto existe todo um caminho de sedução duplo, entre
o cristianismo e os movimentos revolucionários, mesmos os ateístas,
por sua obra de amor à humanidade. Fé sem uma vida militante
dedicada a esta fé é nula. A prova, práxis da fé é o cotidiano.
Então, fica a pergunta, como alguém pode ser radical e
coerentemente cristão, viver uma vida de amor, discriminando
homossexuais, pregando o armamento da sociedade, pregando a punição
de crianças, jovens e adolescentes excluídos? Numa religião,
re-ligação, do amor radical e da entrega da própria vida pela
humanidade, sacrificar a humanidade dos outros não encontra nenhuma
justificativa plausível.
Este pequeno ensaio não
pretende ser uma dissertação ou uma análise minuciosa do livro de
Badiou sobre Paulo, ou de suas ideias da importância das Verdades
Universais para a busca da humanidade por Justiça, com J maiúsculo.
Mas o segundo ponto se depreende dele, no texto acima grifado, Paulo
de forma bem grega faz a distinção entre doxa (opinião) e
dike(verdade), no que se baseava a disputa sobre a teoria do
conhecimento entre Sócrates e os sofistas. O Cristianismo, desde
suas origens se constrói como uma doutrina de Verdade Universal,
baseada no Amor (ágape), caridade e perdão. Uma doutrina que se
baseia na mitologia do Deus homem, que amou tantos os homens e as
mulheres, que se fez carne para sofrer todos os seus horrores, a dor,
a fome, a sede, a angústia, e até a morte. O que tem que ver esta
doutrina radical de “vos ameis uns aos outros” e “amai ao
próximo como a ti mesmo”, com a doutrina pragmática e absurda do
enriquecimento sem fim através de bens materiais, e da perseguição
aos diferentes?
A radicalidade e a penetração
da Doutrina Cristã só aconteceu porque Jesus viveu no meio dos
pecadores, leprosos (os absolutamente proscritos na antiguidade),
adúlteras e prostitutas, não para os julgar e condenar, mas para os
defender das pedras e os redimir. Hoje, baseados numa absurda
teologia de Manon, o deus do dinheiro e da propriedade, numa
construção de ódio e revanchismo, alguns pretendem forçar que o
Cristianismo possa servir ao genocídio da jovem população negra e
pobre das favelas e ainda a sua culpabilização, pretendo condenar
ao horror permanente do cárcere àqueles que a sociedade preferiu
privar de oportunidades e discriminar.
Espero que este esforço, cujo
objetivo é mostrar a incoerência desta tentativa, retomando a
radicalidade dos Evangelhos e da Boa Nova do perdão e da Salvação,
pregada pelo próprio Cristo, da mensagem radical do dar a outra face
e vender tudo que se tem e dar aos pobres, faça àqueles que se
pretendem Cristãos, ao menos recobrar um pouco de lucidez e ver que
é completamente incompatível o Estado perseguidor e punidor
implacável, com a Doutrina Cristã.
O Estado injusto, perseguidor
e punidor implacável é o mesmo que crucificou Jesus e seus ideais.
Por isto todo Cristão deve
repudiar a redução da menoridade penal
Anexo: Negros e pobres, as
principais vítimas da redução da maioridade penal
Por Portal O Vermelho
Entenda por que a medida
recairá, principalmente, sobre crianças e jovens negros e pobres
das periferias
A Cáritas brasileira,
organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
divulga um manifesto no qual reafirma seu posicionamento contrário
às propostas que tramitam no Congresso Nacional e que versam também
sobre o aumento do tempo de internação para menores infratores.
“Compreendemos que crianças e adolescentes respeitados em seus
direitos dificilmente serão violadores/as dos Direitos Humanos”,
diz um trecho do manifesto.
“Ressaltamos
o nosso compromisso de exigir a obrigação e responsabilização do
Estado em garantir os direitos constitucionais fundamentais para
todas as crianças e adolescentes, assegurando-lhes condições
igualitárias para o desenvolvimento pleno de suas potencialidades,
assim como assegurar que as famílias, a comunidade e a sociedade
tenham condições para assumir as suas responsabilidades na proteção
de seus filhos/as”, diz o texto.
O manifesto da Cáritas
destaca que as medidas de redução de direitos, principalmente no
que se refere à redução da maioridade penal e do aumento do
período de internação, atinge principalmente os e as jovens
marginalizados e marginalizadas, negros e negras, aqueles que moram
na periferia, que já tiveram todos os seus direitos de sobrevivência
negados previamente. Para a entidade, é preciso constatar que a
violência tem causas complexas que envolvem: desigualdades e
injustiças sociais; aspectos culturais que corroboram para a
construção de um imaginário de intolerâncias e discriminações,
especialmente contra a população negra, pobre e jovem.
Além disso, “a realidade de
políticas públicas ineficazes ou inexistentes; falta de
oportunidades para o ingresso de jovens no mercado de trabalho; e a
grande mídia que atribui valores diferentes a pessoas diferentes
conforme classe, raça/etnia, gênero e idade”. A medida de redução
da maioridade penal, para a Cáritas, é remediar o efeito e não
mexer nas suas causas estruturais. Pesquisas no mundo todo comprovam
que a diminuição da maioridade penal não reduz o índice de
envolvimento de adolescentes em atos infracionais.
