quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Afrodite e Xangô

Afrodite e Xangô


Balzaquiana; decidida, inteligente, culta, bela. Anarquista no temperamento e na ideologia. Não destas anarcóides de classe média que pensam que anarquia é fazer uma tatuagem e colocar um piercing. Mas daquelas que lêem Bakunin, Proudhoun e sabe a história das comunas anarquistas na Rússia e na Espanha Vermelhas. Prega e acredita no amor livre, pratica-o. Já estudara todo Reich, com muito prazer e passou a práxis das idéias dele. Saiu sem culpa de um casamento entediante com um médico asséptico e passou a comer todos os homens que desejava, sem peias ou compromisso. Permanecia com um enquanto lhe desse gosto, passava para outro tão logo sua libido se gastasse. Poderosa e ativa, devorava os homens e sua inteligência e atitude os amedrontava. Era uma lenda e seu mito precedia sua presença. Psicanalista revolucionária, vivia de tratar a alma dos outros. Para ela a análise não era um esporte de ricos. Trabalhava voluntariamente em muitas favelas, preferencialmente entre as mulheres, ensinando a elas a arte e o direito de gozar, o orgasmo como forma de libertação. O direito essencial das mulheres a igualdade absoluta de direitos, de inteligência e formação, de oportunidade e voz com relação aos homens. Para que os homens não mais fossem seus capatazes, donos e algozes, mas sim seus parceiros, cúmplices e irmãos.
Impossível conquistá-la. Não era caçada, caçava. Cunhou o apelido de Miliciana por causa de seus trabalhos entre as comunidades carentes e, logo, logo, ninguém mais a chamava de Clarisse, senão de Miliciana. Um nome tirado de uma novela espanhola, de uma mulher que vivera uma vida tão intensa quanto ela. Sem preconceitos de classe ou cor, amava livremente aquele homem que desejasse. Alta, 1.80, branca, olhos claros, corpo estonteante, sua presença assustava. Sorria sozinha, ainda com as lembranças de seu último homem, um rapaz que ela iniciara realmente nos prazeres de Afrodite, devorando-o, escondida na sala do almoxarifado de um Centro Comunitário, como a aparição da própria deusa grega que escolhesse um mortal qualquer para satisfazer seus prazeres. O nome dele era Antônio, um pouco mais alto que ela; forte naturalmente da vida dura que levara, como pobre para sobreviver, trabalhando desde criança, muito negro, luzidio, era atraente. Tinha 17 anos, era ainda um menino e na verdade era virgem. Ela sabia disto. Pagava a ele para ajudá-la em seu trabalho na Comunidade da Rocinha que lhe rendia muito pouco dinheiro, mas dava a ela uma satisfação imensa.
Ela sempre flagrara o olhar entre envergonhado e com tesão dele no corpo maravilhoso dela. Passeando pelo umbigo sempre à mostra. Ele escondia o rosto. A Miliciana olhava para o pau dele. Era grande, um pau negro, pulsante e virginal, e ela o antevia crescendo na calça. Ela fixava o olhar no membro dele e desde a primeira vez, resolvera desvirginá-lo. Nada planejou, apenas esperaria o momento. Numa das terapias coletivas feitas no fim de semana, o Centro Comunitário estava vazio e eles ficaram com a chave para guardar as coisas. No pequeno almoxarifado, vários objetos da comunidade ficavam empilhados. Antônio estava ajudando a levar colchonetes, que serviram para a terapia respiratória reicheana, àquele espaço vazio, Clarisse fechou a porta atrás de si quando entraram. Tonho surpreendeu-se, mas, quando deu por si, ela já o havia derrubado no colchão, o corpo maravilhoso dela, os cabelos longuíssimos percorrendo seu peito, as mãos por cima da calça, fizeram com que ele ejaculasse, excitado e nervoso com a surpresa, antes mesmo que ela começasse as carícias mais intensas. Ela beijou a boca assustada dele, como quem tem nas mãos um pequeno pássaro indefeso e com frio, que esperasse morte caso não receba o calor de uma boa samaritana, e lhe falou de forma doce e carinhosa:
- Calma!
Antônio, completamente surpreendido pelo ímpeto de Clarisse, estava completamente enredado pelos fios de Ariadne daquela deusa. Ela o deitou nos colchonetes, como se ele fosse sua presa, da mulher aranha fatal, deusa do sexo e do amor. Naquele momento de luxúria primeira, com todo o cuidado e carinhos lascivos, obscenos, impudicos. Ajoelhou-se com as pernas entreabertas por sobre ele, com a luxuriosa rosa do sexo quase encostada no rosto dele. Com malícia e habilidade retirou o pau latejante dele de dentro da prisão que a calça havia se transformado. O membro luzidio e negro, roliço, duro, pulsante, era grosso e grande como ela imaginava. Ainda estava melado pelo leite emanado do espanto dele, mas, mesmo tendo acabado de gozar, permanecia duro. Com a maestria que possuía, Clarisse, a Afrodite anarquista, começou a lamber todo o sumo, sentir o gosto do sêmen na boca e, com a língua, sorvendo, tomou todo o suco derramado. Deixou o pau de Antônio sem nenhum vestígio do recente orgasmo. Isto o excitara ainda mais. Como uma gata, esgueirara seu corpo até a boca de Antônio, e sem que pedisse, só com a linguagem corporal, ele começou a sugar aquela flor cerúlea, rosácea, com odores divinais. Esfregando-se na boca de Antônio, os lábios grossos de negro, a língua vigorosa e rápida, o lamber forte juvenil, começou a enlouquecê-la. Ao mesmo tempo ela engolia quase toda grande vara dele. O pau enchia toda a boca de Clarisse, ela o sugava, tirava da boca, mordiscava, lambia, descia até a base, beijava cuidadosamente, brincando com a língua nas bolas, de maneira, que Antônio, quase sem controle, já estava a ponto de gozar novamente. Sentindo este momento, Clarisse parou de sugá-lo, retirou sua xotinha da boca dele e foi novamente se esgueirando, roçando a pele fina no corpo másculo, juvenil e musculoso dele, de maneira a colocar a bocetinha de encontro ao pau latejante. Ele levantou o corpo levemente de maneira que pudesse segurar a cintura dela. O pau era muito grosso, e a grutinha de Clarisse bem apertada, a penetração era vagarosa e difícil.
