sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A sociedade do fruir e a sociedade do trabalho compulsivo, texto do meu livro a ser lançado dia 28 de novembro, todos ao lançamento


A Sociedade do Fruir e a Sociedade do Trabalho Compulsivo

Um belo dia seu pai te chama e te diz:
- Filho, você precisa tomar um rumo. Você precisa ser alguém na vida.
Você então descobre que não é nada. Que sua vida até aquele momento nada foi, porque você é ninguém. Mas, como pode? Como será que você, nesta época na adolescência, ou pouco depois dela, não ser nada, não significar como pessoa coisa nenhuma? Este diálogo muito real e comum revela muito do Fetiche da Mercadoria da nossa sociedade. Demonstra que tudo tem que passar pelo buraco de agulha do Valor para ser reificado e incorporado no mundo “real”. Enquanto você nada possui, você não é nada. Nem mesmo é humano. Sua humanidade, existência, sentido de existir tem de estar corporificado em alguma função do Valor. Só será reconhecido como máquina reprodutora de valor. Pouco importa sua função. Médico, jurista, professor, motorista, operário, de algum modo você tem de reproduzir a lógica de produção e reprodução do Capital. Vender-se e comprar muito, muito além da própria necessidade de comprar e vender o que é necessário para viver. Na verdade, viver então subsume-se a comprar e vender muito, quando der por conta, você estará empenhado por muitos anos, financiando seu próprio trabalho, com dívidas longuíssimas, que prometem que você será escravo dos produtos que consome durante décadas, até quase à beira da morte, tendo em vista que nossas sociedades agora prolongam a idade limite das pessoas se livrarem da escravidão assalariada, na idéia de que deve se aumentar a “idade produtiva”.
Mas, que diabo de idade produtiva é esta? Produtiva como? Para quem e para que? Numa sociedade que parou de se pensar, os indivíduos pararam de raciocinar, de questionar esta lógica perversa. O trabalho é um fim em si, que nunca jamais pode ser questionado. Engrenagens, peças de uma moenda de triturar seres humanos, aprisionamos, agrilhoamos uns aos outros na lógica irracional de que o TRABALHO DIGNIFICA. Na verdade, o TRABALHO ESCRAVIZA.
Vivemos a contradição de aumentarmos a produtividade num grau jamais imaginado antes pela humanidade e, em lugar de diminuirmos nosso ritmo de trabalho, nosso compromisso, o comprometimento de nossas vidas, de nossas sagradas horas que temos como aventura neste planetinha azul e que jamais se repetirão, o tempo que resta é todo novamente dedicado ao Deus Trabalho que também é o Deus Manon (não é à toa que a grande festa anual de nossa sociedade seja o festejo da Mercadoria). Na cantilhena louca, que sem especialização não mais existe lugar num mercado, que cada vez mais vira um Deus ex Machina e um mito, as horas disponíveis para o desfrute de lazer viram horas de estudo e especialização. Não de estudo de música, língua, artes, dança ou qualquer coisa sem ligação com o valor. Que dê puro e simples prazer, que seja desfrute. Mas estudo que se torne Capital, que seja reconversível em mais salário para necessidades cada vez mais questionáveis, de uma sociedade de homens rendidos, prostrados a Manon, a este Deus Valor que nos diz que trabalhar desgraçadamente, sem pensar, penando é a razão da vida.
Num mundo onde uma colocação no mercado de trabalho cada vez mais se parece a uma fantasia louca neurótica do que a uma possibilidade real, as pessoas sequer conseguem enxergar que a antiga sociedade do trabalho está ferida de morte. Os trabalhos nos setores produtivos que caracterizavam a sociedade industrial fordista foram e estão sendo substituídos (mas não numa proporção que garanta emprego a todos) por ocupações sem nenhum especialização, e com um pagamento para lá de ordinário, devido a pressão que o imenso exército de desocupados coloca sobre o salário. Na verdade, o salário tem diminuído, em regra, tanto, que mais se parece com uma esmola. Há uma linha tênue separando quem está desempregado de quem tem um trabalho com salário miserável, e muitas vezes não se sabe muito bem o que rende mais, o emprego miserável ou o desemprego, onde a pessoa sobrevive de bicos ou de ajudas.
Completamente alienados de que não necessitamos viver assim, numa espécie de frenesi e loucura neurótica coletiva, disputamos a tapa os últimos lugares nas senzalas dos senhores de escravos. E a esquerda repete argumentos não muito sérios (e nos quais ela mesmo não acredita) de retomada de crescimento com criação de mais postos de trabalho. No fundo todos sabem que a sociedade do trabalho compulsivo, a sociedade capitalistas, o reino da necessidade está ferido de morte. Só que admitir isto é admitir irracionalidade de nosso modo de vida e fazer uma crítica de alto a baixo de uma sociedade que precisa reaprender a viver sem a rotina neurótica, compulsiva e louca do trabalho compulsivo.