Presos têm cor
Já a Pastoral da Juventude
(PJ), organização da Igreja Católica também ligada à CNBB, em
nota de repúdio à PEC 171/93 afirma que à característica massiva
do encarceramento no Brasil soma-se o caráter seletivo do sistema
penal: “mesmo com a diversidade étnica e social da população
brasileira, as pessoas submetidas ao sistema prisional têm quase
sempre a mesma cor e provêm da mesma classe social e territórios
geográficos historicamente deixados às margens do processo do
desenvolvimento brasileiro: são pessoas jovens, pobres, periféricas
e negras”.
“Trancar
jovens com 16 anos em um sistema penitenciário falido que não tem
cumprido com a sua função social e tem demonstrado ser uma escola
do crime, não assegura a reinserção e reeducação dessas pessoas,
muito menos a diminuição da violência. A proposta de redução da
maioridade penal fortalece a política criminal e afronta a proteção
integral do/a adolescente”, assinala a PJ.
Pressupostos equivocados
Já o Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef) afirma que a redução da maioridade
penal está em desacordo com o que foi estabelecido na Convenção
sobre os Direitos da Criança, da ONU, na Constituição Federal
brasileira e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta seria uma
decisão que, além de não resolver o problema da violência,
penalizará uma população de adolescentes a partir de pressupostos
equivocados.
No Brasil, os adolescentes são
hoje mais vítimas do que autores de atos de violência. Dos 21
milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeu atos
contra a vida. Na verdade, são eles, os adolescentes, que estão
sendo assassinados sistematicamente. O Brasil é o segundo país no
mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás da
Nigéria. Hoje, os homicídios já representam 36,5% das causas de
morte, por fatores externos, de adolescentes no País, enquanto para
a população total correspondem a 4,8%.
Mais de 33 mil brasileiros
entre 12 e 18 anos foram assassinadosentre 2006 e 2012. Se as
condições atuais prevaleceram, outros 42 mil adolescentes poderão
ser vítimas de homicídio entre 2013 e 2019. “As vítimas têm
cor, classe social e endereço. Em sua grande maioria, são meninos
negros, pobres, que vivem nas periferias das grandes cidades”,
assinala o Unicef.
Face mais cruel
A Associação Nacional dos
Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – Anced/Seção DCI
Brasil, organização da sociedade civil de âmbito nacional que atua
na defesa dos direitos humanos da infância e adolescência
brasileira, e a Rede Nacional de Defesa do Adolescente em Conflito
com a Lei (Renade) também divulgam uma nota pública denunciando que
a redução da maioridade penal trata-se de medida inconstitucional e
que submete adolescentes ao sistema penal dos adultos, contrariando
tratados internacionais firmados pelo Brasil e as orientações do
Comitê Internacional sobre os Direitos da Criança das Nações
Unidas.
“O
modelo penitenciário brasileiro é a face mais cruel de uma política
pública ineficaz e violadora de direitos humanos, não se
configurando como espaço adequado para receber adolescentes, pessoas
em fase especial de desenvolvimento. A redução das práticas
infracionais na adolescência passa necessariamente pelo
enfrentamento das desigualdades sociais e, especialmente, pela
implementação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
[Sinase]”, observam a Anced e a Renade.
Alternativas ineficientes
O Núcleo Especializado de
Infância e Juventude da Defensoria Pública de São Paulo encaminhou
uma nota técnica a todos os deputados federais manifestando-se
contrariamente à PEC 171/93, uma vez que a Comissão de Constituição
e Justiça da Câmara dos Deputados irá promover uma audiência
pública para discutir a admissibilidade da proposta e outras a ela
vinculadas.
O texto da nota destaca que as
medidas de endurecimento do sistema penal adotadas ao longo dos anos,
se mostraram alternativas ineficientes para reduzir a criminalidade e
garantir segurança à população. Segundo pesquisa do Ministério
da Justiça, após a promulgação da Lei dos Crimes Hediondos (Lei
n.º 8.072/1990), a população carcerária no Brasil saltou de 148
mil para 361 mil presos entre 1995 e 2005, mesmo período em que
houve o crescimento de 143,91% nos índices de criminalidade.
Ainda segundo o Ministério da
Justiça, entre dezembro de 2005 e dezembro de 2009, a população
carcerária aumentou de 361 mil para 473 mil detentos – crescimento
de 31,05%, período que coincidiu com a entrada em vigor da Lei que
recrudesceu as penas dos crimes relacionados ao tráfico de drogas
(Lei n.º 11.343/2006).
A nota técnica lembra, ainda,
que nos 54 países que reduziram a maioridade penal não se observou
diminuição da criminalidade, sendo que Alemanha e Espanha voltaram
atrás na decisão após verificada a ineficácia da medida.
A Comissão Especializada de
Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do
Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais (Condege) também
divulgou uma nota pública manifestando repúdio às Propostas de
Emenda Constitucional que pretendem a redução da maioridade penal.
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Portal Vermelho: www.vermelho.org.br
1Escritor,
filósofo, mestre em Filosofia e mestrando em Letras Neo-latinas.
2BADIOU,
2009, pp. 21.
3Acontecimento,
para Alain Badiou, é um Evento que inaugura uma Verdade. Na
filosofia de Badiou a Verdade é um Universal que se prolata para
além do seu tempo. Neste sentido Paulo e Cristo são comparados a
Marx, Lênin, Einstein e outros grandes revolucionários políticos,
filosóficos e científicos.
4BADIOU,
2009, pp. 21
5BADIOU,
2009, pp. 22.
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