Clarisse controlava completamente a descida, inclusive a intensidade, para que ele desta vez não jorrasse antes que ela se satisfizesse. O pau muito grosso ia esticando os lábios da vagina e a enlouquecia. Ele também sentia a xoxota como uma boca muito forte e macia, fruta pegajosa e boa que fosse aos poucos engolindo o enorme pau. O pau descia um centímetro, ela recuava, o que o fazia implorar que ela descesse mais. Foi conquistando aquele pau centímetro a centímetro, aumentando o tesão e o fogo de ambos, que já estavam prestes a explodir. Ele tinha mãos fortes de trabalhador, mãos de proletário. Puxou com força o corpo dela pela cintura e como estivesse muito molhada, ela finalmente cedeu. A vara era longa e tocou o útero da Afrodite encarnada, que se arrepiou, um calor crispou todo o corpo dela. A bocetinha tinha o espaço exato para engolir todo o pau de maneira que nada faltasse, que nenhum espaço ficasse vazio. Assim, cada movimento de ida e vinda, onde ela fazia com que o pau saísse todo e retornasse, parecia que ia efetivamente consumir ambos totalmente. Estavam inebriados e não conseguiriam retardar por muito tempo o orgasmo. De pernas abertas ela se arqueou sobre ele. As peles grudadas, a derme clara e fina dela sobre a derme escura e grossa dele, os pequenos lábios rosáceos dela dando-se a boca grossa dele. O cabelo longo dela alisava o rosto dele, um beijo de entrega, o prazer de um invadindo o corpo do outro, até que houve uma explosão, simultânea. Gritos, ais, sussurros, palavrões.
Ela o surpreendia, pedia, aos berros: “me fode, me fode meu grande garanhão negro, rasga tua putinha, me come com força, vai, vai, mais, me fode”, e realmente parecia que ela seria dividida ao meio naquele ímpeto tresloucado, onde se inundou de sêmen e todo seu corpo ficou arrepiado, os pelos eriçados do mais sublime prazer. Aquele prazer completo e total que é mais forte do que qualquer droga jamais inventada. Bêbados, embriagados um do outro.
Ela pensou que ele estava exausto. Mas agora era a vez de Antônio assumir um papel de Deus africano, de Xangô guerreiro, orixá da justiça, espada vingadora forte em defesa dos fracos, viril entidade negra de África. Jogou Afrodite no colchão e num ímpeto, abrindo suas pernas com os braços e suspendendo-a e dependurando as pernas dela em seu ombro, surpreendeu-a com uma penetração forte, que no início chegou a ser um pouco dolorosa, mas que logo se mostrou extremamente delirante. Antônio que não havia se desgastado muito embaixo de Clarisse, agora, com uma arremetida de um bicho feroz assaltava o corpo dela. Suas estocadas eram fortes, faziam vibrar todo o corpo dela e arrancar gritos de delírio da experiente mulher. Nem parecia um garoto recém iniciado nas artes de Eros. Mais parecia um Deus vindo das matas da África, trazendo em seu ombro um Leão que houvera acabado de matar numa luta furiosa, e agora cobrava de sua amante os tributos de carinhos devidos aos grandes heróis. Ele queria sentir o máximo de prazer e proporcionar também. O pau saia todo e entrava até o fundo da caverna apertada dela. Roçava. arranhava, na entrada roçava no clitóris, no fundo tocava no útero. Ele sugava avidamente, chegava a morder o seio e o ombro dela. Ela cravava as unhas nele que nem sentia a dor. Era um embate furioso de amor. Um poderoso Deus de Ébano entrando e saindo daquela mestra do amor, fodendo ardentemente aquela mulher divinamente safada. Ela trazendo do fundo dele toda a libido que ele carregava.
Uma energia mística envolvia os corpos, não era uma trepada comum, eles faziam o amor com fúria carinhosa, com uma consumação que parecia um amargedom, parecia o último momento do mundo, Antônio descobria um rio invadido por larvas de vulcão dentro de si, e a única coisa que queria era desaguar para o oceano daquela diva, para aquele útero que o acolhia e que parecia enovelá-lo. Um instante que seria tatuado para sempre em sua alma, o cheiro silvestre daquela rosinha selvagem que impregnaria para sempre seu nariz, e que lhe voltaria toda vez que fosse foder uma mulher. Depois de gozar duas vezes, ele podia mais confiantemente comer Clarissse com toda sua potência. Sentia que demoraria a gozar, e queria prolongar a sensação de estar dentro daquela mulher. Abaixou as pernas dela de seu ombro para que ela ficasse confortável e pôs suas mãos em concha embaixo daquela bunda maravilhosa, premindo-a contra ele. Acariciou a esfera macia dividida em duas, completamente lambuzada pelo mel dos dois, e descobriu o orifício anal. Com seus dedos longos, instintivamente, aproveitou a lubrificação, que o próprio sexo dos dois proporcionava, e introduziu quase que inteiramente o dedo dentro daquele cuzinho. Clarisse enlouqueceu, fodida pela frente, ao se mexer, para se afastar do pau, sentia o dedo avançar por trás de si. Quando se afastava do dedo, sentia o pau comendo sua xota. Isto a deixou fora de si, quente, com movimentos convulsivos. A loucura dela contaminou Antônio e logo ambos partilhavam mais uma vez de um desvario em gozo. Ele nem mais tirava o pau. Afundava-o bem forte para senti-lo tocar o útero e deixava que ela rebolasse em desvario enquanto gritava: “vou morrer, me mata amor, me mata de prazer”. Ele sucumbiu aos gritos, ao corpo, aos carinhos, e este orgasmo foi mais do que uma pequena morte, parecia que um fogo os consumiu e eles perderam a razão. Clarisse chorou de prazer. Antônio perdeu o fôlego e a fala.

