terça-feira, 14 de março de 2017

Curso de Espanhol

sábado, 19 de março de 2016

Moro, Eichman e a banalidade do mal


O mais assustador no que está acontecendo no Brasil não é uma questão apenas política, e ver que em poucos meses, uma democracia que demorou 20 anos para ser reconstruída pode se esfumar. Alain Badiou deixou claro em sua obra, que a negligência, a omissão de quem tem o dever de atuar, dos intelectuais e militantes políticos diante de um Evento é imperdoável. Não é simples omissão, é cumplicidade, é criminoso. O assustador desta história é que o juiz Sérgio Moro não é um grande ator político, ao fim e ao cabo Moro é um Zé Ninguém (na acepção inclusive reicheana da miséria psíquica), um juiz de visão política turva, nenhuma envergadura intelectual, com inteligência limitada e visão zero de sociedade. Um mero Eichman, executor das ordens superiores. No momento não sabemos claramente de quem, mas efetivamente desconfiamos da cumplicidade. De certo, do próprio Jannot, o Procurador Geral da República, que deveria ter como dever ser o defensor da lei, mas tendo conhecimento dos pérfidos grampos de Moro, se não os autorizou, ratificou sua "legalidade".
O tragicismo tragicômico deste enredo e que nem um dos dois, nem Moro, nem Jannot tem qualquer dúvida que estão perpetrando uma ilegalidade. Os grampos nos telefones de Lula, Dilma, Jacques Wagner, Rui Falcão não tem nada que ver com a Lava-jato. Fariam corar de vergonha ou inveja os tribunais de exceção de nazista e o senador Joseph McCarthy. Ambos sabem que as escutas são ilegais e imorais e são claramente persecutórias de um partido. Hannah Arendt, ao acompanhar o julgamento de Eichman cunhou a famosa frase que é toda uma teoria "o mal é estrutural". O mal se torna banal quando um simples burocrata medíocre como Eichman é capaz de, sem sentir culpa ou remorso, fazer parte da engrenagem do mal.
Moro é Eichman, um burocrata medíocre, de passado obscuro e de futuro tenebroso. Não entra na história como herói, mas pela porta dos fundos, como um obscuro juiz camisa negra cujo único objetivo e despachar os vagões cheios de prisioneiros vermelhos. Para que o mal seja banalizado, como nos ensinou Levinas, é fundamental que o inimigo seja desumanizado. Em todos os julgamentos de tribunal de exceção, antes de tudo é necessário retirar a humanidade do outro. E para que não tenham dúvida, não estou falando só dos tribunais nazistas e fascistas, o mesmo simulacro de tribunal foi usado nos julgamentos de Moscou e em outros tribunais "revolucionários" que não julgaram os indivíduos e seus crimes, mas suas ideias.
Moro não está investigando nenhum crime, seus atos deixaram de ter qualquer resquício de legalidade há muito tempo, e ele não se importa em autorizar gravações ignóbeis e as ceder (sabe-se lá em que condições) a maior rede de conspiração do Brasil (a TV Goebbels), que precisa repetir uma mentira mil vezes para que ela se transforme em verdade.
Assim, assassinam-se as garantias legais. Nenhum de nós é santo, se grampeassem meu telefone, não sei se iria primeiro para a cadeia ou primeiro para o inferno. Numa sociedade falso pudica (uma das características mor do fascismo), até os palavrões ditos em confidência são liberados para um "objetivo maior". Desumanizar o adversário. Para que o terror fascista prevaleça é necessário que o adversário seja um cão, uma besta leprosa indesejável, que deve ser chutada e cuspida na rua. Os vermelhos, socialistas, comunistas. E não precisa ser socialista ou comunista, na sanha fascista do mal, quem estiver contra o fascismo já ganha sua adesão incondicional às ideias deste inimigo imaginário.
