sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Cataclismo - texto que estará no livro a ser lançado no dia 28 de novembro



Cataclismo

Os olhos dele pairavam embevecidos pelo negro forte e dominador que emanava das estrelas que ela tinha na face. Os cabelos dela, trigo ao vento, dominavam o ar e levavam o cheiro dela até a alma dele. Ele sequer a mirava, tinha medo desta feminilidade forte que enchia seus pulmões e o fazia ser um fiel, pouco mais que um crédulo desta deusa que a tudo encantava. A simples presença dela era mágica, música e encantamento. Os pequenos pés de menina, desenhos inverossímeis flutuavam acariciando o chão como se terra e ser fossem um só elemento, como se fosse o solo em seu corpo, miríade de sonhos, simplicidade da perfeição.
Um apaixonado acovardado pela intensidade deste fogo que o consumia e o cegava e calava, e o fazia sonhar, noite após noite com os mesmos lençóis, o mesmo cetim azul escarlate, onde esta ninfa em panos brancos se entregava, em lagos, em rios, em mares, em água, em muita água, em cristalina e corrente água, em fresca, fria, volátil, forte, construtiva, destruidora água. A voz era de água; suas frases eram nascentes; seus pensamentos cataratas; seu corpo um remanso e sua feminilidade um maremoto adormecido, que só a alquimia perfeita do corpo do amado, para sempre e desde sempre esperado, podia fazer eclodir; desbarrancando margens, destroçando dúvidas, submergindo folhas mortas, recriando ilhas ignotas, alimentando chuvas, redesenhando solos.
Um dia ele driblaria aquele torpor e lhe diria que era ele. Sim, ele o elemento fogo, a descongelar Icebergs, e devastar dúvidas, e inundar cidades, e recriar o tempo para que ela fosse só mulher. Mulher, destino duro e mortificador. Mulher de cama, tantas vezes penetrada, tantas vezes morreria, égua em cavalgada, para renascer outra, absoluta, triunfante num poema obscuro, recriando a ternura, bagunçando a meiguice, vivendo toda a sua dualidade de cadela e santa, beijo e cópula, amizade e volúpia. Mulher amada, infinitamente e profundamente amada, mulher que engoliria com seu corpo o frágil ser homem e faria dele um universo em êxtase, em equilíbrio e dança, em febril perda de sentidos, em pueril aventura diabólica, em viril desespero de comer, de engolir, de mastigar aquela carne feminina, de sentir o sangue de ambos correr numa única veia, até se perderem os fluxos de maneira que um coração só comandaria os ritmos, e este ritmo louco e único seria a única coisa que faria sentido.
Sim, ele lhe tocaria o ventre, o útero, despudoramente com fervor religioso. E ao tentar dominá-la seria vencido. Depois mil vezes derrotado, mil vezes mortificado, mil vezes ensandecido e, por fim, como uma menino, em seu regaço adormecido. Seu rosto naqueles seios, pequenos caroços de fruta, restos de melaço a serem sugados, a melarem o céu da boca, a desafiar a lógica com suas pontas duras a acusar arrepios de um corpo que ferve no caos do amor. E todos os outros cataclismos aconteceriam entre estes dois corpos, vulcões, terremotos, batalhas sangrentas em que ambos morreriam para o mundo e renasceriam num espaço inexistente, numa dimensão de pensamentos e desejos somente, de fantasia erótica, de despudorado tesão, de imaculado querer, de inesgotável gozo, de repetida cópula, de inumeráveis posições, de tigresa e gato, de cadela e potro, de dragão e frágil donzela, de puta veterana e de adolescente insaciável.
A vida então seria mais perfeita que a poesia, e nos olhos deles poderia se adivinhar o significado de tudo.

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