Em casa, recostada, tomando um bom vinho branco, Clarisse lembrava a iniciação daquele garoto de ouro, daquele Orixá encarnado que ainda tinha muito que aprender e que lhe proporcionaria ainda extremos prazeres nos próximos meses, nos quais dedicaria uma boa parte em ensinar-lhe as artes de Afrodite a seu belo Xangô. Todos os requintes dos prazeres da cama. Era um touro imenso, forte, negro, impávido. Era diamante que precisava ser lapidado. Aprender a retardar o momento da explosão. Aprender a sugar uma mulher com maestria, como se deve. Começando com um beijo tímido na boca, para depois celebrar todo o belo corpo, da nuca a bunda, marcando o caminho com beijos e mordidas na linha da coluna, no umbigo, cintura, para só depois de prepará-la, de fazer jorrar o mel do prazer por entre as pernas. Então, aí, sim, poder sorver o prêmio, o néctar da bocetinha, jorrando em borbotões por conta de um homem que conhecia os mistérios do corpo da mulher. Seria um prazer este tempo de ensinamento, em que se daria e comeria também seu homem, Ariadne devoradora, que após ter consumido tudo que queria de seus homens, deixava-os, melhor preparados para outras mulheres. Eles ficavam com a lembrança sem igual dela para sempre na cabeça, como a aparição de uma deusa a um mortal, um presente dos céus, uma dádiva da vida para quem teve o privilégio de prová-la. Clarisse sorriu, com os dedos entre as pernas, bolinava o clitóris lembrando dele. Logo, logo ela mataria esta saudade que sua grutinha encantada sentia.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Valsinha