A ideologia dominante de uma sociedade é a ideologia da Classe Dominante. Para a nossa elite mundial, a burguesia dona das senzalas, dos modernos meios de criar seres parciais neuróticos, escravizados a uma rotina entediante de escravização a seus próprios produtos, há que se falar sempre que criticar a sociedade do trabalho é loucura, “utopia”. De outro lado, a esquerda radical entende mais de materialismo histórico do que de dialético. Presa ao trabalho, até o nome de seus partidos carrega em seu seio o nome maldito da escravidão ao Trabalho. Poucos, talvez menos de 1% dos marxistas sequer ouviram falar na teoria marxista da abolição do trabalho, atacam esta palavra de ordem como se fosse “revisionismo reacionário”, quando na verdade é pura dialética marxista.
Não estamos tão longe assim desta abolição do trabalho. Quando Marx elaborou esta tese (deliciosamente defendida por Paul Lafargue em seu Direito à Preguiça), ele sabia que a evolução dos meios de produção não permitia ainda este vôo. Mas ele antevia que o Capital libertou forças produtivas poderosas que poderiam realizar por fim a libertação do homem. A libertação do homem não é uma pura e simples repartição social. Marx colocou isto de maneira sarcástica quando num intervenção disse: “eu não sou marxista”. Referia-se ao que ele chamou de marxistas vulgares, que viam o reino da liberdade, o comunismo, como uma sociedade de repartição pura e simples, onde todos teriam acessos a mesma quantidade de bens. Marx nunca pretendeu isto. Ele mostrou que esta concepção no fundo é burguesa, um socialismo pequeno burguês, porque o pequeno proprietário não consegue pensar além da sociedade do trabalho, não pode ver um mundo onde as idéias não passem pelo fio condutor do fetiche da mercadoria, não necessitem da reificação do valor. Portanto, não pode abstrair uma sociedade onde a valoração não seja pela quantidade de bens que tem um indivíduo, mas sim como e como ele pode fruir da vida.
A sociedade do trabalho compulsivo está numa crise crônica e terminal. Não tem mais como se reproduzir e só pode sair de suas crises alargando limites sociais que não são infinitos. O profundo fosso que o sistema cava entre uma humanidade que ainda consegue reproduzir sua existência dentro da forma Valor e a imensa maioria que vai sendo colocado à parte do processo de reprodução de vida através do Capital, não tem saída. Não há resposta, nem resgate para a imensa crise social que o Capital aprofunda dia a dia. Só um imbecil oligofrênico crônico acredita que, com a previsão que o número de favelados, de excluídos, de desempregados duplicará em apenas 30 anos, não terá conseqüências na retomada dramática e violenta dos conflitos sociais. Conflitos sociais que não terão saída, resolução na sociedade capitalista do valor. Por mais que ela invista no conflito, por mais que ela ser arme, por mais que ela aposte na barbárie e no extermínio massivo e indiscriminado de populações inteiras para manter íntegro o status quo dos donos das modernas senzalas.
Nenhum sistema que perde sua base social sobrevive. Isto é uma verdade comprovada empiricamente em toda história da humanidade. Quando o número de escravos elevou-se de tal modo que tornou impraticável a continuidade do sistema escravista, Roma, que parecia eterna ruiu, e através do colonato chegamos a um novo modo de produção, o feudalismo. Depois, com a evolução das forças produtivas, co mo alargamento dos mercados, com a expulsão dos agricultores do campo, o feudalismo foi perdendo a sua base social, e, por mais que a aristocracia usasse da força para manter suas posições, a falta de base social para seu sistema fez com que o Capitalismo tornasse sistema dominante. Hoje vivemos o mesmo processo dentro do Capitalismo. O Capital deixou de ser um estímulo ao avanço das forças produtivas e hoje a extração de mais valor, de mais valia, do ser humano, passou a ser um entrave para a continuação das relações de produção. Com o predomínio do trabalho morto sobre o trabalho vivo, do capital constante sobre o capital variável, em níveis cada vez maiores dentro das unidades fabris, o capitalismo vai criando sua cova, a contradição antagônica sem solução dentro dos marcos do sistema do sistema de mercado sem mercados.
