Ano
Novo?
Estamos comemorando a entrada de um novo ano.
Comemorando o que? Que me perdoem os esperançosos da passagem do
ano, mas para mim, a entrada do novo ano é somente a mudança do dia
31 de dezembro para o dia 1 de janeiro, nada mais, nada menos do que
isto.
Há os que usam roupas brancas, para receber bons
influxos; há os que usam cuecas vermelhas, para ativar a
sensualidade e atrair namoradas; há as que usam calcinha rosa, para
romantizar o ano que entra e desencalhar; há os que comem lentilha,
para atrair prosperidade; há os que entram no mar para conseguir boa
sorte; os que tomam banho da primeira chuva do ano para lavar tudo de
ruim do ano interior.
E as promessas? No ano novo eu vou começar a dieta; no
ano novo eu vou estudar e passar no concurso ou no vestibular; no ano
novo eu vou arrumar um(a) namorado(a) e vou me casar; no ano novo eu
vou conseguir um novo emprego ou ir para um melhor; no ano novo eu
vou entrar na academia; no ano novo eu vou aprender inglês ou
espanhol; no ano novo eu vou ter uma atitude diferente na vida.
Rituais e promessas repetidos ano após ano e que, na
maioria das vezes, nada mais significam do que rituais e promessas,
superstições do ano novo, como não passar debaixo da escada ou não
cruzar com gato preto. No mais das contas, o patrão continua a
explorar o pobre coitado, o tímido não consegui conquistar sua
bem-amada, a gorda não deixa de assaltar a geladeira à noite, a
frígida continua sem gozar, o que sofre de ejaculação precoce
continua a ter medo de mulher e nenhum dos dois busca auxilio
psicanalítico; o desempregado não consegue colocação num mercado
de trabalho cada vez mais cruel, o curso de inglês fica para o ano
novo seguinte e a mesma cantilhena se repetirá no próximo reveillon
com a promessa de que “desta vez é para valer”.
Mas, o que estou fazendo, indo contra a esperança,
escrevendo um texto de mau agouro contra o ano novo? Dizendo que a
mudança é impossível? Nada disto, a esperança é o combustível
da vida, o que seria da humanidade sem a chama da esperança de dias
melhores. Só chamo a atenção de não se colocar a esperança onde
ela não está. Como dizia o saudoso Barão de Itararé (Aparício
Toreli), de onde menos se espera é donde não sai nada mesmo. A
esperança não está na virada de ano, ou nos rituais apoteóticos,
já que a pura e simples passagem do tempo nada traz, como diziam
dois de nossos maiores compositores (Chico Buarque e Geraldo Vandré):
“Ouça um bom conselho, que lhe dou de graça, inútil dormir que a
dor não passa, espere sentado, ou você se cansa, está provado,
quem espera nunca alcança” e “Vem vamos embora que esperar não
é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
A esperança não é um simples esperar e não se
alimenta de expectativas preguiçosas e superstições grosseiras.
Mudar cabe a cada um de nós, é da natureza do homem a possibilidade
e a capacidade de mudança. O revolucionar-se, o começar de novo, o
viver o primeiro dia do resto de sua vida, independe da data. Pode
ser 1º de janeiro, 15 de março, 23 de agosto, 8 de novembro, não
há uma data certa para isto. Tudo depende apenas e tão somente de
se buscar dentro de si mesmo as forças necessárias para encontrar
um novo caminho, o seu novo ano, pode ser em qualquer data, todo dia
pode ser seu reveillon. Mas esta mudança não está em nenhum ritual
ou superstição, pelo contrário, esta em uma série de atitudes de
esforço, sacrifício e abnegação que podem abrir novos horizontes
para a pessoa.
O tímido que sai de seu casulo para tentar conquistar
seu amor; a gorda que recupera seu amor-próprio e encara uma dieta
para deixar de ser rejeitada; a frígida e o homem que sofre de
ejaculação precoce que se reconhecem doentes e vão a um analista
para poderem usufruir do prazer e encontrar seus parceiros; o
alcoólatra que pede ajuda para se livrar da doença; o desempregado
que, tendo oportunidade, retoma seus estudos para conseguir novamente
voltar ao mercado de trabalho, tudo decisão humana, baseada na razão
e no esforço e não desígnios dos deuses, astros ou dos horóscopos
do ano-novo.
É possível uma alternativa na vida de cada um de nós,
mas ela está longe de passar pelas crendices do influxo do ano que
entra e sim na consciência e no esforço humanos, razão e emoção
em movimento.
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