quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A falsa pauta ética da direita e da extrema esquerda

Roberto Ponciano - Mestre Filosofia

A ética nasce na Grécia, e seu campo primordial é a política. Tanto para Platão, quanto para Aristóteles, ainda que o maior bem fosse a virtude, a felicidade não podia ser encontrada na pura e simples contemplação. A ataraxia, a ausência de interesse era o objetivo do filósofo, mas o cidadão superior para Aristóteles não era o filósofo, e a vida desejável a vida puramente contemplativa, mas sim o Prhonemos, o sábio prático, que poderia conseguir o maior bem para a pólis. O centro da ética grega, da preocupação tanto da ética aristotélica, quanto da política em Platão, era a vida coletiva. O centro da preocupação não era a imortalidade da alma, mas a vida prática em comunidade. Ainda que a teologia cristã esteja centrada em ideias ou platônicas ou aristotélicas sobre a alma, é uma transplantação e releitura de ideias gregas para o mundo medieval cujo centro passava para o indivíduo, saindo da coletividade, já que a polis, em que a política era o centro, não estava em disputa na idade média. Do pensamento religioso cristão nasce a ideia que a ética, ainda mais uma ética da salvação da alma, em que o Centro do Universo reside em Deus, deva ser o indivíduo e não o Coletivo.
Com o secularismo na política retomado com as revoluções burguesas e a separação entre Estado e Religião, efetivamente a ética política só pode estar centrada novamente no coletivo. O mal entendimento do adágio “os fins justificam os meios” fez com que muita gente pensasse que a política podia prescindir da ética. Uma ética finalística perspassou boa parte da esquerda e durante a década de 60 o centro da discussão era a política e a função do homem no mundo, e não o homem individual. A náusea do existencialismo, a perda do paradigma religioso, do homem para o infinito, deu a muitos a ilusão que a ética não teria relação com a política. Mas no cerne mesmo do debate do existencialismo, a redução do homem a uma função, inspiração de Camus, Kafka, Huxley e Orwell, já são a crítica da busca de uma essência perdida, que não é mais a essência inata católica, da alma individual; mas que resta numa busca imanentista histórica do confronto entre o homo faber = homo sapiens da dialética marxista e da ontologia de Lukács. A derrota do campo socialista da década de 90 levou as pessoas a uma espécie de “embriaguez ética”.
A direita propôs esta pauta, baseada no fim da história e na crítica a um socialismo real que seria pragmatista e positivista, sem que a esquerda fizesse o balanço de perspectiva, assim colocando no mesmo patamar os Kulags, os julgamentos de Moscou com a libertação do terceiro mundo, a resistência ao nazismo na segunda guerra mundial e a derrota do nazi-fascismo. O socialismo não tinha mais sido derrotado, era um fracasso, cujas raízes tinham que se buscar num igualamento entre socialismo-comunismo = fascismo-nazismo. Como diria Galeano, era como se Marx fosse culpado dos Gulags, igualar marxismo ao Stalinismo era como se reduzíssimos o Cristianismo à Inquisição. Equiparar a derrota a um fracasso, sem fazer o balanço extremamente positivo para a humanidade da experiência de outubro de 1917, nos desarmou para o embate com a direita.
Boa parte da extrema esquerda “boazinha” entrou no pileque “ético” da direita. O Centro da discussão não era mais a política e o centro do Ethos não era mais a polis, mas havia uma ética, individual e jusnaturalista que pairava acima de todos. Era um neo-kantismo que a-priori dirigiria o homem, como se efetivamente Hegel e sua crítica do a-priorismo kantiano fosse esquecida (e nem estou chegando à Marx). Assim as empresas passaram a ter um compromisso ético e se produziram as ilusões de “capitalismo verde”, “responsabilidade empresarial”, “eleições limpas” (com financiamento privado), reforma responsável e ética do sistema do capital (irreformável por sua lógica sócio-metabólica) e outras bobagens que não resistem a uma análise mais dura.
Efetivamente, não proponho aqui nenhum niilismo moral, nem que não se discuta a ética, mas sim a ética do Prhonemos, do sábio prático, na verdade, do ativista político que poderíamos equiparar inclusive ao intelectual orgânico de Gramsci, já que se produz na unidade indissolúvel de teoria e prática. De que a ética é proporcional, nem finalista, nem ética de meios, já que os meios e os fins tem que estar proporcionais em uma sociedade cujos paradigmas de existência que nos são dados não são paradigmas que se assentem num equilíbrio entre direitos e deveres.
