O ódio ao Flamengo se assemelha muito ao ódio contra Lula.
Roberto
Ponciano
Tenho certeza que este artigo despertará
dois ódios. O do povo da esquerda, anti-flamenguista, que efetivamente, não
gostará de ver seu ódio irracional ao Flamengo comparado aos ódios da direita.
De outro lado, aos direitosos flamenguistas, que não gostaram de ver o Flamengo
ser comparado a Lula. Se eu tivesse medo a ódios e amores não seria comunista,
me declararia uma besta quadrada “apolítica”. Antes de entrar na questão do Flamengo
é necessário rebater um truismo bem chatinho. A de que o futebol é alienação é
o ópio do povo. 99% das pessoas que usam a frase de Marx “a religião é o ópio
do povo” nunca leram “Crítica da filosofia do direito de Hegel”, repetem esta
frase para tudo, como se efetivamente a política socialista fosse criar um país
sem futebol, sem carnaval, sem arte, sem alegria. Creem que tudo que não seja
política é “alienação” (outro conceito que não dominam), e querem um socialismo
muito esquisito, sem futebol, sem samba, sem carnaval, sem arte, sem alegria.
Não me confundo com estes é esta defesa é tão tosca, que efetivamente não é
necessário um longo texto para rebater este tipo de pensamento. É o povo que
confunde os times de futebol com as elites que os dirigem, sem identificar
estes clubes como entidades de paixão popular, de movimento de torcedores sem
nenhuma outra intenção que não seja a colocação da libido numa paixão não
sexual, assim como confundem as escolas de samba, instituições comunitárias,
com os patronos contraventores. Sem entrar nesta polêmica, vou direto ao
assunto.
O ódio ao Flamengo se nutre da mesma raiz
do ódio a Lula. É o ódio ao clube mais popular, mestiço, negro do país. A prova
disto é que as outras torcidas, todas, quando querem sacanear a torcida do
Flamengo cantam, “favela, favela, silêncio na favela”. Ou se referem a nós como
urubus. O urubu é uma referência à maioria negra da torcida do Flamengo,
torcida é claro, de todos os segmentos sociais, mas efetivamente a mais negra e
com maior número de favelados também. Assumimos o urubu, Henfil, socialista
convicto, tornou o xingamento, nosso mascote. Temos orgulho de sermos negros e
favelados. Assumimos a favela, cantamos nas vitórias, “favela, favela ,festa na
favela”. Este ódio de direita e de elite ao Flamengo, tem sido “racionalizado”
por alguns setores da esquerda tentando mostrar que na verdade o Flamengo seria
o time das elites, ou da Globo.
Por mais chata que seja a tarefa, é
importante rebater isto, porque uma mentira, dita mil vezes, acaba por se
tornar uma verdade “Goebbels’.
O Flamengo, com certeza, não foi fundado
por nenhum global, até porque a fundação do Flamengo, em 1895, é muito anterior
à da Globo. E não, também não foi fundado por “rapazes da elite”. O bairro do
Flamengo, em 1895, não era um bairro da elite carioca, na verdade,
historicamente, a elite tinha se fixado no Centro e em São Cristóvão, e
começava timidamente uma migração para a Zona Sul. O Flamengo era um bairro
muito mais de classe média que da elite carioca e fluminense. A história da
fundação esta ligada a rapazes boêmios que se reuniram e decidiram comprar um
barco para rivalizar com os rapazes do Botafogo, o barco de terceira mão, foi
reformado e naufragou. Bem, as péssimas condições da primeira embarcação do Flamengo
bastam por si para contraditar qualquer ideia de clube “fundado pela elite”. É
bom lembrar que o remo era o esporte popular, e não o futebol. O futebol era um
esporte de elite, assim como o cricket, as regatas é que atraíam multidões para
a Baía de Guanabara. A popularidade do Flamengo vem do remo, antes mesmo do
futebol, que só vai se popularizar bem depois. Então, a ideia de um clube de
elite, desde a sua fundação, é fácil de ser descartada.
Já o futebol no Flamengo acontecer a partir
de uma dissidência do já elitista Fluminense. Boa parte do time campeão briga
com a direção e sai para o Flamengo, para fundar o departamento de futebol, que
já nasce forte, tanto que disputa o primeiro campeonato carioca em 1912 e já é
bicampeão em 1914 e 1915. O futebol do Flamengo era elitista? Sim, e no
Fluminense, no América, no Botafogo. Os único times de futebol populares da
época eram o Bangu e o extinto Andaraí, o Bangu já tinha jogadores negros da
fábrica de tecidos. O futebol era um esporte praticado por brancos, filhos da
elite, de forma amadora. Ele se populariza e passa a ser praticado pelo povo
negro e mestiço brasileiro só depois.