Valsinha


Todos os dias eram iguais. Trabalhavam juntos no mesmo emprego entediante já fazia sete anos. Eram dois seres humanos murchos, sem graça, grises como as paredes daquele Departamento de Pessoal. Conversavam o essencial, ordens, resoluções, metas, aumento de produtividade, competência, números, cifras, determinações, artigos de lei, parágrafos, alíneas. Carcaças de ser humano ambulantes. Todavia eram jovens. Enterrados naquela vida mesquinha, ambos, esperavam o fim de semana para reificarem suas vidas. Mas tudo parecia ser um ciclo e o tempo se repetir. O domingo era a espera da segunda e a segunda uma corrida louca até o sábado, para depois, no domingo esperar o serviço de segunda.
Vinícius tinha uma vida insonsa. Sem cor, sem brilho, sem poesia, sem sentido. Acumulava alguns bens naquela chefia intermediária e fazia dívidas para virar escravo de seus bens. Trabalhava quase 10 horas por dia, durante três horas era escravo da prestação do apartamento, durante duas horas era escravo do carro, mais duas horas de escravidão à prestação dos móveis, celular, aparelho de eletrodoméstico, condomínio, TV a cabo e sobravam duas horas extras para ele trabalhar para o lazer. Na verdade um lazer que era quase um trabalho, programado nos mínimos detalhes, nos locais tumultuados onde as pessoas se estressavam mais do que descansavam, por estarem todas presas na mesma indústria de turismo que exportava engarrafamentos, falta d água, tumulto de gente nos locais onde se ia “descansar”. Na alma ele sentia um imenso vazio, uma tremenda falta de sentido no viver, ele não fruía a vida que fluía.
Ana tinha uma vida sem graça, sem cor, sem brilho, sem poesia, sem sentido. Acumulava alguns bens naquela gerência e fazia dívidas que a tornavam escrava de seus bens. Trabalhava cerca de 10 horas por dia, durante três horas era escrava da prestação do apartamento, durante duas horas era escrava da prestação da casa de campo, mais duas horas de escravidão ao dízimo da igreja, móveis, celular, eletrodomésticos, roupas de grife e sobravam duas horas para ela trabalhar extra e ter uma “reserva”. Lazer, não tinha. Sua dedicação a uma seita seca de corpo, que obscurecia a alma e negava os sentidos, não deixava. Sua vida passava na terra à espera de uma vida no além túmulo, prometida por um pastor 171, que enriquecia enganando os fiéis com uma pregação neurótica de deformação da vida.
Passavam 10 horas juntos por dia. Mais tempo do que passavam com seus familiares, mais tempo que Vinícius passava com seus amigos, mais tempo do que Ana passava na igreja. Ana era chefe dele e ambos comandavam todo um setor de funcionários, sombrios, tristonhos, sempre preocupados em não perder o emprego e em ter o suficiente para continuar a viverem escravizados por seus bens. Nunca se dando conta de que trabalhavam amordaçados aos bens que em tese deveriam melhorar a vida deles, mas que, no fundo, serviam para fazer com que eles mais tempo perdessem num trabalho de números, glosas, retificações que se renovava mês a mês, tudo sempre sem nenhum sentido. Acostumaram-se a presença um do outro. Ana era linda. Ainda que fosse evangélica, e que sua religião mortificasse os sentidos, nos seus vestidos longos ainda reverberava alguma alegria e uma ponta de sensualidade. Sempre muito bem vestida, não sorria, nem brincava muito. A sequidão de sua vida amorosa gerava uma mulher que, tirando as ordens que proferia, pouco falava, quase não brincava e nem sorria. No início ela sentiu-se atraída por ele e, quase sem sentir, por muitas vezes deixou-se ficar olhando para ele, examinando o corpo, o peito forte, os braços torneados. Com o tempo, ela mesmo começou a notar esta atração e a reprimiu. Enterrou no fundo da alma, nada mais demonstrou, embora por dentro uma fagulha ainda vivesse muito próxima daquele palheiro que é uma mulher mal amada. Vinícius era mais moleque, ainda sorria e brincava, embora ficasse sério ao lado dela. A beleza dela na verdade o assustava e inibia. Junto a uma beleza de Atenas, o talhe sério, a forma rígida de ser e executar o serviço da chefe fez com que ele reprimisse o desejo e olhasse para os olhos dela escondendo a atração, quando antes olhava para o início dos seios que discretamente sobravam dos vestidos.