E tenho bastante moral para gritar contra isto. Quando se começou o linchamento moral de FHC, pelo suposto filho "ilegítimo", escrevi pequenos textos dizendo que assim nos igualávamos às idiotices do "sítio do Lula". Como democrata, como socialista, não me interessam as aventuras amorosas de FHC e o que aconteceu com a vida dele. Nem mesmo se ele tem um apartamento em Paris. Este é o cretinismo do pensamento. não se constrói debate democrático e ideais firmes para um embate político sério assim. Posso sim falar de FHC que ele agora é cúmplice, quando tinha o dever de falar, vítima de 1964 que foi, quando o partido fundado por ele embarca na aventura de um golpe de Estado.
No meio desta tragédia os "inocentes". Membros da classe média que se pretendem imparciais, mas que com usa imparcialidade fazem coro às indecentes violações dos direitos humanos, da privacidade, do vale-tudo. Que correm para futricar as conversas privadas dos PeTistas (estas bestas-feras inimigas da humanidade), sequer se partindo da prévia que estas gravações são criminosas. Tudo tirado do seu contexto e repetido ad nauseam para causar o efeito que está causando. Uma parte da classe média imaginada e pedindo "justiça' a quem rasgou seu papel de defender a justiça, e outra aderindo à barbárie fascista e agredindo pessoas que julgam adversárias na rua. O povo do "vai para Cuba". São duas faces da mesma moeda. Assim como a classe média alemã que foi cúmplice e beneficiária do nazismo e só abandonou o sonho do "Reich de mil anos", quando os aliados começaram a bombardear as cidades alemãs. Não há perdão para esta cumplicidade e covardia.
Cumplicidade e covardia ainda maior de parcela de "esquerdistas" que num momento de transe histórico e de risco de regressão sonham que estão às portas de uma Revolução e que Brasília é o Palácio de Inverno. Quixotescos traidores da democracia, serão os primeiros a serem vitimados.
Vivemos um momento de terror e transe, os próximos dias serão de confrontação de dois campos em disputa pelo futuro do país. Um dos campos tem o juiz medíocre Moro, o conspirador geral da República, Rodrigo Jannot, tem Bolsonaro, Malafaia, Feliciano. A junção do que há de mais perverso é uma ameaça de morte à inteligência. Um momento tão grave, que a maior oferta de cursos universitários não gerou uma juventude com ideias mais avançadas capaz de defender a democracia e a liberdade. No local em que eu trabalho, servidores concursados usando trágicas camisas pretas entoarem gritos de guerra pró Moro, com juízes que só pensam no próprio umbigo. Os três estagiários jovens do local em que eu trabalho admiram Bolsonaro e duas disseram que preferem votar em Bolsonaro a votar em Lula. A mentira dita mil vezes cria um Zeitgest de espírito do tempo às avessas. Jovens de classe média ou baixa, que passam a acreditar no fascismo como redentor do nada, como redentor do caos que ele mesmo cria.
Não, não está ameaçado somente o Governo como um reles funcionário de quinta categoria, nosso Eichman dos tempos hodiernos, Sérgio Moro, é capaz de liberar os trens para os campos de concentração e tornar uma nação inteira refém dele. Quando um juiz de uma vara de primeira instância consegue poderes absolutos através da cumplicidade da PGR e da chantagem ilimitada e se coloca acima da Presidente eleita legitimamente. A possibilidade de uma ditadura tecnocrata de burocratas torpes, míopes e obtusos, sem pauta social, sem projeto e no meio do caos de um país dividido é uma ameaça à todos os democratas.
Só há um remédio. Temos que ir para as ruas e vigiar.
Os fascistas não passarão!
Devemos defender a democracia pela qual nossos pais sofreram prisão, exílio, tortura e morte e derrotar o fascismo.
Não consigo imaginar viver num país onde qualquer Eichman de Curitiba possa golpear uma nação inteira!
Roberto Ponciano é Mestre em Filosofia/Ética, em Letras Neolatinas e Especialista em Economia do Trabalho.