Daí vem o segundo truísmo, que algumas
pessoas da esquerda antropomorfizando algo que não aconteceu transformam em
truísmo. Os racistas e elitistas Fluminense, Botafogo e Flamengo teriam lutado
contra o democrático e operário Vasco da Gama. Esta visão romântica da história
do futebol no Rio de Janeiro vem muito dos artigos do excelente Mário Filho, o
irmão do Nélson Rodrigues, que no seu livro “o negro no futebol brasileiro”,
romantizou a questão, que está bem longe de ter sido uma luta contra o racismo.
Na verdade o primeiro clube a escalar negros no Brasil foi a Ponte Preta,
aliás, desde a sua fundação, bem antes de os times do Rio pensarem em escalar
um jogador negro. No Rio, o primeiro clube a escalar um jogador negro foi o
Bangu, ainda em 1905, com Carnegal. Botafogo Futebol Clube (extinto), o fez em
1908, o Fluminense, fez em 1915 e o Flamengo em 1917. O Vasco só cria um departamento
de futebol em 1915, toma no primeiro jogo de 10 x 1 do Palestino e só disputará
a primeira partida na primeira divisão em 1923 (não havia ascenso e descenso,
primeira e segunda divisão eram organizadas de acordo com o regulamento da
época, de acordo inclusive com a força dos clubes). Assim, até 1922 o Vasco não
tinha uma estrutura no futebol capaz de rivalizar com Botafogo, Fluminense e
Flamengo, a solução?
“Mas onde o Vasco entra na história? O clube originário da
colônia portuguesa já disputava regatas desde 1898. Este sim, era o verdadeiro
esporte das “multidões” aqui no Rio de Janeiro em fins do Século XIX/início do
XX. Em 1915, resolveu também criar um time de futebol. As primeiras
participações, com a equipe integrada por membros da colônia, tiveram
resultados pouco animadores: derrota de 10 x 1 para o Paladino, no primeiro
jogo.
Os portugueses que patrocinavam o time viam entre os seus
empregados negros, nos muitos armazéns de secos e molhados, vários com bastante
habilidade desenvolvida no trato com a bola. Os lusos pagavam um “por
fora” aos seus empregados negros para disputarem os jogos com a camisa do
clube. Até os deixavam treinar, aliviando a jornada de trabalho deles. Isso por
volta de 1920.[1]
Bem, resumindo, o mito da democracia racial
do Vasco é apenas um mito. O Vasco era um clube elitista como os demais, o que
o Vasco fez foi escalar um time com pé-de-obra negro, e depois lutar para
garantir que seu ótimo time fosse aceito pelos demais. O que não deixa de ser
progressista, mas que entra muito mais na história da luta do profissionalismo
contra o amadorismo do que na luta contra o racismo no futebol. Basta procurar
nos documentos da época, e se vê que não há nenhum manifesto contra o racismo,
que, aliás, não era uma luta que os clubes faziam na época. Efetivamente pode
se relacionar a luta pelo profissionalismo à luta pela emancipação do negro,
mas dizer que efetivamente foi esta luta é uma história contada a posteriori
com ares de verdade.
Então, afastados os mitos de que o Flamengo
foi criado por uma elite, ou que o Flamengo era um clube de elite que lutava
contra o democrático e progressista Vasco da Gama, podemos avançar um pouco
mais na história para tentar entender porque o Flamengo carrega tanto ódio.
Paixão não se explica, difícil entender como, dos quatro grandes da cidade, foi
o Flamengo que acabou sendo o preferido. Não pelos títulos, o Fluminense os
tinha em maior número, o Botafogo talvez tivesse os mais marcantes. O fato é
que foi se fixando a mítica de que o Flamengo era um time popular e crescendo a
torcida do Flamengo exatamente, em maior número nas camadas mais pobres da
população. Aí há um fenômeno muito interessante, de retroalimentação. O
preconceito por o Flamengo ser um time de pobres, de negros, retroalimentou a torcida
do Flamengo, fazendo que muitos pobres, negros, favelados, preferissem suas
cores.
Outros mitos são relacionados ao Flamengo.