Dias iguais, horas iguais. Vidas comuns. Estressado, mortificado, Vinícius num verão qualquer não fez como nas outras férias. Não foi para as praias badaladas da moda, nem para as cidades de veraneio cheias. Em crise, cansado daquela vida, durante vinte dias exilou-se numa pequena casinhola de uma cidadezinha qualquer, levou os velhos CDs do Clube da Esquina e de Bossa Nova, que durante a adolescência gostara tanto, e que, com a juventude, envergonhado, largara de lado para se entregar à moda. Era agora um homem da moda, um homem mais pensamentos próprios, que para estar de bem com os outros não mais se encontrará. Àquela música que antes fizera tanto sentido, que o fazia refletir na vida e buscar um caminho, um canto, um refúgio, um sentido humano, fora abandonada junto com o sentido que ele antes pensara dar a existência. Neste mês, lendo seu xará, o Poetinha amadorado, Vinícius de Moraes, escutando suas músicas, mais as belas músicas existencialistas do Clube da Esquina, começou a tomar pé de uma nova vida. Precisava renascer, precisava recomeçar. Retomar seus projetos, procurar algo que desse sentido a sua existência. Precisava trabalhar, é verdade, pois necessitava comer, mas trabalharia menos e agora se dava conta, por menos coisas. Pela primeira vez vira que ficara escravo das coisas e de coisas que não valiam à pena, pois não contavam nem como alegria nem como dor. Ser humano e que conta, e destes, ele havia realmente se afastado. Pois a vida yuppie que levava nada mais era do que estar só no meio da multidão. Que realmente importava?
Uma coisa ele sabia. Ana importava. Ele a amava desde a primeira vez que a vira e todos estes anos reprimira este amor para não comprometer seu trabalho e sua posição. Agora, agora FODA-SE! Que se danem os comentários jocosos, a possibilidade de perder o cargo e procurar outro emprego, até o medo de ser rejeitado. Ele iria recomeçar sua vida, e a primeira coisa que faria seria recuperar estes sete anos jogados fora, deixando aquela mulher maravilhosa, Atenas rediviva murchar numa seita escrota que mortificava moralisticamente a carne.
Ana sentira falta dele estes vinte dias de férias. Na verdade ela se acostumara com ele. A presença sem contato físico. A dissimulação de ambos do interesse mútuo de um pelo outro. As discussões de trabalho intermináveis que substituíam palavras simples como “você é linda”, ou “eu te amo”. E eis que ele retorna. Mudado, vestido em mangas de camisa, em lugar do conservador terno com gravata. Barba mal-feita, expressão vagabunda no olhar. Ao chegar ela o cumprimenta com um bom dia e recebe de volta um “bom dia, você está mais linda do que nunca hoje”, em alto e bom som, que surpreendeu toda o escritório e provocou os primeiros comentários maliciosos.
Durante o dia ele nunca desviou o olhar dela. Olhava profundamente nos olhos. Quando ela estava próxima, de forma intensa olhava para o vão dos seios e, quando ela se virava para sair, sentia-se envolvida com o olhar dele, que beliscava a bunda carnuda, redonda e dura dela. Ela sentia-se meio perdida por aquele assédio calado que ela sempre quis sofrer, mas que agora, de certa maneira a ofendia. Vinícius estava em plena caça. E ela acuada, não sabia como agir. Durante os últimos sete anos, tivera só um namorado da igreja, quatro anos de amofinação de um velho fanático que sofria de ejaculação precoce e com a qual chegou a casar com a bênção conservadora e neurótica de sua família. Só a religião fez com que aquela situação durasse quatro anos, ao fim deles, mais marcada e neurotizada, sem nunca ter gozado, sem saber o que era um orgasmo, mais medo ainda tinha dos homens. Mas Vinícius era algo que a envolvia. Ela sempre quisera no fundo que ele a cercasse, a cortejasse, a envolvesse, o olhar de menino pedinte, o desleixo negligente que se observava nele, mesmo quando arrumado, prometiam a ela que se fosse ele, e não o obreiro brocha, seu homem, ela teria sido feliz.
Quase no fim do expediente chegam flores, belas e apaixonantes rosas vermelhas, que causaram alvoroço no serviço e que surpreenderam e gelaram a espinha dela. Num cartão muito bonito, bem escolhido, com motivos florais, havia apenas duas palavras: Te Amo, sem assinatura. Ela automaticamente olhou para ele. Não poderia ser outro, era óbvio. Sufocada, esteve por chorar, desarmada e sem saber o que fazer. Neste mesmo dia teria que novamente se reunir com ele para traçarem algumas metas, agora que ele voltara das férias e ela temia e desejava isto. O que aconteceria? Pensava ela... E sua cabeça dava voltas e sua vista se turvava. As pernas bambearam e ela temeu desfalecer. E, se não fosse ele??? Se fosse outro... Aí seria pior... Ela temia, mas queria que fosse ele. Na verdade, nem sabia bem o que podia acontecer. O tempo passou, todos foram embora, no andar vazio, portas fechadas, só permaneceram ambos, como sempre. Só que, de todas as outras vezes, desejos negados, não estavam ali um homem e uma mulher, mais um chefe e uma gerente. Desta vez não.
Chegou a hora da reunião, eles se fecharam na pequena sala de Ana, Vinícius trancou a porta para que ela não fosse aberta por fora. Antes que ela começasse a falar, Vinícius, de forma surpreendente, ligou um pequeno aparelho sonoro que ele mesmo trouxera e coloca Valsinha, música que ela desconhecia, mas que agora era o enredo daquela paixão:

“Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre
chegar,

Olho de um jeito muito mais quente do que sempre
costumava olhar (...)”
De forma surpreendente e abrupta, ele acolheu o corpo macio dela no seu e começou a dançar a música como se fosse valsa. Ana protestou, não quis. Vinícius estava sendo até um pouco rude, resolvido, apertou a mão dela e não aceitou recusa e ela foi dançando. Primeiro dura, protestando, depois se largando em passos harmônicos com ele, onde a cabeça dela se afundava no ombro dele e as coxas de ambos se entrelaçavam, fazendo com que um rio que há muito fora represado jorrasse como tormenta em busca do mar dela, da saída, da comunicação mais íntima do corpo dela. Ela ainda mais ficou assustada, mais a força daquele desejo terrivelmente era mais forte do que ela imaginara. O beijo primeiro foi conseqüência, doce, intenso, profundo, línguas de fogo enroladas, pernas enroscadas, corpos se roçando, dançando, no ritmo da música sem que eles percebessem. Ela murmurou:
– As rosas, o cartão...
– Eu sempre te amei – Ele respondeu.
Colheu nos braços e a sentou na mesa de reunião. Aquilo a reanimou a lutar... No trabalho... Ela sabia o que ele queria...
Estava quase desfalecida, semi-entregue, mas a parte neurótica dela não queria a parte são aflorando assim... E o emprego? Sua moral? Seu pecado em estar ali, com aquele homem agarrando-se a ela e posicionando o corpo dele entre as coxas dela. Com as mãos ela tentou empurrá-lo. Vinícius estava resoluto. Não a machucaria, não forçaria, não seria um estupro; mas sabia, no fundo, que aquela mulher reprimida, tanto tempo negada em sua essência de mulher, precisaria de luta, de calor do corpo para aflorar, florescer e se entregar. Era uma luta não declarada. Sem golpes fortes. O corpo dele no meio das pernas dela, as mãos dela o empurrando, a boca fechada dela, a boca dele beijando o pescoço, mordiscando a orelha, palavras doces de amor, mordida na nuca, e aquela luta ia virando um jogo, tanto que, sem que percebesse, Ana o expulsava com as mãos e o enlaçava com as pernas. Até que os braços dela que antes expulsaram, agora acariciavam o cabelo daquele homem tão amado neste momento mais do que esperado. As bocas novamente unidas perderam-se em dezenas de beijos. Sentada, com as pernas trançadas nele, ela nem mais parecia aquela crentezinha reprimida; pelo contrário, uma tigresa saltava de dentro de seu peito e ia tomando conta de seus atos. Sentia sua xoxota molhada, jorrando, esperando ser comida, pela primeira vez com competência, e ansiava. Vinícius, de forma áspera, mais carinhosa, já subira o vestido, e baixara as alças dele. Brincava nos mamilos dela, beijava-os, sugava, como frutas do pé tanto tempo desejadas e agora finalmente colhidas. Ela quase chorava de prazer e antevia no volume da calça aquele pau que vira já em seus sonhos censurados, roçando, pedindo para ser libertado.
Surpreendentemente ela abriu a calça e libertou o pau dele, com ele entre suas mãos ela colocou a calcinha de lado e o apontou para a entrada da grutinha. Muito molhada, num só gesto e ato, abrupto, intenso, único, ele a penetrou de uma única vez. Ela não sentiu dor, estava tomada de prazer. Apoiada na mesa, na altura certa para ser bem comida, os movimentos intensos dele, de entrar e sair, cheio de desejo, mais os beijos profundos, as mordidas, as chupadas, iam levando Ana a caminhos que antes ela desconhecera. Perdera o medo, gemia, pela primeira vez na vida um homem a fazia gemer, e a intensidade do prazer que fazia seu corpo tremer já a levara a gritar, nem sequer questionaram se do lado de fora da sala alguém seria capaz de ouvi-los. Sem cuidados, sem peias, gritaram gozaram juntos. Ela arranhou as costas dele, ele inundou a bocetinha dela. Beijaram-se. Confidenciaram-se a paixão secreta e foram dormir juntos nesta noite, na casa dele.
A vida recomeçou, no dia seguinte e nos outros, diferentes, mais contente, mais intensa, com outro sentido. O sentido do prazer, o sentido do amor, de uma mulher que se realizava com um ser amado, com este ser amado que encontrava nesta mulher um refúgio e um caminho. O pastor da Seita Neuróticos Inimigos do Corpo perdeu uma fiel, posto que Ana aprendera a gozar com todo o desespero e força por todos os poros e buracos de seu ser, enquanto Vinícius recuperara um sentido na sua vida. Um dava sustento para a alegria do outro, fodiam todo o tempo, em todos os lugares possíveis, se amavam de forma obscena, proibida e maravilhosa.
Como na música do grande poeta:
“E o mundo compreendeu, e o dia amanheceu em paz”.


terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O MEndigo

O mendigo


O mendigo, aquela pessoa suja, despojada de todos os direitos

Vagando pela cidade, sem cama, sem aquecimento no frio, sem refresco no calor

Se banhando quando dá, na água quer der.

Pedindo, praticando as vezes pequenos furtos para comer.

Retirando "comida" na lata de lixo, os restos que não quisemos.

O mendigo é você, sou eu, o mesmo ser humano, a mesma semente, o mesmo eu meu e teu.

A mesma quantidade de humanidade, a mesma alma, o mesmo tudo.

Quando vejo um mendigo, eu sinto vergonha e não é dele.

Quando vejo um mendigo sinto vergonha de mim, sinto vergonha de ti, que dormimos em camas limpas com lençóis macios, e achamos "normal" que haja seres humanos sem um teto e uma cama.

Atire a primeira pedra

Atire a primeira pedra
Roberto Ponciano

"E Jesus olhando o ladrão a seu lado disse:
- Ainda hoje estarás comigo no paraíso".

Negro, pobre, nu, espancado, amarrado.
Favelado, deserdado, despossuído, saqueado.
Ladrão! Ladrão! Ladrão! Ladrão!
E a sociedade das brancas ovelhas o condenou ao pelourinho.
Ladrão! Ladrão! Ladrão! Ladrão!
E a sociedade das brancas ovelhas despiu seu corpo.
Ladrão! Ladrão! Ladrão! Ladrão!
E a sociedade das brancas ovelhas cuspiu em sua cara.
Ladrão! Ladrão! Ladrão! Ladrão!
E a sociedade das brancas ovelhas o atou a uma semicruz.

Cristãos, cristãos cruelmente o lincharam, cruelmente.
Cristãos, cristãos jogaram a primeira e todas as pedras.
Cristãos, cristãos esqueceram do ensinamento do perdão.
Cristãos, cristãos esquecidos de Cristo e Madalena.
Cristãos, cristãos vão no domingo orar e comungar.
Cristãos, cristãos, na segunda-feira gozosamente lincharam um negro.