Se o capital fordista caraterizava-se pela ocupação intensiva da mão de obra, com uma participação grande do capital produtivo, do capital variável no produto final, com isto os operários financiando o próprio sistema e recebendo benesses desta simbiose, desta troca, contrariando na prática aquele aforismo escrito no Manifesto do Partido Comunista: “os operários nada tem a perder, senão suas cadeias”; o capital da automação, o moderno capital toyotista, caracteriza na predominância cada vez maior do trabalho morto sobre o trabalho vivo, por um desemprego crescente, por criações de válvulas de escape fantasistas, de ocupações artificiais para tentar contornar-se a crise incontornável, pelo ataque às conquistas da fase áurea do movimento operário para se garantir a reprodução ampliada do capital sobre uma base cada vez mais estreita. Gera uma pauperização e marginalização crescente que não pode ser revertida. Não há promessa de emprego, de ocupação para a maioria das pessoas das novas gerações. Serão os “desempregados estruturais”, gente sem função, ocupação, sem lugar e sentido num sociedade que valoriza as pessoas exatamente pelo lugar que estas ocupam nesta máquina de moer gente e fazer loucos.
Vamos gerar loucos numa profusão nunca dantes imaginada. Pessoas das quais cobramos que sejam “gente” a partir de suas ocupações dentro do Capital, mas para as quais cada vez, numa maior intensidade, menos haverá ocupações onde reproduzir a vida através do valor. É exatamente por esta razão que o Capital não consegue acabar com as grandes frentes de prostesto populares proletárias, armadas ou não. Das FARCs ao Exército Zapatista, passando pelo Movimento dos Sem Terra no Brasil, aos Movimentos Indígenas no Equador e Peru, aos Piqueteiros na Argentina, o que fica claro para estas massas que começam a se movimentar e convulsionar o continente é que para eles não há saída dentro do Capital. O Capital não pode reproduzir a mais importante ferramenta de trabalho do sistema, o SER HUMANO. Estes proletários paupérrimos, jogados fora do sistema para si são uma classe em si, no sentido que Marx colocava. Eles não têm interesses pessoais que contraditem os interesses de outras classes, não querem benesses, melhorias ou privilégios. Necessitam para sobreviver reorganizar de tal modo a produção de forma que todos tenham acesso aos produtos pertencentes à toda humanidade, sem exclusão, exceção. E isto é impossível dentro dos marcos do Capitalismo.
Esta imensa massa proletária miserável não tem outra saída para sua sobrevivência do que reorganizar de baixo a cima a sociedade, ferindo de morte uma organização social que mata o ser humano para continuar a sua sanha irracional de desbarato de todos os recursos do planeta, de destruição da natureza, da nossa nave espacial em que todos vivemos, só para não perder o controle da senzala.
Por isto, neste momento, novamente se coloca na pauta do dia a ruptura radical visando a uma sociedade do desfrute. Não podemos reproduzir os erros de uma tentativa socialista que colocou como parâmetro de desenvolvimento socialista a taxa de produção de aço. Temos a necessidade de revolucionar o homem de forma humanista. Fazer a crítica revolucionária radical da sociedade capitalista, através de uma classe, o proletariado, que não têm nada a perder senão suas cadeias, tem o novo mundo a ganhar, para inaugurar uma nova era.
Se esta classe em si, que não pode se libertar sem libertar toda a sociedade, tomar o poder, não pode repetir a lógica do Valor, do trabalho compulsivo e neurótico, esvaziador do ser humano, se não quiser condenar sua tentativa socialista ao fracasso. A passagem do reino da necessidade para o reino da liberdade não ocorrerá sem uma crítica QUALITATIVA DA PRODUÇÃO, sem que a humanidade pergunte não somente como produzir mas sim o que produzir e para que produzir. Ao contrário da lógica do Capital, que pretende manter de forma indefinida o crescimento perdulário da produção em que pese que, por exemplo, o aumento indiscriminado da produção de automóveis possa matar a terra envenenada, a nova sociedade socialista nascida dos escombros do Fetiche da Mercadoria, tem que subsumir a produção à necessidade humana de desfrute da vida.