Tirei um tempo para tentar rebater um a um. Um diz que “o Flamengo foi o time
da ditadura militar”. Já escutei várias pessoas de esquerda dizerem isto. Ao
contrário do Real Madrid, que até um estádio (o Santiago Bernabeu) ganhou de
Franco, o Flamengo nunca foi beneficiado por nenhum governo militar. O fato de
ditadores de plantão assistirem jogos do Flamengo, para tentarem se mostrar
populares, prova tão pouco quando o fato de José Serra assistir a um jogo do
Palmeiras, ou Lula assistir a um jogo do Corinthians. O Flamengo fez um jogo,
em 1979, pelas vítimas das enchentes no Maracanã, contra o Atlético MG, com a
renda revertida para estas vítimas, com a presença do General de plantão. Isto
prova… nada, absolutamente nada. Nenhum benefício, nem um acre de terra, nenhum
financiamento, nenhuma facilidade, nenhum envolvimento. Aliás, a FAF, a Frente
Ampla pelo Flamengo estava permeada de comunistas e socialistas, como Henfil e
o Flamengo lançou a Fla Anistia que foi recepcionar vários exilados nos
aeroportos.
Por último a mais tola de todas as
afirmações. “O Flamengo é o time da Globo” porque Roberto Marinho era
flamenguista. Dizer isto é dizer a mesma bobagem que alguns idiotas da direita
dizem, “o Corinthians ganhou a arena de presente do Lula”. As duas patetices
são do mesmo soez. Sim, ao que me consta, não só Roberto Marinho, como seus
filhos são flamenguista, e isto não significa… nada! O Flamengo nunca teve uma
vantagem indevida ou foi beneficiado pela Globo. É verdade, a FAF tinha um
diretor da Globo, Walter Clarck e o Flamengo recebeu nenhum centavo por isto.
Não foi uma relação como é da CREFISA com o Palmeiras, na qual a empresa
patrocina e injeta dinheiro no clube por causa da preferência clubística dos
seus donos, o Flamengo NUNCA RECEBEU UM CENTAVO DA GLOBO.
Apressadamente, alguns vão dizer que sou
maluco e mentiroso. Nem uma coisa e nem outra, direito de transmissão é pagamento
pela imagem do Flamengo. O Flamengo recebe da Globo por direitos que são seus.
Aliás, o Flamengo é duplamente pioneiro nisto, inimigo dos poderes
estabelecidos desde sempre, isto inclui CBD e CBF, o Flamengo foi o primeiro
clube do Brasil a enfrentar a Globo e exigir que fossem pagos os direitos de
transmissão dos jogos. [2]
“O esquema
em vigor no final dos anos 1970 era o seguinte. A antiga TV Educativa, que era
a emissora oficial, tinha o direito exclusivo de captar as imagens dos jogos e
enviar o sinal para as emissoras privadas. Ou seja, a Globo, que comercializava
aquele sinal gratuito da TV Educativa, ganhava dinheiro, e os clubes não
recebiam nada. (…) Quando assumi a presidência do Flamengo, a participação dos
clubes e dos jogadores já era regulamentada, embora de forma talvez incipiente,
pela Lei 5.988, de 1973, que introduziu o conceito de direito de arena no
Brasil. Segundo o texto do dispositivo legal, pertencia às entidades de prática
desportiva o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão
de imagem de espetáculo ou eventos desportivos que participem. Acontecia,
porém, que essa lei nunca havia sido cumprida.
Desde o dia 1o de novembro, tentávamos negociar com a
Globo uma fórmula que beneficiasse tanto o clube quanto a emissora. O fato é
que, no final das contas, fracassamos na nossa negociação, não conseguimos
comercializar a partida. Aí, só nos restava recorrer à justiça para fazer
cumprir a lei. E foi o que fizemos. (…) Nossa reivindicação era a mais justa do
mundo, e exatamente por isso não tivemos dificuldade de obter uma decisão
favorável à nossa causa. Segundo o despacho do juiz, já que o produto não tinha
sido comercializado, não podia ser transmitido. E assim nos concedeu o
interdito proibitório que tínhamos solicitado, vetando o ingresso do
equipamento da TV Educativa no Maracanã.