domingo, 17 de janeiro de 2016

Um carioca bairrista

Um carioca bairrista.

Sou um carioca assumidamente bairrista, não xenófobo, nem etnocêntrico, bairrista. Não acredito que os cariocas sejam mais malandros, ou melhores do que ninguém. Mas se eu pudesse escolher mil vezes onde nascer (parafraseando Neruda), mil vezes eu escolheria o Rio de Janeiro, se eu tivesse mil vezes que morrer, morreria no Rio de Janeiro. Vira e mexe vejo alguma pessoa que não faz sexo há muito tempo falar mal do Rio (sim, para falar mal desta cidade o sujeito ou a "sujeita" passa por algum momento de prolongado jejum sexual), dizendo que se puder vai para Miami, Paris, Quixeramobim ou Campos dos Goytacazes. Em geral eu escuto a pessoa mal amada de forma silenciosa, raramente discuto. Mas, confesso, algumas 5 ou 6 vezes já quebrei o pau pelo Rio de Janeiro.
Cidade violenta? Verdade, que cidade grande do mundo não é violenta? Pasárgada? A violência não tem nada que ver com o genes do carioca, tem que ver com uma herança de décadas de uma ditadura militar que fez crescer o bolo para depois repartir e não repartiu. Aliás, o bolo (o PIB), só começou a ser repartido a partir de 2002 no governo Lula. Cidades inchadas, sem planejamento geraram favelas e os idiotas do senso-comum. Uma das maiores barbaridades senis dos idiotas do senso-comum e sair vociferando como um insano "a culpa da violência no Rio de Janeiro é do Brizola", simplesmente porque o Brizola tentou defender os direitos humanos e tratar favelado como gente. A tumultuada e altamente populosa cidade do Rio de Janeiro, com sua difícil geografia que amontoa no mesmo espaço ricos e pobres, coloca a violência e a pobreza mais visível. No Rio a pobreza está na periferia, mas não só na periferia. Está em Copacabana, está no Leblon, está em todo o canto, no morro, vizinha da elite. Isto dá uma ideia de que a pobreza e a violência são mais presentes porque a exclusão são mais palpáveis. Cidades em que os pobres ficam bem longe de sua área rica, como Curitiba ou Porto Alegre, dão a tola ilusão de que os pobres ali não estão, tola ilusão, ledo engano. Como a violência acontece na periferia, longe dos olhares dos ricos, ela não existe.
O "carioca não trabalha", outras das barbaridades que ouço continuadamente, e que mostra não só preconceito, mas incompreensão da alma do carioca. O bar é o templo do carioca. No bar se discute de tudo, desde quem é o mais novo corno da rua, aos grandes problemas políticos do país. É uma cidade tropical, praiana e povoada de bares por todos os cantos, os "bunda-de-fora", os "pés-sujos", a cerveja depois do trabalho, de segunda a segunda. Como os horários do trabalho são variados, há sempre um carioca no bar. Para um alienígena, esta imagem se traduz no paradigma preconceituoso de que cariocas são cachaceiros e que não gostam de trabalhar. Cachaceiros, tudo bem, assumimos que somos!
Talvez a praia seja a culpada. No Rio há sempre a promessa do mar, e como é quente quase o ano inteiro, sempre há gente na praia. E não são vagabundos, há estudantes, pessoas de férias, donas de casa, trabalhadores de meio período, desempregados, todos quando tempo, é lógico, vão se refrescar sem culpa e com pressa na praia. Para pessoas de outras cidades, não praianas, a combinação bar e cerveja cria o mito da cidade que não trabalha, embora todos os dados de ocupação e horas trabalhadas digam o contrário.
Ou o espírito carioca, incompreensível para muita gente. Cariocas são sacanas e politicamente incorretos. Carioca perde o amigo, mas não perde a piada. Carioca faz piada de desastre de trem, e zoa e ri de qualquer infortúnio. Esta coisa malemolente, de escárnio, da ironia, da sátira, que talvez tenhamos herdado da ascendência lusitana, quem sabe das fortes raízes africanas de algum Exu zombeteiro, ou mesmo da mistura incrível de povos e raças que vivem aqui.
O Rio de Janeiro tem viço, o Rio de Janeiro gruda. Tem carioca de todo tipo, carioca cearense, carioca maranhense, carioca paulistano, carioca gaúcho, carioca francês, carioca argentino. Muitos reclamando e amaldiçoando a cidade e dizendo que são loucos para sair daqui, mas no fundo vivendo um amor cafajeste e não confesso, sorvendo e aproveitando cada segundo desta nossa maravilhoso Babel.
Afinal, como não se apaixonar pelo Rio de Janeiro? A cidade da bossa-nova, a cidade do samba. A cidade de Tom Jobim, Niemeyer, Chico Buarque, Nara Leão, Vinícius de Moraes e a cidade de tantos outros não nascidos aqui mas quase cariocas de escolha: Drummond, Clara Nunes, Dorival Caimmy, José Lins do Rego. A cidade da Portela e da Mangueira, duas entidades nacionais, a cidade do Flamengo, da imensa nação rubro-negra e o Maracanã.
Quem não gosta do Rio de Janeiro não é um bom sujeito. Ou é esclerosado e não faz sexo faz muito tempo, ou tem problema no pé e frustração por não saber sambar, não gostar de praia, não gostar desta gente contagiante e musical que somos nós, cariocas.
Viva o bom bairrismo do carioca!