A direita propõe o discurso ético, porque é o discurso que a favorece. Primeiro porque é uma falácia e um falso discurso, no estilo de Goebbels, de uma mentira dita mil vezes. Já que é ela que produz o discurso, a ideologia dominante numa sociedade é a ideologia dominante. E quem é que é senhora dos jornais, revistas, rádios, internet, escola, empresas no capitalismo? É lógico que numa lógica sócio-metabólica de reprodução ampliada incessante do lucro e transformação do homem em função e máquina, é necessário produzir a ideia de isenção é neutralidade. Assim, a ideia de eleições “limpas” e “isentas” quando o financiamento é privado desloca a discussão do essencial.
E o que é o essencial? No Brasil a discussão essencial, para a esquerda poder avançar sua pauta, podendo aumentar seus números nas assembleia legislativas é a REFORMA POLÍTICA. O discurso do mensalão só beneficia a direita. E por que? Primeiro porque pressupõe que a discussão é da ética individual, que devemos perseguir e punir alguns maus meninos de uma política que seria então possivelmente honesta. Como nos filmes de tribunal estadounidenses. Há a necessidade da ilusão jurídica e individual. Se é possível punir alguns poucos indivíduos e separar o joio do trigo, ainda que transformemos o STF num Tribunal de Exceção e a mídia julgue preventivamente os “inimigos públicos”, então é possível uma boa política individual, ainda que o sistema seja ruim. Ou seja, é possível que o lobo se torne vegetariano, a pauta é deslocada do financiamento público de campanha para o “julgamento dos maus políticos” e para a ficha limpa, para os institutos e ONGS de “transparência”, todos eles de direita, todos eles irmãos siameses de uma mídia financiada pelos mesmos agentes sociais que financiam a política e que ditam esta falsa pauta da sociedade.
Os Democratas e os Tucanos o fazem porque para elles interessa esta pauta. É fundamental que a discussão da “ética na política” no Brasil seja meritória e individualista e despolitizada. Basta prender uns ou outros (com ou sem prova), produzir condenações e linchamentos coletivos e o Brasil estará mudando, como urram em uníssono Reinaldo Azevedo e a Veja, e o Brasil estará intacto. De outro lado, uma extrema esquerda sem discurso e sem projeto que acha que lucra empurrando o carrinho alegórico do Cansei. Parece que a pauta central do Brasil é a corrupção, que é possível um capitalismo sem corrupção e eleições com financiamento privado que sejam limpas! Um grande engodo, uma grande mentira e um discurso somente pseudo-ético.
A forma de financiamento eleitoral brasileiro, copiado dos EUA, é o pior possível e garante a primazia das grandes corporações nacionais e transnacionais. É feita para manter a dominação de classe e as graves diferenças sociais. E não precisa de desonestidade, o sistema institucionalizou a corrupção. Existe uma “corrupção ética” no Brasil. Desde que as empresas declarem seus apoios, suas doações de campanha (depois devidamente descontadas no imposto, ou seja, pagas por nós, contribuintes) não há corrupção. Em resumo, é um grande espetáculo, as eleições brasileiras são financiadas pelo Itaú, Bradesco, IBM, UNIMED, AMIL, Odebrecht, Vale do Rio Doce, Sadia, Perdigão, latifundiários. Das 500 campanhas mais ricas de Deputados Federais, 300 obtiveram sucesso e foram eleitos. Em resumo, temos um Congresso com bancadas financiadas pelo sistema financeiro, pelo latifúndio, pelos banqueiros E TUDO ISTO É LEGAL!!!
Em lugar de estarmos discutindo a pauta ética que realmente conta, FINANCIAMENTO PÚBLICO E SOMENTE PÚBLICO DE CAMPANHA e VOTO EM LISTA MISTA (que favorece a partidarização e ideologização da política em detrimento das aventuras individuais corruptas), ficamos discutindo o grão de areia no deserto, as denúncias de desvio da corrupção legal e institucionalizada. Não avançaremos em nenhuma grande pauta nacional sem fazermos reforma política e esta só será feita quando sairmos desta falsa pauta, falsamente ética em que nos colocaram os tucanos pefelistas da vida e na qual navegam os PSOLISTAS e discutirmos realmente o que pode mudar a pauta do Brasil. Necessitamos de um Congresso completamente renovado, se quisermos avançar na reforma agrária, na reforma do sistema financeiro, em políticas que ataquem o principal problema brasileiro que é a distribuição de renda, e não a ética na política.
1. Esta ética individual é falsa, não devemos buscar a ética na política, mas politizar a ética, o campo de existência da ética é a política e a questão é simples coletiva, funcional e sócio-metabólica e não simplesmente de honestidade individual, não é uma questão de salvação da alma da filosofia medieval, é questão da polis e do Estado, grega.
2. Ou temos coragem de propor isto, e revertemos este jogo polítizando a discussão ética, ou ficaremos eternamente amarrados ao jogo da direita, na pauta que eles querem, mantendo eternamente discutindo cortar os ramos, enquanto a árvore frondosa da estrutura política censitária brasileira vai nos proibir de avançar nas reformas que necessitamos para construir alternativas socialistas no Brasil.

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