Além dos dirigentes do clube, oficiais de justiça e
policiais se postavam em torno do estádio para impedir a entrada dos
funcionários da TV Educativa com seu maquinário. E a lei foi cumprida, eles não
entraram mesmo! Reconheço que acabamos com a festa televisiva. Frustramos
milhões de telespectadores em todo o país que queriam assistir ao Fla-Flu. E a
imprensa também. Jornalistas brigando, me xingando, uma confusão danada. Mas ao
mesmo tempo tínhamos consciência da importância daquele gesto histórico para os
esportes no Brasil.
O que posso dizer é que a terra tremeu naquele dia.
Primeiro, porque estávamos mexendo com os donos do poder pois a TV Educativa
era do governo. E depois, com o dono da TV Globo, que àquela altura era tão
poderoso quanto os militares que mandavam no país.
A contrário sensu do que se diz, o
Flamengo, que foi oposição à CBD, comprou a briga com a Globo e ganhou, o que
inaugurou a era de recebimento de direitos de arena pelos times no Brasil.
Então, o que a Rede Globo vem pagando ao Flamengo, e aos outros clubes desde
então, vem de uma luta liderada pelo Flamengo e não é “dinheiro da Globo pago
ao Flamengo”, mas uma pequena quota-parte do que a empresa fatura ao vender a
imagem que é do clube. Portanto, fora isto, não há nenhum “beneficiamento” do
Flamengo pela Globo, até porque, o Flamengo nunca foi beneficiado em campo por
nenhum esquema da Globo, como o vitimismo, junto com o ódio de alguns teima em
inventar. O Flamengo lutou contra a Globo e a CBD em 1977; O Flamengo lutou
contra a CBF em 1987 e inaugurou a era da modernidade no futebol brasileiro,
com a fundação do Clube dos 13. O Flamengo pagou caro por esta ousadia.
Enquanto Ricardo Teixeira inventou e dividiu títulos de papel entre clubes por
campeonatos brasileiros que nunca forma disputados, o Flamengo é até hoje
punido pela ousadia em 1987. No contrato, em que os próprios clubes geriram o
campeonato brasileiro, todos os clubes foram beneficiados e receberam direitos
de imagem, patrocínio e até passagem aérea. Aliás, todos não, o Flamengo não
foi patrocinado pela Coca-Cola, patrocinadora da Copa União pela Globo, que
bancou todos os times, menos o Flamengo, porque este tinha contrato próprio. De
verdade, em 1987, todos os times foram bancados pela Globo, menos o Flamengo,
que só recebeu direitos de imagem.
Estranho time da Globo que nunca recebeu
patrocínio da emissora!
Um último argumento sobra, talvez contra o
Flamengo, para provar que ele “é o time da Globo”, já que, ser o time das
elites, ou o time da ditadura militar, já conseguimos provar que é uma ilação
sem provas. O que alguns dizem, para “provar” que o Flamengo é beneficiado pela
globo é “O Flamengo e o Corinthians recebem muito mais do que os outros clubes
e são contra a igualdade das cotas”. Bem, comecemos pelo final. Os outros
clubes não querem igualdade de cotas, querem receber como o Flamengo recebe. O
Vasco não luta para que Vasco e Atlético Goianiense recebam uma cota como a do
Flamengo, luta para receber uma cota igual a do Flamengo, e quer que o Atlético
Goianiense se lasque. Esta é a grande verdade. A questão é bem outra, o direito
de imagem, tanto na TV aberta, quanto na fechada está ligada à audiência.
Partindo deste pressuposto o Flamengo recebe muito menos do que vale. A atual
equação para pagamento de cotas é tríplice, ligada a um índice técnico de
colocação no torneio, mais uma cota em faixas de ibope, mais uma cota fixa.
Sim, o Flamengo recebe a mais, não o Flamengo não recebe muito a mais com
relação ao que gera de receitas para a TV. Só a título de comparação, o jogo
Flamengo x Fluminense na decisão do carioca de 2017 teve um Ibope de 60% das televisões
ligadas no Rio de Janeiro, o de Vasco e Botafogo, em 2016, não chegou a 35%. Os
valores que o Flamengo recebe a mais são muito menores do que o que valem pela
exposição que a marca provoca. Fingir não entender isto é apenas se
infantilizar para continuar a gritar “o Flamengo é o time da Globo”, e pensar
conseguir convencer alguém. E muito de ódio de classe, o mesmo que afeta Lula,
por o Flamengo ser um time popular, negro e favelado, disfarçado num discurso
pseudo-esquerdista que muge “o futebol é o ópio do povo” ou a bobagem de “o
Flamengo é o time da Globo”. Dois mitos, fáceis de serem descartados.
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