Abolir o trabalho, este conceito que parece tão complicado, mas é tão simples, tem de ser o objetivo da esquerda radical, que necessita para renascer e incorporar este movimento social de protesto crescente livrar-se da lógica do falso marxismo, ou marxismo vulgar. A questão não é pura e simples de repartição, é de rasgar de alto a baixo o véu que encobre a escravidão burguesa e colocar claramente a atualidade da necessidade de uma transição radical para uma outra sociedade. A retomada da dialética, da teoria dos saltos, de se entender que a acumulação quantitativa tem de levar a saltos qualitativos, a rupturas que criem todo um mundo novo. Que é impossível remendar a roupa velha desta sociedade imprestável, de que o rei Capital está nu, e que agora lhe será impossível enganar muito mais tempo a grande maioria da humanidade condenada a fome, a miséria e a escravidão crescentes dentro desta crise que é um beco sem saída. Poucos, muito poucos são aqueles que podem tirar alguma benesse ainda dentro deste sistema. E mesmo estes, se tiverem um pouco de sensibilidade e conseguirem enxergar o incrível desastre social e ecológico que significa o Capital hoje em dia, vão se juntar, para bem de seus filhos e do restante das futuras gerações à crítica radical que visa na prática revolucionar e acabar de uma vez para todas com a escravidão assalariada.
Mas voltando ao nosso conceito de trabalho. Em Marx o conceito de trabalho tem dupla classificação. Ele é lato sensu: “A CONDIÇÃO NECESSÁRIA DE VIDA IMPOSTA PELA NATUREZA AO HOMEM”. Este trabalho não será abolido em nenhuma sociedade humana. Nossa língua não tem a duplicidade que outras têm, onde se diferencia, por exemplo no inglês, work e labour. A dialética marxista, onde as categorias sucedem-se no tempo de acordo com as transformações sociais reais, diferencia trabalho e trabalho. O trabalho como relação com a natureza, como reprodução da vida humana, perdurará. Todavia o “Labour”, o trabalho compulsivo, inaugurado com a propriedade privada dos meios de produção, este deve ser ABOLIDO.
Ao criticar a sociedade da gens, em “A Origem da Propriedade Privada, da Família e do Estado”, Engels demonstrava que não tinha sentido perguntar a um índio se pescar ou caçar era um trabalho. Ele simplesmente não tinha esta separação, não tinha uma compulsão externa, uma organização que tirasse dele um trabalho que lhe fosse exterior e vazio. Caçar, pescar, coletar frutos eram atividades prazerosas donde, ao mesmo tempo que ele tirava seu sustento, ele dava sentido a sua existência. Somente com a criação do Estado, com a divisão da sociedade em classes pode se criar uma máquina de extração de trabalho compulsivo, o trabalho no sentido que Marx dizia que devia ser abolido.
Marx não previa uma volta ao comunismo primitivo. Ele sabia que numa sociedade assentada sobre a carência, não poderia se organizar de uma forma superior uma sociedade igualitária, onde os seres humanos poderiam desenvolver todas as suas habilidades. Marx previa a morte do trabalho compulsivo, daquele localizado exteriormente ao homem, numa sociedade onde a produção fosse organizada de forma que não houvesse nenhuma carência, que de todos fosse tirado segundo sua capacidade e a cada qual fosse dado segundo sua necessidade. Mas uma sociedade mudada, cria homens mudados e necessidades distintas. Aí é que entra a discussão da sociedade do desfrute.
Na sociedade capitalista, como bem observou Marx, o trabalho é apenas uma parcela ínfima da atividade humana. Uma parcela miserável, agoniante, esclerosada, alienante e brutal. Com a abolição do trabalho compulsivo como norma da sociedade é possível se organizar a produção e a sociedade de forma que as pessoas prestem serviços à sociedade por no máximo três horas e tenham todo o restante do dia para o desfrute. Da arte à simples preguiça, dança e pintura, esporte ou o simples ato de dormir, ou o prazer sexual, numa sociedade liberta do PRECONCEITO DO TRABALHO, é possível fazer com que os bens, os frutos coletivos da produção cheguem a todos os seres humanos sem distinção e que não haja mais estratificação dos homens por seus bens.
À sociedade compulsiva do trabalho temos que lutar para que se siga a sociedade coletiva do desfrute, do prazer social, da humanidade organizada para que o homem seja realmente livre, não uma máquina absurda de produção de valor, que gasta quase o tempo total de suas horas acordadas trabalhando ou aprimorando (trabalhando de forma indireta) sua força produtiva. Uma loucura que cria seres parciais e insensíveis. Escravos da máquina, escravos dos produtos para os quais trabalha, escravos de uma mentalidade que hoje ameaça de forma gravíssima o futuro próximo da humanidade e de nosso planeta.
Só com a retomada humanista da crítica radical a sociedade do valor, a crítica do Capital como sistema alienador e castrador do homem, será possível recriar um movimento socialista hegemônico, necessário para disputar corações e mentes dos povos, dos proletários de todo mundo, nesta luta pela sociedade do desfrute, contra a compulsão do trabalho. Luta que significa para cada um de nós a possibilidade de haver futuro para a grande maioria da humanidade.
SOCIALISMO OU BARBÁRIE!
Venceremos!

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