terça-feira, 23 de agosto de 2011

Saudades de Sérgio Porto


Alto, forte, bonito, inteligente, bem falante, bom copo sem beber muito. Profundo conhecedor da música popular brasileira. Amante de samba, sambão do morro de crioulo da favela, e de jazz (amantes de belíssimas mulheres, também, é grande verdade). Culto, engraçado, pândego, boêmio, simpático sem ser servil. Ele conseguiu transitar livremente pela esquerda sem nunca ter sido de esquerda, embora seu temperamento lembrasse muito aquela figura anarquista do tipo, se hay gobierno soy contra. Sérgio Porto, Stanislaw Ponte Preta e mais um dos nomes que ficam apagados para a nova geração sem memória de um país que a cada dia vai substituindo seus grandes vultos por personagens histéricos e constrangedores.
De um tempo em que para fazer humor se necessitava de inteligência e de cultura, Sérgio chegou a trabalhar com o mestre dos mestres, Aparício Toreli, nosso querido Barão de Itararé. Viu que tinha verve para a coisa e desandou a escrever, criar, divertir e se fartar de trabalhar, até o dia em que teve de pedir demissão de um seguro emprego no Banco do Brasil para cair na roda-viva do mundo da então iniciante mídia. Sagaz, num tempo em que a TV ainda tinha alguma qualidade, Sérgio aí já cunhou uma das suas frases imortais que mais parecia uma previsão: “A televisão é o maior invento da humanidade a serviço da imbecilidade humana”. Naquela roda-viva que era a TV, Sérgio conseguia sobreviver, fazer graça com humanidade, dignidade, fazendo a crônica crítica humana desta cidade que ele amava.
Tia Zulmira, Primo Altamirando, Stanislaw Ponte Preta, seres mitológicos que deveriam ser recuperados para nossa atual geração yuppie, para incorporar um pouco de graça, inteligência e humanidade à essência desta nova geração. De um tempo em que a noite ainda não estava loteada entre os “promoters” (como estes imbecis se autodenominam), Sérgio é cria de uma geração onde era possível cruzar com Tom Jobim, Vinícius, Antônio Maria, Elizeth Cardoso, Aracy de Almeida, entre outros, livremente pela noite do Rio, tocando, fazendo graça, dando sentido à boêmia e escrevendo o itinerário poético de uma cidade que ainda teima, em alguns cantos como a Lapa, em tecer e conservar um pouco da poesia que é marca de sua verve.
Esquecido pelos céticos e sectários, Sérgio todavia, foi um dos intelectuais que, a sua maneira individual, anarquista, mais ridicularizou a ditadura. Seu imortal FEBEAPÁ hoje, no mundo das celebridades semianalfabetas viraria enciclopédia Barsa... Afinal, que frase cunharia o mestre ao assistir o show de atrocidades da TV, ele que imortalizou outra, atualíssima: “Se você acha que a programação da semana da TV é ruim, é porque ainda não assistiu a do fim de semana”...
E assim seguia sua vida, este homem incomum, poesia em pessoa, aqueles anjos redivivos laicos, como Vinícius, capaz de acordar já batucando seus textos na sua máquina de escrever ao som de um samba ou de um jazz de Armstrong, do qual falou, “se o jazz fosse o sistema solar, Armstrong seria o sol!”. Excepcional frasista, quiçá o melhor do Brasil e um dos melhores do mundo, que frases cunharia ele para esta fase catastrófica de nossa música, ele que foi capaz de ironizar a Tropicália nestes termos: “Quanto mais eu escuto a moderna música baiana, mais eu gosto de Dorival Caymmi”. Que diria ele então da atual Bunda Music?
Politicamente incorreto, língua ferina, mordaz e picante, Sérgio era capaz de atos de desprendimento incríveis para ajudar um amigo caído, reza a lenda que ele fora o redescobridor de Cartola, no mitológico Zicartola. Era um amor de pessoa, embora com seu porte de atleta, era incapaz de cometer uma grosseira, embora seu biógrafo nos fale de um tiro na bunda de um marido traído, depois de tomar a arma do corno enfurecido. Uma história não confirmada, mais uma das lendas que cercam o mito do homem que encantava as mais belas mulheres do seu tempo, mais com sua inteligência, fineza, delicadeza, encantamento do que propriamente por sua aparência.
Capaz de arrancar graça até de um Botafogo X Fluminense, zero a zero (Sérgio era tricolor), jogo sem graça, onde um arquibaldo pulava, xingava, arrancava os cabelos, enquanto o resto da torcida nem bola dava para o jogo. Sérgio saiu com esta. “Este é capaz de fazer psiquiatra se masturbar de alegria”.
Leve, humano. Odiava poucas coisas, que eu tenha tido notícia, racista (que ele dizia, um racista devia ficar amarrado a outro até aprender a ser gente) e a Ditadura Militar (que dizem, teve influência na saída dele do Banco do Brasil), é de se pensar que frases e textos geniais Sérgio poderia criar no nosso Brasil de hoje... Com certeza daria um FEBEAPÁ 100, a saga da imbecilidade continua, com governadores tirando dinheiro da saúde para comprar voto com um copo de café da manhã; prefeito que troca calçada do município de quatro em quatro anos só para ganhar eleição e se elege só para dar porrada em camelô; deputado carioca que quer criar Associação de Ex-Gays, nos moldes dos alcoólatras anônimos, como se homossexualismo fosse doença; Presidente que virou ator exclusivo da rede globo de televisão (Bem que Sérgio disse que “Ninguém chega a Presidência da República impunemente)...
No meio de tanta imbecilidade na mídia e na política, com certeza Sérgio ia ter farto material para nos brindar com sua genialidade ímpar, que conseguia fazer da desgraça, graça; do infortúnio, material para o riso; da imbecilidade, o ridículo, e nos armava com o sarcasmo para rir daqueles que se acham por cima da carne seca, mas que no alto da falta de talento deles, são extremamente descartáveis em sua fama sem talento. Que falta nos faz, Sérgio Porto, nosso único e inigualável Stanislaw Ponte Preta. No nosso Brasil de hoje, se vivo nosso querido Stanislaw ia nos dar orgasmos múltiplos de risos.

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